domingo, 27 de julho de 2014

PAS363. Briga sob a Lua branca do Texas

— ...Honeyman — disse Lisbeth, em voz baixa — Realmente, não me Importa o seu apelido. Só sei que consegui interessá-lo e não hei-de perdê-lo, porque uma estúpida como tu me aconselha o contrário. Alem disso, é interessante e garboso. — e acrescentou em voz baixa, como uma sentença — Tu agora criticas-me e julgas-me uma insensata, mas ainda te hás-de ver em companhia de homens muito piores do que Jim.
Gizel não lhe retorquiu. Já que haviam chegado até ali, já que estavam em poder daqueles traficantes de vidas humanas e ela se inscrevera, como qualquer simples trabalhador, era porque no mundo podia suceder qualquer coisa. Talvez Lisbeth tivesse razão e ela acabasse por acompanhar algum homem pior do que Jim. Como Burke, por exemplo...
Lisbeth deixou-se cair no pequeno colchão, onde costumava dormir e, olhando sua irmã com um ar trocista, disse-lhe:
— Talvez tu, tão puritana, de coração tão limpo, tão mulher do teu carro, visto que aqui não podemos dizer «mulher de sua casa», acabes por ir de joelhos atrás de um tipo como Burke, por exemplo, um pistoleiro profissional, um assassino que fere ou mata quando lhe pagam para isso ou simplesmente quando esta com a gana de brigar. É isso que te acontecerá. E, quando tal suceder, eu serei a mulher mais rica do Texas.
Fez uma pequena pausa. Depois, continuou:
— Além disso, julgas mal Jim Honeyman. Se, às vezes, se porta como um cínico é porque, na realidade, anda amargurado. Há dois anos e meio, casou com uma mulher nova e rica. Tiveram um filho e ela quis que o pequeno fosse batizado na sua terra, na Califórnia. Foi ele mesmo quem me contou tudo isto. Jim permaneceu aqui, porque era aqui que tinha a sua vida. Sua mulher partiu sozinha. No regresso, a diligência foi assaltada e ela morreu. Seu filho foi atingido por uma bala. Jim soube tudo isto por um sobrevivente. Os bandidos levaram todo o dinheiro e a criança, da qual nunca mais teve noticias. Foi tudo isto que influiu no seu carater.
— Pois se amava assim tanto sua esposa, esqueceu-a depressa,— disse Gizel, com acrimonia.
 — Tu é que não compreendes as coisas. Ele procura esquecer as coisas, e enamorou-se de mim. Os homens estão sempre dispostos a empreender uma vida nova.
— Tu és uma criança inexperiente, Lisbeth.
— Basta! No fundo, é só inveja o que tens. Jim é esbelto e novo. Agrada-me e eu agrado-lhe. Isso fará de mim uma mulher
— Por que preço?
Lisbeth soltou uma gargalhada.
— Jim Honeyman enamorou-se de mim — repetiu. — É um grande homem e, além disso, pode dar-me tudo quanto desejo. Que me importa o resto? São simples pormenores. Coisas que acontecem antes ou depois... E essa a única diferença.
Gizel estava disposta a suportar tudo quanto sua Irmã dissesse, mas aquele cinismo humilhou-a. Vinte e dois anos de educação puritana, de respeito a umas leis morais, sublevaram-se nela, de repente.
Então, levantou-se e esbofeteou Lisbeth violentamente. As suas mãos saltaram duas, três, quatro vezes sobre o rosto da irmã, fazendo-o oscilar como um pendulo, castigando-o desde os olhos a boca.
Quando deixou de bater, o seu peito arquejava por causa do esforço e da excitação e nos lábios de Lisbeth havia uma mancha de sangue.
— Estúpida! — disse com voz surda — Perdida! — e ficou abatida, sobre o estreito colchão.
De súbito, porém, reagiu e, saltando aos pés de sua Irmã, fê-la cair de costas, ficando em alma dela.
Então, foi a sua vez de bater-lhe. O rosto de Gizel andou de um lado para o outro, torturado, sangrento, e cada uma das bofetadas recebidas ressoava-lhe na cabeça, coma uma chicotada. Soltou um gemido, e procurou prender sua Irmã; mas como não o conseguisse, fez um requebro com a cintura, obrigando Lisbeth a perder o equilíbrio. Aproveitando essa circunstância, Gizel levantou-se e com o canto da mão aplicou-lhe um golpe por baixo do queixo, coma tinha vista fazer aos soldados, em Alabama.
Soltando um gemido, Lisbeth sentiu o sangue a correr-lhe do nariz e da boca. Cega de cólera, agarrou sua irmã pelo pescoço e empurrou-a para a frente, a fim de estendê-la no leito do carro e poder bater-lhe a vontade. Mas não notou que estava quase na borda do carro e esse movimento de impulsão fê-las cair ao pé de alguns homens que, atraídos pelo ruido da refrega, se tinham aproximado, dispostos a intervir e separá-las.
Havia luar, de uma Lua branca, redonda. Os homens do Sul costumavam dizer que uma Lua daquela espécie tinha cara de mulher do Texas. A sua luz era limpa, pura e, a um tempo, selvagem.
