— Caramba, sufocou-me! Não estou habituado a elogios, deve ser por isso! Obrigado, senhor.
— Você não é honrado por eu lho dizer, por isso não tem de agradecer-me. Esta porca doença! Primeiro amarrou-me a esta cadeira, e muito em breve enviar-me-á para a cova. Quando, exatamente?
— Sou médico, não adivinho. Já lhe disse que...
— Sim, muito em breve! Resta-me pouco tempo, pois! Sente-se nessa cadeira, Jim! O que vou dizer-lhe é muito importante. Já deve ter calculado que a fortuna de que falei aos meus homens realmente existe.
Jim Grosvenor sentou-se, muito intrigado, avisando:
— Não tenho interesse no seu dinheiro, senhor. Receberei os meus honorários. Esse dinheiro...
— Bah! Vai dizer-me que esse dinheiro está manchado, que vem de delitos! Tudo isso são palavras. De qualquer modo, não vou oferecer-lhe o meu dinheiro, se é isso que teme. Quero, simplesmente, que o entregue ao meu herdeiro.
Jim Grosvenor respondeu:
— Sou médico, e não mensageiro. Envie-lho por intermédio de um Banco.
—Não quer fazê-lo você?
—Não.
— Isso quer dizer que não pensa roubar-me, Jim. Não se exalte, quando lhe disser do que se trata, aceitá-lo-á. Você é um homem de honra e um homem bom. Eu tenho uma filha, Jim...
Jim Grosvenor surpreendeu-se.
— Uma filha?
— Sim, chama-se Lena. Deve ter uns vinte e dois anos. Não a vejo desde que tinha cinco.
— Sim, diga-o claramente; abandonou-a quando tinha cinco anos e agora que está a acabar, sente remorsos.
Matt Coleman, o «Senhor do Llano Estacado», apertou as mãos.
— Rapaz! Não me fale nesse tom! Esquece quem eu sou?
Jim levantou-se da cadeira.
— Não conte comigo, não continue a contar-me a história das suas canalhices.
Dirigiu-se para a porta. Um ruído metálico fê-lo voltar a cabeça. Matt apontava-lhe um revólver que tinha escondido entre as roupas.
— Se dá mais um passo mato-o, rapaz. Não seria justo que você morresse antes de mim.
Jim encolheu os ombros e voltou à cadeira.
— Continue. Foi capaz de abandonar uma criança de cinco anos e não voltou a lembrar-se dela. Quer que o aplauda?
— Não a abandonei. Nessa altura, eu andava de um lado para o outro, vendendo «chuva». Confiei-a a um amigo casado, que tinha filhas. Era o melhor para a Lena. Depois, as coisas complicaram-se, cheguei ao Llano Estacado, comecei a organizar a minha vida, tinham passado anos. Quando tive dinheiro, quis mandar buscar a minha rilha. A família a quem a confiara tinha desaparecido. Tentei encontrá-los, enviei homens, mas não os encontraram. Depois o meu trabalho, as ocupações, os problemas, distraíram-me de novo. Mas nunca deixei de pensar na Lena, na minha filha, e em encontrá-la. Nunca.
Jim Grosvenor levantou uma mão, para interromper Coleman.
-- Não continue. Fiz o meu curso para exercer no Llano e não para correr o país à procura da sua filha, que talvez tenha morrido.
Matt Coleman empalideceu.
—Não diga isso! Tem vinte e dois anos! Porque havia de morrer?
— Desculpe, disse uma asneira. Mas é inútil, não conte comigo para isso.
— Você ainda não se estabeleceu, doutor. Para montar o seu consultório precisa de muito dinheiro; sei que não é rico. Em poucos meses terá cumprido a missão que lhe confio. Se tiver sorte, pode ser que em menos de um mês. E eu vou pagar-lhe por este trabalho dez mil dólares. O suficiente para comprar uma casa em Abilene, os utensílios da sua profissão, esses horríveis aparelhos de que se servem para aterrorizar as vossas vítimas e tirar-lhes mais dinheiro. Poderá começar a exercer como um médico importante. Isso é fundamental, e você sabe-o.
Jim Grosvenor molhou os lábios com a língua.
— O senhor é um diabo. Sabe muito bem que esses dez mil dólares me fazem falta. Mas...
— Ouça, a minha filha estava em Telluride, a sudoeste do Colorado. Mostrar-lhe-ei num mapa. Lá deverá iniciar a sua busca; o homem com quem ela vivia chamava-se Benjamin Andella e era ferreiro. Será ferreiro toda a sua vida; isso ajudá-lo-á a encontrá-lo, pois não costuma haver mais de um ferreiro em cada povoação.
— Não disse que aceitava, Matt.
— Já aceitou. Vou dar-lhe agora mesmo os seus dez mil dólares. Assim, se quiser, antes de partir para o Colorado poderá comprar a sua casa e mandá-la preparar para o seu regresso.
— Como sabe que não ficarei com os dez mil dólares, esquecendo-me de si?
— Vou confiar-lhe muito mais de dez mil dólares, e nada o impedirá de ficar com tudo, a não ser a sua honradez.
