terça-feira, 8 de julho de 2014

PAS350. A infância dum assassino

— Francis quer fazer-me sua esposa. Podes avaliar o que isso representa para uma mulher como eu? Usher deu uma risada trocista. Com ironia referiu-se à ansiedade de regeneração que sentia quem, depois de ganhar a vida por qualquer procedimento, procurava a respeitabilidade que lhe faltava e o esquecimento do seu turbulento passado, no Jordão do matrimónio.
— Mas — acrescentou, mudando de tom, — eu não vou comprometer-me por um teu estúpido sentimentalismo.
— Enganas-te redondamente, Willard. Não o farás por mim, mas por ti. Também tu tens duas razões, decisivas para a tirar do perigo em que se encontra. Uma é que, se ele falasse, e fala com certeza se se via perdida, e eu confirmarei as suas palavras, saberiam que foste tu o indutor da morte do juiz. Agrada-te a perspetiva?
— Não — reconheceu Usher, que começava a compreender que não teria outro remédio senão ir em socorro do pistoleiro; depois, movido pela curiosidade, perguntou: — Qual é a outro motivo?
— A história é longa, complicada e à primeira vista incrível. Contém uma série longa de estranhos acasos. Todavia, é verdadeira e vale a pena contar-ta.
Falou do seu nascimento na parte indígena de Yume, da sua infância pelas ruas poeirentas e cabanas imundas habitadas por «mex», índios e mestiças. Ali conheceu uma mulher chamada Maria pelos mexicanos, e a um seu filho de nome Francis. A mulher, que fora muito bonita, segundo afirmava quem a conhecera alguns anos antes, era um autêntico farrapo. O petiz parecia odiar o mundo inteiro, brigava com todas e a sue ocupação favorita era o roubo. A mãe morreu quando o filho tinha quinze ou dezasseis anos, suponho que tuberculosa. O rapaz desapareceu de Yuma em seguida, depois de matar um indivíduo para o roubar e não voltei a vê-lo até ontem, aqui em Tucson.
— Queres fazer-me acreditar que é Lone Francis e o reconheceste ao fim, de tantos anos, apesar do que deve ter mudado? — perguntou Willard, incrédulo.
— Sim. Recordava-o bem, porque, embora sendo sete anos mais nova do que ele, admirava-o de criança, venda os mais velhos temerem-no. Mas não o reconheci por isso, mas porque lhe falta o lóbulo da orelha direita. Arrancaram-lho numa sova que lhe deram uns brancos a quem ele pretendia roubar um cavalo.
Depois duma pausa, prosseguiu:
— Fiz algumas perguntas a Lone Francis e todas as dúvidas se desfizeram. Tinha a certeza absoluta de que o mestiço não era outro senão o ladrãozito que conheci em Yuma.
— E que diabo me interessa tudo isso? — tornou Willard a perguntar, com ar aborrecido.
— Muito! Ouvi dizer, então, que o pai do rapaz era um americano, um dos muitos aventureiros que ao terminar a guerra atravessaram a fronteira para intervir nas contendas civis mexicanas ou praticar o banditismo. Doente numa aldeia de Sonora, o americano fora tratado por uma família de regular posição. Pagou os seus cuidados, seduzindo a filha, levando-a com ele depois de despejar a casa de quantos objetos de valor que ali havia. A rapariga era graciosa, mas depressa ele se cansou dela. A maternidade, o desgosto de ver-se em terra estranha, os maus tratos que lhe dava o seu amado, envelheceram-na prematuramente. Em lugar de casar com Maria como lhe prometera, o americano jogou-a ao «pocker» um dia, com uns amigos. A índia repeliu as pretensões do amigo e conseguiu libertar-se dele, à custa duma bárbara sova que a deixou arruinada para o resto da vida. O sedutor, o pai do seu filho, abandonou Yuma e nunca mais o viu.
— Por que perdes tempo a contar-me folhetins sentimentais? — resmungou Willard, mal-humorado, mas sem poder ocultar uma tácita inquietação.
— Porque com certeza conheces o protagonista. Recordo o seu tome, porque o ouvi repetir centenas de vezes à pobre Maria. Chamava-se Charles Hanson.
— Charles Hanson? — repetiu o seu interlocutor. Parece-me que nunca ouvi esse nome.
— Admira-me — respondeu Linda, olhando fixamente para — Mais ainda, atrevo-me a jurar que ninguém o conhece melhor que tu.
— Por que supões isso? — perguntou o dono do «Copper Ring», com os punhos crispados.
— Porque quando cometei a andar por «cafés» — concertos e a percorrer vilas e cidades da Califórnia e Arizona, interessei-me por encontrá-lo. Perguntei em toda a parte e, há uns seis meses, era Phoenix, encontrei um seu amigo.
— E que te disse esse amigo?
— Que Hanson mudara de nome havia muito tempo e, se me interessasse muito encontra-lo, devia vir a Tucson e procurar um indivíduo que atualmente diz chamar-se Willard Usher...
De pálido que estava, o dono do Copper tornou-se lívido; um instante depois, parecia que todo o sangue lhe subia à cabeça e pôs-se vermelho. Pelos seus olhos, agora injetados de sangue, passou um relâmpago homicida. Conteve com esforço o impulso de estrangular a rapariga; mas não tentou negar. Depois duma pausa, longa e embaraçosa, durante a qual Linda o fitou; sorridente e com desprezo, com se lesse o Cursa atormentado dos seus pensamentos, Willard inquiriu com voz rouca:
— Francis sabe-o?
— Se o soubesse, julgas que matava Fawcett e procurasse fazer o mesmo com Carvett, deixando-te tranquilo a ti?
— Supões que se suspeitasse quem sou…
— Passarias um mau bocado -- antecipou-se ai rapariga a responder, antes que Usher concluísse a pergunta. — Para teu bem, é preferível que o não saiba.
— Mais uma razão para eu cruzar os braços e deixar que o xerife o enforque. Já sei -- acrescentou vendo o gesto de Linda -- que, segundo a tua versão, é meu filho. Mas vou consentir, que me mate, mesmo no caso de o ser?
— Não — replicou a cantora. Não dará nada contra ti, porque eu não lhe direi quem és. A menos que não consigas a sua liberdade ainda esta noite. Nesse caso, falaria e o resultado para ti seria desastroso.
— Mas antes de falares eu posso...
— Nada! — atalhou seca, Linda, apontando-lhe ao peita um revólver. — Se um de nós dois tem de morrer esta noite, serás tu e não eu.
Vila acabou por se render sem condições. Uma hora depois procurava o xerife. Acompanhavam-no Linda e dois criados do «Popper», dispostos a jurar que Lone Francis não saíra ido «saiam» até muito depois da morte de Fawcett.
— Não tenho o menor interesse nesse mestiço — mentiu Willard. — Mas conheci a acusação que pesa sobre ele e creio cumprir um dever de consciência vir declarar de maneira clara positiva a sua inocência no crime que lhe imputam.
Discutiram um bocado. Por fim Lone Francis foi restituído à liberdade. No caminho de regresso ao «Copper», o mestiço quis demonstrar a sua gratidão com uma promessa solene:
— Matarei Boston. Por verdadeiro milagre, escapou-me esta tarde, mas acabarei com ele. E não preciso que me dê um cêntimo. Por uma vez, trabalharei de graça e para minha própria satisfação pessoal.
(Coleção Pólvora, nº 3)

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