quinta-feira, 13 de outubro de 2022

BIS207.08 Um fardo de roupas velhas


Na modesta casa de Benjamin Andella ardia a mecha de um candeeiro. A sua luz, não muito intensa, a família entreolhava-se, pálida e desalentada. 

O homem que se fazia chamar Harold bebia lentamente uma garrafa que encontrara na cozinha e que continha aguardente. Sorria ao ver os seus prisioneiros, apesar de já começar a sentir impaciência. 

Por vezes temia que, de algum modo, o doutor Grosvenor, com efeito, tivesse depositado o dinheiro no Banco. Até que se tranquilizou, pensando: «Está à espera da noite para vir. É isso». 

Fez-se noite. A família Andella continuava quieta, sem falar. Lá fora, alguém assobiou despreocupadamente as primeiras notas de uma conhecida balada. Harold levantou-se deixando cair ao solo a garrafa de aguardente, na sua pressa de empunhar o revólver. 

— Aí vem! Não esqueçam: Se alguém tenta avisá-lo, só conseguirá causar a sua morte e também a de todos vós! Se começamos a disparar, será difícil conter-nos! Não esqueçam que a vida vale mais que todo o dinheiro do mundo e que um cadáver não pode gastar nem um centavo. 

Disse ao homem que estava com ele que se pusesse atrás da porta. O homem já tinha um revólver em cada mão. Ele colocou-se também junto da entrada, dizendo a Benjamin: 

— Abra quando ele bater, e não faça um gesto. Se esse homem não entrar, matarei a sua mulher e as suas filhas. Entendido? 

Benjamin assentiu, engolindo com esforço a saliva. Já se escutavam passos e pouco depois batiam à porta. Harold moveu o revólver, convidando Benjamin com um gesto, e este dirigiu-se para a porta, abrindo-a depois de uma hesitação. Jim Grosvenor, o médico, sorria. Tinha na mão direita a sua maleta profissional. Benjamin retrocedeu um passo, sem dizer nada, e Jim entrou na casa. 

— Não me seguiram, senhor Andella. Creio que... 

Harold moveu-se um pouco, e Grosvenor, ao escutar o ruído, voltou a cabeça. Harold apontava-lhe já dois revólveres. 

— Não o seguimos, doutor, esperámo-lo aqui, que foi muito mais cómodo. Cuidado! Não queira arriscar a vida destas mulheres! Não largue a maleta, agrada-me que pelo menos tenha uma mão ocupada! 

Benjamin murmurou: 

— Lamento, senhor... entraram aqui de surpresa, eram muitos e... 

— Sim, somos muitos para si, ainda que dispare muito bem. Não tente uma heroicidade, não seria prudente dentro de casa e com tantas mulheres que poderiam apanhar uma bala. Fique quieto, não mexa as mãos! 

Espreitou à porta. 

— Venham, depressa! — chamou. 

Os dois homens que estavam escondidos no exterior entraram a correr. Harold fechou a porta, muito sorridente. 

— Agora estamos os necessários. Tu, põe-te atrás da senhora: o teu trabalho é muito simples. Apontas-lhe para a nuca e não afastas o revólver nem um instante; se o doutor se fizer difícil apertas o gatilho. 

O homem obedeceu. Margaret lançou um grito ao sentir na nuca o frio contacto da arma. Benjamin exclamou: 

— Não se atrevam a fazer-lhe mal! 

— Isso depende do seu amigo do Llano Estacado —disse Harold. 

Guardou as suas armas, porque já havia suficientes apontadas para o médico, e, aproximando-se dele, pelas costas, levantou-lhe a samarra e tirou-lhe as armas. Deixou-as fora do alcance de Grosvenor e só então julgou prudente dizer-lhe: 

— Está bem, pouse a maleta no solo. Agora vamos tratar do nosso pequeno negócio. O dinheiro! 

Jim Grosvenor pousou a maleta sobre a mesa. 

— Que dinheiro? 

— Não seja parvo, amigo! Não atravessámos dois Estados para que se ria de nós! O dinheiro que lhe deu o velho, aquele imbecil que se julgava o «Senhor de Llano Estacado»! 

—Julgava-se...? Então...? 

