terça-feira, 11 de outubro de 2022

BIS207.06 Mais uma impostora em perspetiva


Na entrada do grande curral, pendia o cartaz com o nome da empresa: «Denver-Great Lake, Diligências». 

Dentro do curral, duas desconjuntadas diligências queimavam-se ao sol, as capas de tinta saltavam delas como escamas. Uma delas tinha sido voltada, e um homem suado trabalhava nas molas, tentando ajustar uma nova chapa. De uma barraca próxima saiu um tipo magro, que gritou: 

— Benjamin! Acabas com isso? Esse carro tem de partir amanhã para o Lago! 

Benjamin Andella levantou-se. Estava muito envelhecido, já não era o gigante poderoso de outros tempos. As suas roupas eram quase miseráveis. 

— Lamento, senhor Jano, a reparação é complicada. 

— Não me venhas com desculpas! Não conheces o teu ofício? Não te pago para que percas tempo: acaba esse carro hoje mesmo, não poderás ir embora antes de o fazer!

 

Benjamin ia responder, mas preferiu inclinar-se sobre o seu trabalho. Também perdera muito do seu orgulho, a vida tinha sido muito dura para o ferreiro de Telluride, que agora trabalhava para a Companhia «Denver-Great Lake, Diligências», Companhia que, por outro lado, não era muito florescente. 

Precisamente o trabalho de Benjamin era conservar em condições de rodar as diligenciai, que tinham já sido postas de parte por outras Companhias mais importantes. 

Quando acabou o trabalho, já era noite. Estava estafado, e tudo o que recebeu do senhor Jano quando lho foi dizer, foi um insulto. 

— Um dia inteiro para arranjar uma mola! Estás muito velho, Benjamin! Pelo que me custa uma inutilidade como tu, poderia pagar a dois rapazes fortes. £s um maldito inútil, não acredito que tenhas tido uma ferraria! 

Benjamin não respondeu. Pôs o chapéu e saiu do curral para dirigir-se a sua casa. A casa era miserável, ficava junto de um armazém de couros e o cheiro era nauseabundo. Quando empurrou a porta, uma bela rapariga sorriu-lhe. 

— Olá, pai. 

— Olá, Maria. Onde está a tua mãe? 

— Disse que chegaria tarde. Hoje ia lavar a roupa da senhora Mornay. 

—É muito tarde, a tua mãe trabalha demasiado. 

Maria tirou-lhe a samarra, conduzindo-o depois para uma velha cadeira. A casa tinha só dois quartos e a cozinha: num dos quartos dormia o casal e no outro Maria com as suas duas irmãs. Estas, naquele momento, estavam na cozinha. 

Benjamin Andella adormeceu na cadeira. Despertou-o a chegada da mulher. Margaret Andella parecia exausta. 

-- Não devias ficar a trabalhar até tão tarde, Margaret. Estão a explorar-te. 

—Tu não podes falar disso, Benjamin. Os da Companhia roubam-te miseravelmente. 

— Mas em breve teremos dinheiro suficiente para nos estabelecermos, Margaret. 

Margaret olhou para ele com um certo desprezo. 

— Quando? Tu sabes muito bem que nunca. Já estávamos estabelecidos em Telluride e tu deixaste que aquele maldito te roubasse o negócio. 

— Um assassino, Margaret. Eu não podia lutar contra os seus pistoleiros. Ninguém em Telluride lutou. Tivemos pouca sorte... 

Maria sorriu-lhes. 

—Não discutam, claro que resistiremos. Margaret, que estava esgotada, começou a chorar. 

— Desde que morreu o meu anjo, a minha pobre Virgínia, tudo têm sido desgraças para nós. Por causa daquela criança que aceitaste em nossa casa! 

— Aquela pobre criança nada teve a ver com o maldito que nos expulsou de Telluride, não sejas injusta, Margaret. Vais ver como um dia nos poderemos estabelecer... E, ao fim e ao cabo, podemos comer e alimentar as nossas filhas. 

Maria Andella beijou o pai. 

—És muito bom, pai. Isso é a única coisa que nos importa. Benjamin comeu um pouco e foi deitar-se, pois tinha de madrugar para não desagradar ao senhor Jano. 

