segunda-feira, 10 de outubro de 2022

BIS207.05 O império de Llano Estacado é arrasado


Matt Coleman viveu pelo menos mais duas semanas depois da partida do doutor Grosvenor. Duas semanas que passou quase permanentemente no portal, junto de uma mesa repleta de remédios, olhando fixamente para o caminho por onde poderia chegar-lhe um telegrama com notícias da filha, ou talvez a própria filha. 

Os criados da casa iam de um lado para o outro, em silêncio. Matt, mesmo tão perto da morte, continuava a impor o respeito a todos. No fim de duas semanas desde a partida de Grosvenor, Matt Coleman viu uma nuvem de p6 no caminho. Levantou-se um pouco, para deixar-se cair de novo sobre a cadeira, murmurando: 

— Não devo fazer esforços, agora menos que nunca. E preciso que viva... 

Em breve pôde contar os cavalos que se aproximavam. Eram cinco. 

— Não é o doutor, nem ela. Bah! Não quero visitas. Rapaz! 

Um homem saiu da casa. Matt disse-lhe: 

— Leva-me para dentro, e esses que chegam, sejam quem forem, que se vão embora. Não quero ver ninguém. 

Ordenou que o levassem para o gabinete. O seu coração batia com demasiada força. O «Senhor do Llano Estacado» sorria, troçando de si mesmo. 

— Resistirei, ainda que o coração se revolte. Quis distrair-se com uns documentos que tinha sobre a mesa. 

Mas então a porta abriu-se com violência e cinco homens entraram no gabinete. Cinco homens sujos, cheios de suor e de pó. 

— «Senhor»! Desculpe esta interrupção, mas precisávamos de vê-lo! 

Matt Coleman largou os papéis. 

— Vocês! 

Eram cinco dos seus homens, dos que tinha enviado a Abilene com as caixas cheias de papéis. 

—Só cinco, senhor. Parece que somos os mais sensatos. 

Coleman disse: 

— Perfeito. Não tinham necessidade de voltar, já vos tinha dito. Depositaram o dinheiro das caixas, rapazes? 

Os cinco homens, que tinham entrado no gabinete com grande violência, acobardaram-se ante o chefe. 

— «Senhor» ... sabe muito bem que as caixas só continham papéis. Abrimo-las por curiosidade e... 

— Abriram-nas para me roubarem, canalhas! Fora, não os quero ver mais! Fora daqui! 

Os gritos de Matt Coleman devolveram a violência aos cinco homens. Quase ao mesmo tempo empunharam as armas e começaram a ameaçar e insultar o antigo chefe. 

— Enganou-nos com essa história das caixas! Insultou--nos e agora já nada nos interessa! Queremos o dinheiro! Você vai morrer como um cão um destes dias e não precisa dele para nada! 

Matt Coleman olhava para as armas com expressão divertida. 

— Que dinheiro, rapazes? 

— O que tem cá em casa, o que reuniu durante todos estes anos! Queremo-lo! Não vai poder levá-lo para o inferno! Pôs-nos à prova! Muito bem, somos uns ladrões e queremos o seu dinheiro! 

Coleman recostou-se na cadeira. 

— Procurem-no — replicou secamente. 

Os cinco homens desconcertaram-se ante aquela calma. Depois, dois deles ficaram a vigiar o doente, enquanto os outros três revistavam o escritório. Fizeram-no conscienciosamente. Os móveis, as paredes, levantaram mesmo a alcatifa. Quando terminaram a revista, Coleman perguntou: 

— Que fizeram do pessoal da casa? 

— Estão fechados, não se preocupe com eles. Diga-nos onde tem o dinheiro e acabaremos mais depressa. 

Coleman voltou aos seus papéis, e os homens, amaldiçoando-se, empurrando-se, decidiram continuar a busca. Foram a todas as salas, e uma hora mais tarde voltavam ao escritório, onde um deles vigiava Coleman. 

— Voltam derrotados, não é assim? — perguntou Coleman. 

— Não se ria! Nesta casa há mil e um sítios para esconder esse dinheiro, sejam notas, ouro ou joias! Estamos a perder tempo! 

— Já se vão embora? 

— Não, não vamos. Você vai dizer-nos devíamos ter começado por aí! Vai dizer-nos onde está, queira ou não, «Senhor»! Matt Coleman sabia como eram aqueles homens, pois ele próprio os tinha escolhido: não tinham compaixão por ninguém. Rodeavam-no, olhando para ele como feras. Sem dúvida já tinham aquilo planeado. 

— Não há dinheiro nesta casa! — disse Coleman, — Tenho uma pequena conta no Banco, isso é tudo. O resto, gastei-o, reparti-o quando adoeci. 

— Você nunca deu nada a ninguém na sua vida! Vamos amarrá-lo à cadeira de rodas, «Senhor» e depois queimá-lo-emos na cadeira, como um cordeiro. Vamos assá-lo na perfeição, «Senhor». Procure dizer-nos onde está o dinheiro antes que o fumo o asfixie e as chamas o devorem. 