— Sim, morreu! Não me diga que o lamenta, não seja hipócrita, você mal o conhecia e, ainda por cima, era um bandido da pior espécie! Bom, não quero que a filha se ofenda. Para os filhos, os pais são sempre excecionais! O dinheiro! Sei muito bem de que o velho lho entregou a si e queremo-lo! Não queremos matar ninguém, só queremos o dinheiro, entre outras razões, porque me corresponde com maior direito que a essa rapariga. 

Jim Grosvenor negou. 

— Não corresponde. Você trabalhava para o senhor Coleman, como muitos outros. E todos foram pagos pelo vosso trabalho. A fortuna do Coleman pertence à filha. A Lei e a moral assim o dizem. E será para ela! 

Bonito discurso! 2 uma pena que as palavras não signifiquem nada para mim! Esse dinheiro será meu, di-lo a força dos nossos revólveres. Ponha-o de uma vez sobre essa mesa ou garanto-lhe que nesta choça se vão passar coisas muito desagradáveis! 

Jim levantou as mãos, dizendo calmamente: 

—Você é um ingénuo, apesar de ser também um assassino e um ladrão. Pensa que ando de noite numa cidade desconhecida com uma fortuna nos bolsos? 

Harold rosnou: 

— Não tente enganar-me. Vigiámo-lo desde que saiu do curral das diligências, depois de matar o meu amigo, coisa de que não o culpo, pois a culpa foi dele por pensar que um médico não seria capaz de disparar uma arma. O dinheiro tem-no você. 

Jim Grosvenor perguntou: 

— E que o leva a crer que tinha o dinheiro comigo quando fui visitar o senhor Andella ao curral? A primeira coisa que fiz, ao chegar a Green River, foi depositá-lo no Banco, em nome de Lena Coleman. Podem revistar-me. 

Harold, empalidecendo, murmurou: 

— Claro que o revistaremos. Fá-lo-ei eu mesmo. 

Fê-lo conscientemente, nem uma simples carta teria podido passar inadvertida aos seus dedos. Pôs sobre a mesa tudo o que encontrou nos bolsos de Grosvenor. 

—Espero que esteja convencido... 

Harold fixou o olhar na maleta, lançando uma gargalhada. 

— Ainda não acabei. Falta a sua maleta, doutor... 

Grosvenor conteve-se, nem sequer fez um gesto. Harold tinha aberto a maleta e espalhado o seu conteúdo sobre a mesa. Instrumentos, alguns medicamentos essenciais. 

— Faça o favor de não partir nada. Talvez você mesmo precise dos meus cuidados — avisou Jim. 

O bandido meteu a mão na maleta, tateando o interior. 

— Nada! Não há nada! 

Deu-lhe um empurrão. Mas a maleta, em vez de cair, voltou a ficar em pé. Harold ia dizer qualquer coisa, mas emudeceu, olhando para ela. 

— É estranho... 

Jim Grosvenor apertou as mãos. As notas, apertadas no duplo fundo, agiam como contrapeso; por isso, a maleta não caia, como acontece com os bonecos «sempre-em-pé». 

Harold bateu de novo na maleta. E depois tirou uma faca do seu cinturão e, com um par de golpes rasgou-lhe o fundo. Os seus três homens contemplavam a operação. 

Jim Grosvenor tinha um a seu lado, com um revólver em cada mão. Mas as duas armas apontavam para o solo. Grosvenor sabia que, quando as notas caíssem do rasgado fundo da maleta, ele e a família Andella podiam considerar-se mortos. Esperou um segundo mais. Harold exclamou: 

— Aqui estão! 

Então, o doutor lançou o seu punho direito contra a nuca do homem que devia vigiá-lo e enquanto este gemia largando as armas, Grosvenor apanhava-as no ar e saltava para a cómoda que estava junto à parede. 

Harold voltou-se, largando a maleta e rugindo ordens. O homem que estava atrás de Margaret Andella moveu a sua arma para disparar contra a cabeça da mulher, mas Grosvenor disparou primeiro e a sua bala passou sobre a cabeça de Margaret, enterrando-se no peito do homem, sobre o coração. 

Harold lançou a faca que tinha na mão. A arma silvou pelo ar, mas Grosvenor esquivou-a, replicando com a sua terrível eficácia. A cómoda protegia Grosvenor apenas parcialmente, e o jovem médico sabia-o; por isso, enquanto Harold tombava, rugindo insultos, ainda sem saber que estava ferido de morte, ele lançava-se para a porta da rua. Puxou por ela, abrindo-a com força. Precisamente quando outro dos homens disparava as suas armas contra ele. 