Quando não havia diligências para reparar, o senhor Jano empregava Benjamin para rachar ou limpar o curral, mesmo que este não estivesse sujo. 

Naquela manhã, Benjamin Andella limpava o curral, envolto em p6, quando um homem a cavalo entrou no cercado. Benjamin, levantando a cabeça, disse-lhe: 

— O escritório é ali, mas só há diligência depois de amanhã. 

— Você é Benjamin Andella? 

O ferreiro assentiu. 

— Sim. Mas não o conheço a si... 

— Levei duas semanas a encontrá-lo, amigo. Desde que deixou Telluride, mudou muitas vezes de casa. 

Benjamin empalideceu, largando a vassoura. 

— Telluride? É amigo daquele homem...? Demos-lhe tudo o que tínhamos, disse que nos deixaria em paz, eu...! 

— Não sou amigo de ninguém em Telluride, senhor Andella. Envia-me um homem chamado Matt Coleman. Procuro a filha dele, que lhe foi confiada a si há dezassete anos. 

Benjamin murmurou: 

— Matt Coleman! Depois de tantos anos! 

— Chamo-me Jim Grosvenor. Não poderíamos falar noutro sítio, senhor Andella? 

Benjamin assentiu, muito confundido. 

— Sim... claro que sim... Na minha casa. Vou pedir licença ao meu patrão para deixar o trabalho. É um homem pouco generoso. Espere-me lã fora, por favor. 

Grosvenor voltou o seu cavalo e saiu para a rua, enquanto Benjamin entrava nos escritórios da Companhia. Até à rua chegavam os gritos do senhor Jano, injuriando Benjamin. Grosvenor murmurou: 

— Parece que o Benjamin está em apuros... 

Desmontou do cavalo, dirigindo-se à barra para o atar. Depois deu uns passos para o curral, mas não chegou à entrada. 

— Doutor, levante as mãos e fique onde está! 

Grosvenor não obedeceu. O que fez foi voltar-se e reconheceu imediatamente um dos ajudantes do «Senhor do Llano Estacado». Tinha-o visto várias vezes em casa de Coleman. 

O homem empunhava um revólver e não estava sozinho. Havia pelo menos cinco tipos com ele, aproximando--se de vários lados. Outros dos homens de Coleman estava à direita, fechando a passagem para a rua. Jim Grosvenor evitava olhar para o cavalo, pois não queria atrair a atenção daqueles homens para a maleta com instrumentos médicos, pois sabia que o que eles procuravam era o dinheiro. 

— Que querem de mim? Acaso precisam de um médico? 

— Sabe muito bem o que queremos, doutor. O que o «Senhor» lhe entregou. Levante as mãos, que vamos revistá-lo. Depois lhe diremos quanto admiramos um homem que, podendo fugir com uma fortuna, não o fez. Perdemos muito tempo a procurá-lo, pois não esperávamos que viesse para esta parte do país... 

Jim Grosvenor tinha-se movido um pouco, retrocedendo. Agora estava junto da entrada do curral. Iam assassiná-lo se ele tivesse o dinheiro. E, provavelmente, também se não o tivesse. 

Saltou de costas, tropeçando com a esquina da porta. Imediatamente se produziu a descarga, as balas roçaram-no, mas, ao bater na porta, perdera o equilíbrio e caíra ao solo, evitando assim, quase que por casualidade, ser ferido. 

No solo, sem se levantar, Jim Grosvenor, que não sabia apenas utilizar o bisturi, empunhou o revólver e, antes que pudessem voltar a fazer fogo contra ele, começou a disparar. 

O homem de Matt Coleman que lhe tinha dado voz de alto, um dos que o seguiam desde o Llano Estacado, foi atingido pela primeira bala disparada pelo médico, que lhe entrou pelo queixo e teve força suficiente para levantá-lo do solo, fazendo-o cair de costas. 

Jim Grosvenor arrastou-se pelo solo, enquanto continuava a disparar. Sem dúvida os homens do Llano Estacado tinham dito aos seus ajudantes que a presa seria fácil, e por isso a surpresa os deixou paralisados por um instante. 

Grosvenor dispara de novo, enquanto se levantava junto do grosso marco da porta. Outro homem caiu, depois de dar várias voltas sobre si mesmo no centro da rua. Naquele momento, o revólver do médico rebentou em pedaços e os pedaços de metal silvavam pelo ar, como projéteis. 

