— Estão ali, a descansar. E melhor tomar algumas precauções. O ferreiro deve estar decidido a tudo. Quando um homem honrado se decide a cometer um roubo como o dele, já nada o detém.
Prendeu as rédeas do cavalo a uma moita e empunhou o revólver. Tinha comprado aquela arma ao fugir de Telluride e do segundo Matt Coleman. Estava carregada e parecia uma boa arma, apesar de nunca a ter disparado. Abrindo caminho entre a erva alta e azulada, viu o toldo da carroça e depois o veículo. Havia rastos de uma fogueira junto dele. Os cavalos de tiro, animais pesados, pastavam a um lado, dentro de um cerco de cordas.
— Mas nem uma só pessoa. É possível que se tenham escondido. Talvez me vissem aproximar.
Saiu para a clareira, havia algo de estranho naquele lugar. A fogueira consumia-se e sobre ela fervia uma cafeteira com água. Uma refeição estava quase preparada; sobre uma pedra. Um vestido de mulher pendia de uma vara na carroça; debaixo dele urna escova abandonada.
— E como se... algo os tivesse interrompido, como se uma força estranha os tivesse arrebatado daqui, de súbito — comentou Jim, estremecendo.
Decidiu chamá-los aos gritos:
— Benjamin! Margaret! Onde estão? Ë inútil esconderem-se!
Ninguém respondia. Os cavalos pateavam. Jim Grosvenor espreitou para o interior da carroça. Estava tudo em ordem. Um temor assaltou-o subitamente.
— Matt Coleman! possível que esse canalha se tenha adiantado e os tenha levado para os torturar, para tirar--lhes o dinheiro!
Naquele momento, desejaria ter as qualidades de rasteador de um índio, pois ele não era capaz de identificar pegadas. Mesmo assim, quis procurá-las. A ideia de que a bela rapariga que se fizera passar por Lena Coleman pudesse estar nas mãos daqueles homens, enlouquecia-o.
— Encontrá-los-ei! E preciso! Voltou pelo cavalo.
Estava a desamarrá-lo quando sentiu um ruído, quis voltar-se e então recebeu uma pancada na nuca, uma pancada que o lançou brutalmente ao solo. Os seus olhos fecharam-se, mas fez um esforço por conservá-los abertos enquanto lhe batiam de novo. Ouviu passos, vozes.
— Não, não! — dizia alguém.
Jim Grosvenor ficou estendido de bruços, imóvel, mas não tinha desmaiado. Viu em frente dele umas pernas de homem, umas botas elegantes, finas. Bruscamente, agarrou-se àquelas pernas, e o homem a quem pertenciam caiu sobre ele, gritando.
Jim Grosvenor não esperou para ver de quem se tratava. Bateu como pôde, com os cotovelos, com os joelhos, com as mãos. O homem que tinha caído sobre ele gemia, batendo também.
Rolaram pelo solo. O homem conseguiu levantar-se. Jim viu-o de costas, cheia de pó a elegante roupa. Segurou-o pelas pernas e o homem caiu, desta vez de bruços, longe de Jim. O jovem lançou-se sobre ele, segurando-o pelo pescoço, ao mesmo tempo que empunhava o revólver e com ele armado o apoiava contra a cabeça do seu adversário.
— Quieto ou mato-o, amigo! Agora vai voltar-se com muito cuidado e dizer-me o que fizeram dos Andella, dos donos deste carroção!
— Não o mate, Jim por favor, não dispare!
Era uma voz de mulher. Jim voltou a cabeça.
— Senhora Andella! Então, este homem é...?
— Sim, é o Benjamin, disse-lhe que não o atacasse a si, mas está desesperado, tudo isto é horrível! A Maria desapareceu!
Jim levantou-se, ainda que sem deixar de apontai ao ferreiro, que se sentou, envergonhado e aturdido.
— Diga-me quem é essa Maria, senhora...
— Oh, é igual, você já sabe, se assim não fosse não teria voltado! A Maria é a minha filha, mais velha, a que você conhece por Lena. Meu Deus, é o justo castigo dos nossos erros! A minha filha desapareceu há algumas horas, estávamos a acabar de preparar a comida quando reparámos que ela tinha partido com o cavalo de sela do Benjamim!
Benjamin Andella mastigou:
— E levando todo o dinheiro, senhor Grosvenor, todo, até ao último cêntimo! A minha adorada filha fugiu com o dinheiro, deixando-nos a nós, aos pais e às irmãs, abandonados no caminho!
As filhas mais novas de Benjamin tinham-se metido na carroça, exaustas pela caminhada à procura da irmã. Jim Grosvenor olhava para todos os lados.
— Como o permitiram?
Uma rapariga como ela, cavalgando sozinha por este território! Benjamin levantou-se. A mulher abraçara-se a ele, chorando:
—É o castigo, Benjamin. Nunca a encontraremos.
Benjamin estava como obcecado.