A grossa porta recebeu as balas, que não puderam atravessá-la. O homem que acabava de disparar julgava-o já na rua, quando a porta se fechou, mostrando Grosvenor no mesmo sítio, dentro de casa. 

O homem sobressaltou-se, perdendo num instante a vida, porque Grosvenor, que sabia o que ariscava naquela luta, já disparava. O pistoleiro Harold dobrou-se, derrubando ao cair a mesa e a maleta de Jim. O médico disse, com a boca seca e os dois revólveres quentes nas suas mãos: 

— Parece que se acabou. Lamento, senhora, tratámos muito mal a sua casa. 

Margaret Andella estava de pé, rodeada pelas três filhas, que se abraçavam a ela, quase sem se atreverem a respirar. Benjamin sussurrou: 

— Que espécie de homem é você? 

— Um que não gosta de ser assassinado. Prometi ao Matt Coleman que entregaria o dinheiro à filha, e fá-lo-ei. 

Benjamin Andella lançou um grito, porque o homem que tinha sido derrubado por Grosvenor com um soco na nuca, se tinha levantado e encontrara o revólver no solo. Benjamin caiu sobre ele, disparando-lhe um pontapé ã cara. O rosto do homem cobriu-se de sangue e ele tombou de novo no solo. 

Benjamin afastou o revólver. Grosvenor levantara a mesa e dedicava-se a recolher os seus instrumentos na maleta. Com um puxão acabou de arrancar o duplo fundo e as notas de mil dólares ficaram sobre a mesa, empilhadas. 

— Menina Coleman... — disse: 

Ninguém se movia. Benjamin empurrou a sua filha Maria, dizendo alegremente: 

— Lena! Está a chamar por ti! 

Maria Andella avançou um passo, hesitante. Jim. Grosvenor sorriu-lhe. 

— Menina Coleman, lamento ter de apresentar-me deste modo, rodeado de cadáveres... n muito bonita, menina Coleman. Não acredite nesses homens; o seu pai era honrado, a seu modo. O dinheiro é seu, esse era o seu desejo. Perdoe-lhe por a ter tanto tempo esquecida. Creio que esquecida não é bem a palavra, e, ao fim e ao cabo, ele sabia que estava com uma família honrada. Tome conta do dinheiro, menina. Eu devia levar um recibo ao senhor Coleman; por desgraça, já não é necessário. Conte-o, por favor... 

Maria não se movia. A perturbação tornava-a ainda mais bela. Olhava para Grosvenor e não para o dinheiro. O jovem corou um pouco. 

— Menina, é uma imensa fortuna, peço-lhe que lhe dedique um pouco de atenção. Poderá ajudar esta família do modo que desejar, tirá-los desta casa. Já não tentarão roubá-la. Eu devo regressar ao Llano Estacado, vou estabelecer-me no Texas... 

Maria murmurou: 

— Muito obrigada, senhor... 

— Chamo-me Jim. Bem, Benjamin, faça você o favor de o contar e de verificar se está todo. Há um papel com o total, escrito por Matt Coleman. 

Benjamin tocava nas notas, com medo. 

— Contá-lo-ei em nome da Lena, e dar-lhe-emos um recibo, senhor Grosvenor, é o justo. A Lena levá-lo-á ao Banco. Disporá deste dinheiro como quiser. 

Maria Andella assentiu. Voltou-se e regressou para junto da mãe. Benjamin contou o dinheiro e assinou o recibo, entregando-o depois a Jim Grosvenor. O jovem guardou-o sem reparar nele, só tinha olhos para a que ele julgava ser Lena Coleman. 

— Aconselho-os a que deixem esta casa, pois de outro modo terão de dar muitas explicações ao xerife pela presença destes homens. Vão para o hotel. 

Margaret assentiu: 

— Sim faremos isso! Não temos nada para levar! A vossa roupa, filhas! 

Maria foi a última a obedecer. Benjamin andava de um lado para o outro, com o monte de notas, aturdido, assustado, sem se atrever a acreditar no que estava a acontecer. 

Finalmente saíram da casa. O dinheiro do «Senhor do Llano Estacado» ia no meio de um fardo de roupas velhas. Ninguém poderia imaginar que aquelas roupas velhas fossem tão valiosas. 




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