— Está desarmado! Vamos a ele! — gritou um dos homens. 

Grosvenor tinha outra arma no cavalo: uma espingarda. Correu para o animal e várias balas o perseguiram, a descoberto. Quis retroceder, mas já era tarde. Sentiu que o empurravam; uma voz forte gritou: 

— Atire-se ao solo e tome! 

Obedeceu; a seu lado caiu um revólver, que segurou com força. O ferreiro Benjamin Andella, que se tinha deixado expulsar sem luta da sua ferraria em Telluride, lutava agora para defender um desconhecido. 

Com as suas grandes mãos, arrancou uma barra de atar cavalos e, volteando-o sobre a cabeça, lançou-a sobre o mais próximo dos homens, que se preparava para disparar contra o médico. A pancada foi tremenda, a cabeça do homem pareceu rebentar e ele caiu de bruços, ao mesmo tempo que Grosvenor disparava com o revólver do ferreiro, atingindo outro homem. 

Aquilo foi o final da curta refrega: os sobreviventes escaparam, obedecendo aos gritos do homem do Llano Estacado que tinha ficado com vida. Pela porta do curral saia o senhor Jano, gritando indignado: 

—Benjamin, está despedido, não lhe pago para me destroçar as barras! Não torne a aparecer por aqui! 

Grosvenor, que já estava de pé e examinava as vítimas da luta, perguntou-lhe: 

— Importa-lhe mais as barras que estes homens? O Benjamin salvou-me a vida. 

— As barras pertencem-me, esses homens não, e também não sei quem é você nem me interessa — disse Jano. — O Benjamin está despedido e eu não tenho de dar explicações a ninguém. 

Benjamin parecia preocupado, mas Jim disse-lhe: 

— Mande passear essa besta, Benjamin, não vai precisar de atura-10 mais! Vamos para sua casa! Levarei o meu cavalo à mão. 

Jano dedicou-se a insultá-los enquanto se afastavam. Mal tinham caminhado uns passos, quando Jim Grosvenor compreendeu o perigo. 

— Não posso ir a sua casa. Seguem-me, como já viu. Levaria esses assassinos comigo e não posso pô-los em perigo. 

— Você disse que quem o enviava era o Matt Coleman. É amigo dele? 

— Sim, de um certo modo, sim. Digamos que trabalho para ele. 

Benjamin sussurrou. 

— Suponho que vem por causa da filha, pela Lena. Abandonou-a completamente, uma criança tão linda... Nunca voltou a vê-la nem enviou o dinheiro que tinha prometido... 

Grosvenor sorriu. 

— Eu sei. Mas agora envia o dinheiro que não enviou e muito mais. O Matt Coleman é o homem mais rico do Texas, Benjamin. E a Lena é a sua herdeira. Por isso vim: mandou-me procurar a filha para lhe entregar a sua herança. Por desgraça, alguém mais o soube e sou seguido, querem apoderar-se do dinheiro da Lena Coleman. Uma fortuna! 

Benjamin exclamou: 

— Mas se a Lena...! — interrompeu-se, perguntando: — A que chama você uma fortuna? 

— Ao dinheiro suficiente para comprar meio Estado, Benjamin. Lena, a menina que você acolheu generosamente, é uma das mulheres mais ricas deste país, de mar a mar. E talvez também da Europa. 

— Meu Deus! E a Lena... ela...! 

— Que se passa com a Lena? Já não está consigo? 

Benjamin perguntou por sua vez: 

— Traz consigo todo esse dinheiro? 

— Sim. Compreendo que foi uma loucura, mas o Coleman assim o quis. E agora corremos os dois um grave perigo. Esses homens do Llano que me seguiram matarão toda a povoação, se for necessário, para o conseguirem. E preciso pôr a salvo a menina Coleman e o seu dinheiro. Há um Banco em Green River? 

—Sim, e bastante seguro. Mas a Lena... eu... 

Jim Grosvenor segurou Benjamin por um braço. 

—O quê? Não me diga que não sabe onde ela está, que já não vive com vocês! 

Benjamin fechou os olhos, dizendo: 

—Vive connosco, senhor. Sim, ela vive connosco! Nunca se separou de nós! 


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