— A minha filha roubou-nos, levou tudo... Jim Grosvenor pôs-se em frente deles, gritando:
—Cale-se, idiota! Ainda não compreendeu? Ela não os roubou, ela é incapaz de roubar seja quem for, é mesmo incapaz de ser vossa cúmplice! Levou o dinheiro para o devolver, para o devolver a mim! Porque a obrigaram a mentir e a fazer-se passar por Lena Coleman! Ela é maravilhosa, levou o dinheiro para o devolver, porque não lhes pertence!
Benjamin abriu a boca. A mulher murmurou:
— Sim, Benjamin, deve ser isso. Nas últimas horas disse-me várias vezes que aquele dinheiro era uma vergonha., que devíamos devolvê-lo ao senhor Grasvenor.
— Ela tenta devolvê-lo, tenta salvá-los a vocês, Benjamin. Mas é uma criança. Uma bela criança perdida num país de selvagens e levando com ela uma enorme fortuna. É preciso encontrá-la, Benjamin! Tudo o mais não importa! Não vê quão pouco vale agora esse dinheiro?
Benjamin Andella baixou a cabeça, exclamando envergonhado:
— Maldito seja esse dinheiro, não o quero, quero a minha filha! Quero salvá-la, doutor!
Jim Grosvenor ordenou:
— Engate os cavalos!
Uma luz brilhava na escuridão da noite. Uma luz podia ser um lugar amistoso onde descansar a salvo dos perigos da noite, e podia também representar para ela um perigo muito maior que as feras e a solidão.
Maria Andella acariciava o pescoço do seu cavalo. Estava marcada pelo cansaço, mas não menos bela. Sabia o suficiente de cavalos para compreender que o que ela montava não poderia resistir mais.
— Devo estar perto de La Sal, aquela povoaçãozita onde estive quando menina, ao sair de Telluride. Mas de noite não conseguirei encontrá-la, e o meu cavalo morrerá se não lhe dou descanso.
Dirigiu-se para a luz. Pouco a pouco os edifícios foram-se destacando. Não era um rancho nem uma vivenda, mas sim uma estalagem. Maria não sabia se devia alegrar-se ou lamentar-se.
— Uma estalagem de estrada. Devem alugar quartos, tratarão do cavalo, mas... Sabia muito bem que aquelas estalagens solitárias eram muitas vezes refúgio de bandidos e de indesejáveis. Mesma assim dirigiu-se para lá. Havia luz no estábulo. Desmontou em frente dele e conduziu o cavalo pelas rédeas. O ruído dos cascos do cavalo fez sair do estábulo um velho de aspeto desagradável, que semicerrou os olhos ao ver a jovem.
— Que faz aqui sozinha, menina? Onde estão os seus homens?
Maria corou, mas, levantando a cabeça e procurando que a sua voz saísse firme, replicou:
— Atenda o meu cavalo e não faça perguntas! Há quartos vazios na estalagem?
— Menina, eu também não respondo a perguntas. Trabalho no estábulo, não na estalagem. Vá lá e pergunte. Mas uma mulher sozinha... as coisas que se veem nestes tempos!
Maria pegou no seu saco de lona. Lá dentro, escondidas, estavam as notas de Matt Coleman. Tinha-as embrulhado na sua roupa íntima, de modo que não fizeram ruído quando moveu o saco. Entrou na estalagem com decisão, ainda que o seu coração batesse apressadamente. O homem que estava atrás do balcão levantou a cabeça, sorrindo.
— Entrem, senhores, estão em vossa casa! Entrem, vou arranjar-lhes a mesa agora mesmo! — convidou.
Correu para uma das mesas, começando a bater nela com um trapo, e depois sacudiu os bancos.
Maria tinha-se aproximado da mesa, sobre a qual colocou o saco. O taberneiro continuava a falar:
— Poderão comer se quiserem, e descansar nas camas mais limpas do país... — olhou à volta, perguntando depois. — Onde estão os seus acompanhantes, menina? Talvez no estábulo? Sim, devem ter ido alojar os cavalos...
—Viajo sozinha, não tenho acompanhantes. E quero comer alguma coisa antes de ir descansar.
— Sozinha? — resmungou o homem. — Deixe-me ver. Parece-me uma menina. Que faz sozinha a estas horas e neste lugar?
— Viajo. Por favor, sirva-me alguma coisa de comer... Tenho dinheiro. O taberneiro lançou um olhar de desconfiança para um canto, onde estava um grupo de homens mal barbeados, que olhavam para a jovem com curiosidade.
— Está bem. Mas...
Meteu-se na cozinha, onde estava uma mulher gorda.
— Bertha, anda cá, repara naquela rapariga, está sozinha. Quem diabo a terá deixado viajar sozinha? Receio que isto traga sarilhos.
A mulher comentou:
— Parece boa rapariga. Vê se não a incomodam, Jones, tem todo o ar de ter fugido de casa.
O taberneiro resmungou:
— Não tenho obrigação de me ocupar de raparigas que fogem de casa!
—Jones! Disse-te que...
— Está bem, não olhes para mim com essa cara!
A mulher gorda ia voltar às suas ocupações, quando se sobressaltou.
— Esses porcos já se estão a meter com ela! Afasta-te!