Tinham agarrado nas costas da cadeira e levaram-no para o portal, depois empurraram-na pelas escadas. A cadeira desceu aos saltos, estando quase a voltar-se. Rodou pelo pátio e foi deter-se junto de um bebedouro. 

Matt Coleman, agarrado aos braços da cadeira, mantinha-se nela. Os cinco homens corriam de um lado para o outro, juntando madeiras e lenha. O mais sinistro dos cinco segurou a cadeira, olhando para Matt Coleman com alegria. 

— Vamos meter a lenha debaixo da cadeira e pegar--lhe fogo. Não é uma boa ideia? 

Começaram a amontoá-la, empurrando-a com as botas. Matt Coleman olhava para eles, sem dizer nada. Depois, os cinco homens afastaram-se um pouco. 

— Vamos, «Senhor», já está acabado. Ou não o sabe? Dizem que só lhe restam uns dias de vida. Que quer fazer com o seu dinheiro? Nós ajudámo-lo a ganhá-lo; nada mais justo, pois, que o ajudemos a gastá-lo. 

Matt Coleman tentava levantar-se da cadeira, pôr-se de pé, afastar-se daquela maldita armadilha. Os cinco homens observavam-no, sorrindo. Matt empalideceu e, levando uma mão à garganta, voltou a cair sobre o assento, incapaz de dar um passo, sentindo uma terrível dor no peito, no lado esquerdo. 

— Malditos traidores! Não lhes devo nada, o vosso trabalho foi bem pago, e vocês mereciam muito menos do que eu lhes dei! Fora daqui! 

O mais ativo dos cinco homens pegou num fósforo e acendeu-o, raspando-o no áspero tecido das calças. Com ele aceso, aproximou-se da cadeira de rodas, disposto a pegar fogo à lenha coberta de palhas e de folhas secas, que arderia rapidamente. 

Quando ia a atirar o fósforo, Matt Coleman disparou o seu revólver, sem o tirar de sob a manta que lhe cobria as pernas, sem anunciar a sua intenção. O homem do fósforo foi alcançado pela bala em pleno pescoço e caiu de costas, deixando livre o campo de tiro para Matt Coleman, que continuou a disparar velozmente, com raiva, com violência. Disparou duas vezes mais e outros dois homens caíram. 

Quando os restantes já iam apertar os gatilhos das suas armas, Matt Coleman levantou-se um pouco da sua cadeira, lançando um terrível grito. Largou a arma e voltou a sentar-se, com o braço esquerdo crispado sobre o peito e a boca aberta.

 Os dois homens contiveram os seus indicadores. Um deles murmurou: 

— Parece-me que o velho morreu. Pelo menos, largou a arma. E eu não vou arriscar--me com um homem como ele. Repara no que fez a estes! Levantou o braço e, apontando com cuidado ao corpo de Matt Coleman, disparou duas vezes contra o coração do «Senhor do Llano Estacado». 

Os dois projéteis, com o seu tremendo impacto, agi-'s taram o corpo: o chumbo atravessara o coração do homem que, muitos anos antes, abandonara a sua filha em casa do ferreiro Andella, um coração que, na verdade, já se tinha detido uns instantes antes. 

— Agora sim, está morto! Como esperas fazer falar um morto? 

O homem que tinha disparado respondeu: 

— Não sei, mas prefiro perder o dinheiro a fazer companhia a esses três no outro mundo! Esse maldito ia matar-nos! 

— Estava morto, tinha-te dito. 

— Então não me faças responsável de nada. Vamos à casa; o dinheiro está lá, não tenhas dúvidas. Olha, vamos tirar cá para fora o mais velho dos criados, pois estes sabem sempre tudo. Tenho a certeza de que sabe e de que falará. Sem o «Senhor», falará logo que o sacudamos um pouco. 

Os criados e os vigilantes estavam na cave, na adega. Conheciam perfeitamente todos eles. Depois de abrirem a porta, e com um revólver em cada mão, os dois homens anunciaram: 

— O vosso amo morreu. 

Houve soluços, lamentações, insultos. Os dois pistoleiros moveram significativamente as armas, para impor a calma. Depois tiraram dali o criado que tinham escolhido e voltaram a fechar os outros. Levaram-no para o pátio, para que visse o cadáver do amo. O pobre homem flutuava entre a dor pela morte do patrão e o medo pela sua própria sorte. Um dos bandidos segurava-o pelo pescoço, brutalmente. 

— Olha para ele, morreu por ser teimoso! Preferiu a morte a dizer-nos onde tinha o dinheiro. Queres ir ter com ele? 

— Sou um pobre velho, não me façam mal, não tenho nada, não tenho dinheiro! 

—Não nos interessa o teu miserável dinheiro, velho. É o dele, o do «Senhor», que queremos. Tu sabes onde está, pois vocês, os criados, escutam atrás das portas. Vais dizer-nos onde é ou rebentamos-te a cabeça agora mesmo. Fala! 