— Confia muito na minha honradez.
— Sim. Confio. Venha, doutor. Vou mostrar-lhe o mapa e traçaremos a rota da sua viagem até Telluride. É uma pena que eu não a possa fazer pessoalmente!
Grosvenor empurrou a cadeira até ao gabinete do «Senhor do Llano Estacado». Seguindo as instruções de Matt Coleman, pegou num mapa e estendeu-o sobre a mesa. Coleman traçou a rota que mais lhe convinha seguir. O jovem Grosvenor ouvia as explicações. Já não voltou a negar-se, porque ele e Coleman sabiam que tinha aceitado a missão.
Numa maleta negra, de instrumentos médicos, foram colocados os maços de notas. Sobre eles, Grosvenor fez um duplo fundo, de couro preto, cosendo-o às paredes da maleta. Os instrumentos ficaram sobre esse falso fundo, sujeitos nos seus encaixes. Grosvenor estava impressionado, porque sob esses instrumentos havia uma colossal fortuna em notas de Banco do máximo valor.
— A sua filha será a mulher mais rica da América, Coleman.
— Sim. Espero que isso a ajude a perdoar-me. Diga--lhe que...
— Sim, dir-lho-ei. Não será fácil convencê-la de que o seu silêncio, durante dezassete anos, foi forçado, mas tentarei.
Lá fora esperava um cavalo excelente, que Coleman tinha escolhido para o médico. Coleman estava na sua cadeira de rodas, no portal. O jovem Jim Grosvenor sujeito a maleta à sela, colocou os alforges sobre a garupa do cavalo, segurando-os depois com as correias. Voltou-se para Matt Coleman.
— Vou-me embora, senhor.
Matt Coleman sorriu.
— Suponho que nunca chegarei a saber se a encontras, filho. A não ser que fosses muito afortunado e isso acontecesse muito em breve. Não é assim?
Grosvenor não respondia. Matt Coleman murmurou:
— Compreendo. Resta-me muito pouco tempo. Três meses, doutor?
Grosvenor não respondia.
— Dois? Você observou-me esta manhã. Vamos, fale, não sou nenhuma donzela assustadiça!
— Receio que menos de um mês, senhor Coleman. Este assunto da procura de um homem honrado e a preocupação da sua filha cansaram-lhe muito o coração. Creio que menos de um mês, Coleman.
— Sim. Não vou assustar-me agora. Há muito tempo que sei estar condenado. Menos de um mês... Nunca saberei se encontrou a minha filha, doutor.
— Quero que me diga o que devo fazer com o dinheiro se não conseguir encontrá-la.
— Construa um hospital, ou algo assim, doutor...
— Um hospital! Decidiu tentar-me, senhor Coleman. Eu poderia «não encontrar» a sua filha deliberadamente para ter um grande hospital ao meu serviço.
— Você esgotará todos os recursos para encontrá-la, doutor. Por favor, se antes de um mês tiver alguma notícia, telegrafe-me...
— Fá-lo-ei. Não esqueça as minhas receitas nem os cuidados que deve ter. Quando chegar a Telluride, enviar-lhe-ei um telegrama com as primeiras noticias.
O «Senhor do Llano Estacado» pareceu encolher-se na sua enorme cadeira de rodas. Murmurou:
— Parte de uma vez, jovem. Quando encontrar a minha filha, diga-lhe que o pai era um grande homem, o dono deste território, diga-lhe que todos o respeitavam e...
— Certamente a sua filha teria preferido um pai menos poderoso e importante, mas mais próximo dela.
— Diga-lhe como eu quero!
Jim Grosvenor inclinou-se.
— Adeus, senhor Coleman — despediu-se.
Matt Coleman resmungou:
— Muita sorte, jovem.
Jim Grosvenor saltou agilmente para o cavalo. Tinha-se despojado do seu fato elegante e agora vestia calças grossas, botas altas, uma samarra de antílope e cobria-se com um chapéu de aba curta. Parecia um ganadeiro endinheirado ou um caçador profissional.
Na sela levava uma espingarda e no cinturão um «Colt 38». Sem voltar a cabeça, Jim afastou-se da luxuosa casa do «Senhor do Llano Estacado». No grande portal, o dono da casa viu-o partir, com as mandíbulas apertadas e uma expressão dura.
— Ali vai o meu dinheiro, nas mãos de um desconhecido, que talvez desapareça com ele para sempre e se esqueça da minha filha. Mas não, basta-me olhar para os olhos de um homem para o conhecer. Agora tenho de resistir, tenho de estar vivo quando chegar a minha filha. O médico pensa que não viverei mais um mês. E jovem, e não sabe como eu sou teimoso. Vou viver até que a Lena apareça!
Recostou-se na cadeira, quase contente. Confiava na honradez de Jim Grosvenor e também na sua esperteza. Encontraria a Lena, e depressa. Levá-la-ia àquela casa.
— Vê-la-ei antes de morrer. É preciso... vou viver até ver a minha filha. Ë preciso!
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