Foi essa luz que iluminou aquelas duas fúrias, as suas bocas sangrentas e os seus olhos irados, as suas pernas e os vestidos rasgados; e os olhos de todos aqueles homens refletiram a luz da Lua, com um clarão de cupidez, com um fulgor de bestas, espreitando.
Quando as duas irmãs caíram, Gizel ficou por cima e levou logo a mão esquerda ao pescoço de Lisbeth, apertando-o. Assim a manteve quieta, enquanto com a direita continuou a esbofeteá-la. Depois, com a mão fechada esmurrou-lhe o nariz, fendendo-lhe os lábios, ensanguentando-a ate às sobrancelhas.
Os homens, apertando o círculo, inclinavam-se para elas e riam estupidamente, levando as mãos ao ventre, nas expansões do riso.
Lisbeth levantou as pernas, num desesperado esforço para se libertar do castigo e todos os seus belos contornos tornaram-se ainda mais visíveis. O clamor masculino aumentou. Todos se empurravam para ver melhor e as suas botarras quase tocavam no corpo das duas jovens. Uma espora arranhou os pés de Lisbeth. E Gizel continuou a bater, de olhos fechados, até ter a sensação de que sua irmã ficava sem sentidos e ela mesma sem forças para prosseguir. Esgotada, arquejante, abriu então os olhos. E viu debaixo de si o rosto ensanguentado de Lisbeth e, à sua volta, um espesso círculo de botas grosseiras, de vários feitios.
As suas mãos abriram-se, flácidas, enquanto uma invencível angustia a dominava por completo.
Viu olhos brilhantes, inclinados sobre o seu rosto, rostos suados, de feições bestiais e bocas entreabertas que cheiravam a conhaque e a rum. E ouviu vozes tão fortes e tão próximas que pareciam chocar contra o seu rosto.
— Devíamos organizar um campeonato feminino. Teríamos, pelo menos, com que nos divertir nesta amaldiçoada terra!
— Ouve, linda pequena! Porque não lutamos nós? Posso ensinar-te algumas «chaves» e golpes infalíveis... mas terá de ser no meu carro!...
Uma mão aproximou-se do rosto de Gizel, chegando quase a tocá-lo. Era a de Artur Honeyman, o pai de Jim. A jovem, com todas as suas forças deu um soco nela. Depois, levantou-se, puxando por sua irmã. Os seus olhos estavam alagados de lágrimas.
— Rapazes! Esta é a campeã. Temos de passeá-la, aos ombros!
Um alarido ressoou dum extremo ao outro da fileira de carros. Cem mãos estenderam-se para Gizel, e esta, gemendo e a chorar, foi levantada ao alto e sentada sobre as cabeças de alguns homens.
De súbito, porém, ouviu-se uma voz solitária e desesperada:
— Canalhas! Miseráveis!
Era o tio Glenn, que nesse momento, chegava a correr. Ao ver a cena, deitou a mão ao revólver, mas dois homens atiraram-se a ele e imobilizaram-no, antes que pudesse fazer uso da sua arma. De olhos desorbitados, uivando coma um coiote, que vão sacrificar, viu levantarem no ar as duas irmãs e, depois, atirarem-nas brutalmente para dentro do carro. Uma unânime e estentórea gargalhada coroou a estúpida façanha.
Os dois colonos libertaram então o velho Glenn mas este não foi para o seu carro. Com os pés enterrados no pó, fazendo «ss», como urna pessoa entontecida ou ébria, afastou-se lentamente para o outro extremo do acampamento. Daquela vez, havia chegado tarde e tinha vergonha de aparecer ante as duas sobrinhas. Não era mais do que um velho acabado que já não servia para nada e que chegaria sempre tarde quando se tratasse de defender o que lhe pertencia.
Ao caírem dentro do carro, as duas irmãs ficaram quase abraçadas, sem compreenderem bem o que se passara. Mas quando abriram os olhos, ao mesmo tempo, repeliram-se mutuamente.
— Monstro!
— Perdida!
Lisbeth inclinou a cabeça disposta a continuar peleja, mas Gizel evitou-a, refugiando-se num canto do carro. Por nada deste mundo, desejaria reatar a briga, ao verificar a que extremos haviam descido. OS seus olhos cravaram-se no rosto ensanguentado de sua irmã e, então, sentiu desejo de chorar. Voltando-lhe as costas, estendeu a mão, para procurar um recipiente de metal ou um copo.
— Ainda há café.
Pegou num púcaro de folha, no qual deitou café até meio e ofereceu-o a sua irmã. Já estava frio, mas cheirava bem. Lisbeth recusou-o, desviando o olhar.
—Bebe! Far-te-á bem.
Lisbeth cerrou os dentes e voltou a cabeça para não a fitar.
— Ofereço-te sem rancor. Peço-te que bebas isto.
Sua irmã aceitou-o, quase violentamente e bebeu o café de uma só vez. O líquido tinha um sabor acre e estranho, de misturar-se com o sangue da boca.
— Eu vou lavar-te e desinfetar-te as feridas. Tens os lábios rachados.
(Coleção Colt, nº 3)

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