Assestaram uma bofetada no velho. A pancada acabou com a coragem do pobre velho que, com efeito, escutava atrás das portas e conhecia todos os segredos da casa. 

— Não me matem, eu digo-lhes o que querem saber, não disparem, sou um pobre velho! 

O pobre velho, morto o amo, considerava que com ele morrera a sua obrigação de ser fiel. Além disso, o que ele sabia sobre o dinheiro do «Senhor do Llano Estacado», ninguém lho tinha confiado. Sabia-o graças à sua curiosidade. 

— Começa a falar, velho. 

— O dinheiro... o patrão guardava-o no escritório. Sobre a mesa há um classificador. Tirando-lhe as separações, sai o fundo, e sob ele há uma caixa de ferro! O patrão tem sempre notas de grande valor, o classificador está cravado à mesa, é... ! 

Os dois homens, arrastando o velho, correram para o escritório. Numa esquina da mesa estava o classificador. Meteram as mãos e tiraram as divisões interiores e os papéis. Depois o fundo. Um dos homens procurou no interior, já dentro da mesa, tateou o espaço, rugindo: 

— Aqui não há nada, maldito embusteiro! 

Um revólver roçou com o seu frio aço a testa do velho, que se apressou a explicar: 

— Não me deixaram acabar, empurraram-me para aqui antes que eu acabasse de falar! O dinheiro estava aí, mas há duas semanas o «Senhor» tirou-o, para mandá-lo todo à filha. Uma filha que tem no Colorado. 

Os dois homens ficaram gelados, soltaram o velho e olharam-se surpreendidos. O criado aproveitou a oportunidade para tentar fugir, mas a sua pobre corrida foi cortada num momento por um dos homens, que o segurou pela roupa, detendo-o. 

— Não corras tanto! Tens mais coisas a contar-nos, velho. Tu não perdeste nada do que se passou nesta casa, tinhas o ouvido tão alerta como a vista. Onde está essa misteriosa filha? 

O velho negou, abanando a cabeça. Bateram-lhe outra vez e a sua resistência cessou. 

— Não sei, e ele também não sabia, porque a tinha perdido! Disse ao doutor que começasse a procurá-la no Colorado, num lugar chamado Telluride! 

— Ao doutor? Referes-te ao médico que o tratava? 

— Sim, foi ele quem levou o dinheiro... 

—Maldito idiota, esse «Senhor»! Pôr o dinheiro nas mãos desse médico! Desconfiava de nós e foi dá-lo a um tipo ambicioso! Sabe-se lá onde estará a estas horas! 

— Em qualquer parte do mundo que não seja Telluride, no Colorado. Se a fortuna do «Senhor» era do volume que eu imagino, o tipo deve estar a caminho do Este, para viver lá à grande. 

— Não me parece que esse medicastro seja capaz de viajar muito depressa. Aposto que nem sequer sabe montar bem a cavalo. Deve ir de diligência, descansando em todas as paragens. Pode ser que o alcancemos, rapaz. 

— Tu dirás como? Sabes que direção tomou? 

—Não é homem que passe inadvertido. Encontrar-lhe-emos o rasto. Para saber que direção tomou inicialmente, cavalgaremos em círculo e daremos com ele. Depois, não nos será difícil segui-lo. 

— Vamos, não percamos tempo. Dirigiram-se para a porta. O criado suplicou: 

— Se encontrarem o doutor Grosvenor, não lhe digam que eu falei! 

Os dois homens voltaram-se, sorrindo. Um deles respondeu às palavras do velho criado: 

— Não lho diremos, não te preocupes. E tu também não contarás a ninguém o que se passou aqui, não é verdade? 

— Não, não contarei! 

—É uma pena que não possamos fiar em ti, velho. És um palrador! 

O criado quis gritar qualquer coisa, mas já não teve tempo, pois um revólver ladrou e o chumbo atravessou--lhe a cabeça, salpicando o soalho de sangue. Quando tombava, os dois homens, sem olharem para ele, saíram da sala. 

No vestíbulo, um dos homens, que sem dúvida não gostava de deixar rastos atrás de si, derrubou um grande candeeiro, que se destroçou contra as lajes do pavimento. Depois, sem se deter, lançou um fósforo sobre a mancha de querosene. Enquanto os dois homens se afastavam, as chamas começavam a pegar aos cortinados, aos móveis e às vigas de madeira. 

A grande casa do «Senhor do Llano Estacado» ia ser devorada pelo fogo. Os infelizes fechados na adega, que já cheiravam o fumo e escutavam o crepitar das chamas, gritavam de espanto, pedindo auxílio. Ninguém os ouvia. 

No pátio, sentado na sua cadeira de rodas, com a cabeça apoiada no peito, como se dormisse, em frente da sua casa, Matt Coleman, que de vendedor de «chuva» chegara a imperador de uma vasta região, parecia comtemplar o incêndio, impassível ante os gritos dos seus criados, sufocados pouco a pouco pelo fumo. Impassível ante a destruição do seu império. 


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