quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

PAS215. Pede-me que arranque a lua lá de cima!

Agarrou na rédea do seu potro e desapareceu na escuridão.
Johnny ergueu os olhos para o céu. Três sombras deslizavam entre as estrelas. Três cavaleiros. Estavam sempre ali, sempre… sempre… sempre!
- Sim, estão ali – disse uma voz fina a seu lado. A de Louise. – Na glória de Deus.
Ele sentiu horror e ao mesmo tempo uma espécie de consolo. Louise sabia-o. Louise havia-o adivinhado. Louise podia vê-los e ouvi-los; podia compreender. Também estavam ali para ela.
Murmurou:
- Foi uma canalhice.
Uma pequena mão poisou na sua.
- Deves esquecer, Johnny.
- Tu brincas comigo. Nunca esquecerei. Os homens como eu não esquecem.
- Todos esquecem. Acaso te recordas de Sam? – A mão interrompeu o contacto fugaz. – Diz, recordas-te?
- Quem é Sam?
- A tua estrela. Tinhas uma estrela quando éramos pequenos e eu outra. Eram Sam e Sally, os nossos amuletos. Brilhavam do mesmo modo. Esqueceste-os, não é assim? Onde estão, Johnny?
- Não sei – respondeu abruptamente. E, em seguida, arrependeu-se da sua dureza. – Talvez se tenham separado.
- Oh! Isso é impossível.
Johnny disse entre dentes:
- Brincadeiras de crianças, brincadeiras estúpidas de criança! Pete, Hank e Jerry morreram. Tudo o mais que vá para o diabo. Mas foram as minhas condenadas brincadeiras de menino que os matou.
Seguiu-se um silêncio.
- Lamento-o, Johnny – a voz da rapariga tremia. – Eu apenas queria distrair-te… queria… que os teus pensamentos….
- Está bem – atalhou ele.
Nem sequer a havia olhado. Tinha medo de a fitar a ver o passado no seu rosto. Não podia recordar que ambos foram crianças uma vez e brincaram juntos na pradaria, quando o mundo era um sítio encantado, imenso, infinitamente livre.
Para ela era impossível que Sam e Sally se tivessem separado. Para ela!
- Alegrei-me por voltar a ver-te – acrescentou Louise. – Alegrei-me e esta noite soui muito feliz. Tu não o és, compreendo. Mas gostaria tanto que sentisses o que eu sinto! Oh! Johnny! – a voz da jovem tornou-se tensa, um pouco áspera. – Não será, acaso, possível apagar o tempo e voltar atrás? Por que não? Recordas-te do nosso esconderijo debaixo dos álamos junto ao riacho? O nosso refúgio secreto! Porque não nos podemos ocultar ali, e contemplar as estrelas e falar das nossas coisas?
«Não me lembro», pensou Johnny. «Nunca me lembrarei».
- Tenho de partir – disse.
No entanto, era tão necessário um refúgio secreto. Não deixava de o ser, ainda que a infância ficasse para trás, ainda que uma pessoa já fosse homem. Mais necessário todavia se uma pessoa era homem: um refúgio secreto para si… um refúgio que não fosse a morte!
- Estou-o vendo – murmurou a rapariga.
O seu tom exprimia uma dor quieta e profunda.
De súbito, Johnny voltou-se para ela e agarrou-a fortemente pelos ombros, inconsciente da sua própria brutalidade.
Louise sentiu a força, o calor e o tremor das suas mãos. Estremeceu.
Ele disse:
- Agora tenho de partir para Rosalita. Tenho algo que fazer ali – e engoliu em seco. – Deves esquecer-me, Louise, como se nunca me tivesses conhecido, como se nunca… Bom, falar não é o meu forte. Tenta compreender que jamais nos voltaremos a ver. Tu tens a vida à tua frente. Vive-a.
- Johnny…
- O que é?
- Pede-me que arranque a lua lá de cima. Será mais fácil.
Ele adivinhou um soluço através das suas palavras. Por um instante viu os seus olhos cheios de luz. Foi no mesmo instante em que alguma coisa pareceu desgarrar-se dentro de si e dar lugar a uma sensação de angústia, uma angústia sempre crescente.
Moveu-o um impulso irresistível. Inclinou-se e rodeou a rapariga com os seus braços. Atraiu-a de encontro ao seu peito, palpitante, nervosa, suave. Teve plena consciência de que a beijava. Teve plena consciência de que estava como escrito desde o princípio do mundo que aquilo tinha de acontecer, e que então aconteceria.
Soou o galope de um cavalo.
- Está aí, Johnny – perguntou Wolfe na escuridão.
Johnny não disse nada.
Não disse nada a Louise, nem tão pouco a seu pai.
Saltou para a sela do seu potro e afastou-se em direção a Rosalita como se fugisse de alguma coisa.
Três cavaleiros montavam além nos seus três cavalos de nuvens. No céu noturno, sempre, sempre atrás dele…
(Coleção Búfalo, nº 53)

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