sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

PAS222. O beijo de um anjo

Clifton Kennedy montou a cavalo e afastou-se do rancho mas não regressou à granja da sua tia, situada no outro lado da cidade.
O dia estava agradável e convidava ao passeio, embora os raios de sol começassem a caldear a terra de uma forma que não era habitual numa recém-nascida Primavera.
O jovem sentia-se feliz. Feliz por ter encontrado um trabalho remunerado que o podia tirar e a Edna Breman de apuros e mercê do qual pensava juntar o dinheiro suficiente para se casar com ela. Feliz porque, depois de tantos anos, se encontrava ali de novo, na planície onde brincara em menino, onde pela primeira vez montara a cavalo e manejara um cavalo e um laço. Era feliz por causa de um mundo de pequenas coisas de grande valor sentimental.
Já fora dos terrenos do «Estrela Mary», pôs o cavalo a passo e dirigiu-se para uma suave elevação de areia, donde dominava uma grande extensão da pradaria, o bosque, as montanhas azuis delimitando o horizonte, a prateada corrente caudalosa do Colorado, as casas da pequena cidade e mil e um pormenores que traziam à memória de Kennedy pormenores da sua infância.
Enquanto olhava para tudo aquilo, ensimesmado e sonhador, qualquer coisa lhe chamou a atenção. Longe, para o lado do rio, elevava-se uma grande nuvem de pó. Esforçou a vista, supondo que se trataria de algum grupo de apressados cavaleiros, mas equivocou-se.
Não passava, afinal, de poeira levantada por um pequeno carro puxado por um único cavalo branco que dava grandes cangochas no caminho pedregoso, ameaçando voltar o veículo, que saltava furiosamente.
Clifton Kennedy compreendeu imediatamente que o condutor do carro, quem quer que fosse, tinha perdido totalmente o domínio do seu corcel e que este galopava com o freio nos dentes.
Tomou a decisão que se impunha. Esporeou a montada e lançou-se numa correria desesperada em direção ao pequeno trem.
No banco do frágil veículo, uma mulher fazia prodigiosos esforços para deter o ímpeto do animal.
Kennedy, em silêncio, pôs-se ao lado da carruagem com o cavalo lançado em louca correria. Esporeou-o ainda mais e conseguiu colocar-se em paralelo com o enlouquecido animal. Logo que efetuou esta manobra, o jovem tirou os pés dos estribos e saltou agilmente para a garupa do cavalo branco. Puxou as rédeas com enorme esforço e, ao fim de alguns segundos de luta, conseguiu que o bicho se detivesse.
- Obrigado, rapaz. Salvou-me a vida.
- Não tem importância, minha senhora. Qualquer em meu lugar teria feito o mesmo.
A mulher tinha cabelo avermelhado e era bastante bonita, ainda que não muito jovem. Tinha uns enormes olhos verdes e uma boca grande, carnuda e sensual. Quando saltou para o solo para sacudir o pó aderido às roupas, o rapaz pôde apreciar que tinha um corpo estonteantemente escultural, um corpo que estava de acordo com a beleza das suas feições. Tinha uma cintura estreita, pernas fortes e bem torneadas e busto alto e firme que parecia querer romper o tecido da sua blusa branca.
Clifton Kennedy, ao olhar para aquela mulher, sentiu-se positivamente maravilhado, quase estupefato. Se não existisse Edna Breman, juraria que não existia no mundo mulher mais interessante. Mas, com Edna ou sem Edna, a desconhecida da pequena carruagem era das mulheres mais belas da criação! Ela fazia parte daquele grupo de mulheres que nunca passam despercebidas em parte alguma e que levantam olhares de admiração – só de admiração?... – nos homens que as observam e de inveja – só de inveja?... – nos exemplares do mesmo sexo.