Um dos clientes da estalagem tinha-se aproximado de Maria Andella e dizia-lhe qualquer coisa, inclinando-se para ela. A jovem, muito pálida, tentava afastar-se, mas o homem agarrou-a por uma mão.
— Não sejas arisca, menina! Uma pequena como tu precisa de companhia, boa companhia, e eu posso oferecer-ta!
Inclinando-se mais, tentou beijá-la. A mulher gorda já estava atrás dele. Tinha pegado numa pesada frigideira na cozinha e, levantando-a, deixou-a cair sobre a cabeça do homem, que tombou sobre Maria Andella. A jovem gritou, afastando-se rapidamente, e o homem continuou a sua queda, ficando imóvel no solo. Os outros riam-se. A estalajadeira, voltou-se para eles.
— Patifes! São como abutres, sempre dispostos a lançarem-se sobre a primeira mulher que encontram!
— Nunca tivemos tentações de nos lançarmos sobre ti, Bertha! Não estarás ofendida por isso?
Bertha voltou-lhes as costas e, segurando Maria por um braço, disse-lhe:
— Venha, comerá na cozinha, comigo. E dormirá no meu quarto.
Maria pegou no saco; estava muito assustada, mas começava a tranquilizar-se.
— Obrigada, senhora, é muito boa. Eu explicar-lhe-ei...
— Não me expliques nada, filha. O seu pai não a deixou casar-se com esse encantador rapaz que você julga um anjo e que se distingue desse que está no chão por ser mais novo e mais limpo, e você vai à procura dele. Amanhã, depois de descansar, compreenderá que o seu pai tinha razão e voltará para casa. Vamos...
Meteu-se na cozinha. O homem caldo no solo levantava-se, procurando o seu agressor. O taberneiro, brincando com uma enorme faca, disse-lhe:
— Deu-te a minha mulher, e com muita razão. Se tens alguma coisa a dizer, discutamos o assunto.
— Isso não é modo de tratar um cliente, Jones. Não sabia que a pequena era assunto vosso.
A calma voltou. Maria Andella comia na cozinha. A áspera mulher do taberneiro sorria-lhe constantemente. A rapariga tranquilizava-se pouco a pouco. Além disso, a outra não lhe fazia perguntas.
— Estás muito magra, criança. Vais comer outro prato deste estufado. Não é o que faço para os clientes, com todos os restos, mas o que faço para nós. Para estas bestas tudo é demasiado bom!
Maria ia recusar quando o taberneiro meteu a cabeça pela cortina, dizendo:
— Vêm mais clientes! Tens de fazer mais comida, Bertha!
— Eu ajudo-a, senhora — ofereceu-se Maria.
Três homens entraram na estalagem. Olharam para tudo, com curiosidade, e depois aproximaram-se do balcão. Um deles, o mais alto, um tipo de cabelo grisalho, falou com o taberneiro:
— Quero umas informações, amigo.
O homem franziu a testa.
— Não vejo o seu emblema de comissário. Eu não vendo informações, vendo comida e alojamento.
O homem de cabelo grisalho sorriu trocista.
— Sim? Tenho a certeza de que isto te fará com que mude de profissão por uns instantes e me venda informações.
Pôs sobre o balcão algumas notas, O taberneiro baixou a voz.
— Tem um modo muito eficaz de influenciar as pessoas, senhor. Que quer saber?
— Procuro uma família chamada Andella. O chefe da família é ferreiro e chama-se Benjamin Andella. Ele, a mulher e três filhas vieram de Telluride. Conhece-os Devem ter passado por esta rota há anos.
Maria, que ouvia o diálogo através da cortina, crispou-se, deixando sobre a mesa os pratos que limpava. Bertha não notou a sua perturbação, porque estava de costas.
—Benjamin Andella? Não, lamento, só há dois anos que tenho esta estalagem. O nome não me diz nada. Tome o seu dinheiro.
Matt Coleman recusou-o.
— Guarde-o, é seu. Pergunte a esses homens, pode ser que algum deles conheça o nome.
O taberneiro assim fez, voltando depressa ao balcão.
— Não. Se esses não conhecem, é porque não vive nesta comarca.
— Obrigado. Sabemos que foram para Noroeste, partindo de Telluride. Se não é conhecido nesta zona, quer dizer que continuou viagem. Certamente, para Green River.
O taberneiro, que começara a sentir uma grande simpatia por aquele generoso cavalheiro, perguntou:
— Fez algum mal, esse Andella?
— Sim, Tem um dinheiro que me pertence. Quando eu o encontrar, deixará de disfrutá-lo. Vamos ficar esta noite em sua casa, amigo, mande arranjar três quartos. Com roupas limpas, não esqueça.
Maria Andella não sabia quem era aquele homem, mas sabia que era muito perigoso e que os que o acompanhavam eram pistoleiros. E sabia que o dinheiro que ela tinha no saco, o dinheiro que tirara ao pai, ia custar-lhe a vida.
— Vão encontrá-lo no caminho, e quando o meu pai lhes disser que não tem o dinheiro, matá-lo-ão. Matá-los-ão a todos! Por minha culpa! Matá-los-ão por minha culpa!
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