sábado, 4 de janeiro de 2014

PAS209. Um beijo e uma bofetada na noite

Kirk girou sobre os calcanhares e dirigiu-se para a tenda que compartilhava com Grahame.
De repente, deteve-se observando a silhueta de Marion. Recortava-se no céu, tendo como fundo a Lua. Estava um pouco mais acima da ladeira que tinham escolhido para acampar, apoiada numa rocha. Caminhou lentamente para ela.
- Que tem, Marion? – perguntou. – Também tem pesadelos?
- Isso não é consigo! – respondeu-lhe. – Ouvi a sua conversa com Duke e Minelli.
- Tem alguma coisa a dizer?
- Quer dar-nos a impressão de que se interessa pela vida dos outros, não é verdade, senhor Brown?
- E não é assim?
- A mim não me engana. Só a sua própria vida lhe interessa.
Kirk sorriu.
- Como chegou a essa conclusão?
- Você apercebeu-se, desde que fomos envenenados, de que só chegando ao acampamento dos «Pés Negros» nos poderemos salvar.
- Não fui só eu. Creio que chegámos todos à mesma conclusão. Por isso nos pusemos a caminho.
- Mas a você interessa-lhe que ninguém lute, que se mantenha a disciplina, não porque alguém possa morrer, mas porque necessita de todos nós para poder chegar. Você tem de apoiar-se no esforço dos outros, porque, como disse Pierre, seria como uma criança recém nascida se o abandonássemos neste território selvagem.
- É isso que lhe tira o sono?
- Por que não deixa de ser sarcástico de uma vez?
- Seria pior para si. Preferia repetir a cena do outro dia?
- Se me põe outra vez as mãos em cima, matá-lo-ei, senhor Brown.
Fez-se silêncio.
Kirk viu os olhos da formosa jovem, brilhantes como duas pedras preciosas.
- Seria capaz de disparar contra mim!
- Não hesitaria um só momento!
- E sobrecarregaria a sua consciência com um crime?
- Seria você o único culpado.
- Se eu voltasse a tocar-lhe…?
- Isso mesmo.
Estavam os dois sós, na imensidade da noite. O luar dava ao rosto da jovem uma beleza inigualável e Kirk via-lhe palpitar as narinas e estremecer os mórbidos seios. Avançou um passo para ela.
- Esteja quieto, senhor Brown – disse Marion, com a voz um pouco velada.
Ele deu mais um passo.
Marion baixou a mão até ao coldre, que trazia apertado à anca.
- Por que faz gala em se mostrar hostil, Marion? – perguntou ele enquanto estendia o braço direito.
- Não me toque! – respondeu ela, começando a puxar o revólver.
Kirk agarrou-a pela cintura.
- Que tem você contra mim? – perguntou-lhe.
- Não me toque! – repetiu ela.
Ao contato com a carne tépida da rapariga, Brown estremeceu. Viu-lhe os lábios entreabertos e aspirou o seu aroma inebriante. Com um puxão, encostou-a a si e deu-lhe um beijo na boca.
A mão da jovem, que apertava com firmeza a coronha do revólver, foi-se abrindo lentamente até largar a arma e cair,  aberta, ao longo das pernas. Ele afastou-a. Durante segundos ambos permaneceram calados.
- Ande, vá dormir – disse ele.
Ela olhou-o com a testa franzida.
- Era só para isso que queria beijar-me?
- Não é o que se faz às meninas bonitas que obedecem às pessoas mais velhas?
A mão direita de Marion cruzou o ar e foi espalmar-se, em cheio, no rosto de Kirk. Imediatamente, a rapariga desceu a ladeira e dirigiu-se para a sua tenda.
Kirk ficou a olhá-la e, quando a jovem desapareceu, acariciou o rosto, precisamente do lado em que ela lhe batera.
(Coleção Búfalo, nº 52)

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