- Acho que ninguém seria capaz de fazer o que você fez! – exclamou a mulher, já refeita do susto momentâneo que havia passado. – Mesmo que alguém o tivesse tentado, não conseguiria realizar metade do seu feito. Você merece um prémio. Aproxime-se de mim e não fique para aí especado…
Clifton Kennedy avançou para aquela beldade de cabelos de fogo e sentiu-se envolvido pelo calor do seu olhar. Sorriu timidamente e esteve a ponto de dar meia volta e fugir da tentação daquele rosto provocantemente excitante.
- Se fosse livre, rapaz, havia de procurar casar-me consigo. Estou certa que é o homem com quem sempre sonhei, aquele que esperei durante muito tempo e que nunca apareceu.
O jovem sentiu-se ainda mais perturbado. A mulher queimava-o com os olhos.
- Afinal, você apareceu… quando já é demasiado tarde.
Kennedy ficou espantado. Aquela mulher estava a troçar, certamente.
Só conseguiu responder, desajeitadamente:
- Eu também posso ser casado…
Ela sorriu. Que sorriso!
- Mas não é… Não é verdade?
O rapaz engoliu em seco. Aquilo era pior que travar duelo com o mais feroz pistoleiro.
- Não… mas estou comprometido…
Sentiu todo o ridículo da frase. Adorava que o chão o tragasse.
- Já o supunha… Um rapaz tão simpático não podia estar vago… E o que é estranho é que nenhuma rapariga o não tenha pescado já definitivamente…
Kennedy fez um sorriso amarelo.
- Já estou quase pescado… Vou-me casar…
«Que estupidez de conversa!», pensava o rapaz. «Aonde é que isto vai parar?...».
A mulher parecia divertida.
- Bem… Falemos do prémio que você merece… Não lhe devo oferecer dinheiro. Ficaria ofendido e não aceitaria…
O rapaz não respondeu. Sentia-se mais estúpido que uma galinha. A sua belíssima companheira aproximou-se dele tanto que ele sentiu, em cheio, o seu estranho perfume.
- Há uma coisa que não se pode comprar com dinheiro. Um beijo meu…
Kennedy viu tudo a dançar à sua volta. Jamais sonhara com uma situação semelhante. A voz dela, aveludada, muito próxima, continuou a envolve-lo, como uma serpente.
- Um beijo meu… Em Austin e em mil milhas em redor qualquer homem deixaria que lhe cortassem a mão direita para ser beijado por mim.
Aproximou-se ainda mais. O peito quase tocava a empoeirada camisa de Kennedy.
- Olhe que digo a mão direita… porque é aquela que se usa para sacar o revólver.
O rapaz fez um enorme esforço para resistir ao primeiro impulso. Respondeu, com ironia:
- Compreendi… senhora… E quanto a «todos os homens»… acho que serão todos, menos um… O seu marido…
Ela riu francamente.
- Está certo! Menos o meu marido… Ele tem direito a todos, mas… Que lhe parece se lhe roubarmos um?
A desconhecida era demoniacamente simpática e atrativa. Sabia insinuar-se e dominar com o sorriso quente, o olhar magnético, a palavra fácil e fluída. Os mais pequenos gestos manifestavam normalidade.
Kennedy compreendeu a situação. Estava num beco sem saída. O desafio tinha de ser aceite.
- Por mim não há o mínimo obstáculo. Sempre poderei dizer que já fui beijado por um anjo!
Ela atirou uma gargalhada sonora e cantante.
- Um anjo! Um anjo! – repetia a mulher, imensamente divertida. – Nunca ninguém me chamou uma coisa tão bonita!
Agora os cabelos vermelhos roçavam na cara de Kennedy.
- Inclina-te um pouco, grandalhão – murmurou num convite irresistível.
Ela não esperou que o rapaz se dobrasse. Pôs-se na ponta dos pés, atirou-lhe os braços ao pescoço e beijou-o suavemente nos lábios.
(Coleção Búfalo, nº 57)

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