sábado, 8 de outubro de 2022

BIS207.03 16 malas de couro com «dinheiro»


— O «Senhor» quer ver-te, John. Hoje mesmo. 

O homem que acabava de receber aquela mensagem, levantou-se do banco, deitou algumas moedas para cima do balcão e saiu a toda a pressa da taberna onde se encontrava, enquanto o que o tinha avisado voltava a montar a cavalo e saía a galope da povoação.

John dirigiu-se ao estábulo público, selou um bom cavalo, e meteu pelo caminho do Norte, porque, quando o «Senhor do Liano Estacado» o chamava, John sabia muito bem que não podia atrasar-se. Antes de chegar ao seu destino, John encontrou outro cavaleiro. Os dois homens olharam-se. John perguntou: 

— Chamou-te também? 

— Sim, parece que voltamos a reunir-nos. Já ia sendo altura! Já pensava que o «Senhor» se retirara por completo. 

— Mas continua a pagar-nos, rapaz. Enquanto nos paguem não nos podemos queixar. Não é assim? 

Os homens não falaram mais, enquanto os cavalos galopavam alegremente. Em breve um terceiro cavaleiro, que apareceu por um caminho lateral, se uniu a eles. Uma pancada na aba do chapéu foi a única saudação. 

Era quase noite quando os três cavaleiros chegaram a um grande rancho de estranhas características. Os grandes currais estavam vazios, só havia cavalos no pátio, selados e amarrados às barras. Também não se viam vaqueiros: os barracões estavam escuros e silenciosos, parecia um rancho abandonado, mas a casa principal estava perfeitamente cuidada e através dos vidros brilhavam as luzes. 

Os três homens ataram também os seus cavalos e entraram. No vestíbulo, dois homens armados de espingardas faziam guarda. Assinalaram uma porta aos que entraram. Correspondia a um grande salão, muito bem mobilado, onde se encontravam já vários homens, fumando, falando a meia voz, evidentemente nervosos. Depois chegaram mais dois. E meia hora mais tarde, quando a impaciência dos que esperavam era já muita, abriu-se uma porta e alguém anunciou: 

— O «Senhor»! 

Os homens puseram-se de pé, tiraram os chapéus, chegaram mesmo a empalidecer. Eram dezasseis homens no total, muitos deles teriam impressionado quem quer que fosse num caminho, mas todos eles tremiam ante o «Senhor do Llano Estacado», chefe deles havia vários anos, o homem que lhes pagava. 

O homem que esperavam entrou numa cadeira de rodas, empurrada por um jovem. O homem era forte, de cabeça altiva e olhos muito escuros. Olhava fixamente para os que o esperavam no salão, sem um sorriso. Atrás dele, empurrando a enorme cadeira de rodas, vinha um homem novo, vestido com roupas finas, da cidade, que se destacavam muito no meio daquela gente rude. O «Senhor do Llano Estacado» ordenou, com voz seca: 

— Sentem-se. Creio que há cadeiras para todos. 

Os homens obedeceram. Obedeciam sempre ao «Senhor». Sentaram-se e esperaram que o chefe falasse. O homem da cadeira de rodas contemplava-os ainda. Mais do que falar, grunhiu para um deles: 

— Nesse armário há bebidas e copos. Serve-os a todos. Isto é uma despedida. 

— Uma despedida? — perguntou aturdido o homem a quem tinha sido ordenado servir as bebidas. 

— Sim, uma despedida! Que diabo pensavam? Que nunca ia acabar este negócio? Chegou ao fim. Retiro-me e comigo retiram-se vocês. Serve as bebidas, idiota! 

Os dezasseis homens continuavam mudos. O «Senhor» esperou que todos estivessem servidos para dizer: 

— O doutor Grosvenor, aqui presente, recomendou-me que abandone os negócios. A saúde é algo de muito importante, sem ela não pode disfrutar-se o dinheiro. Portanto, vou dedicar o resto dos meus dias a disfrutar do meu dinheiro sem mais preocupações. Todos vocês, queridos amigos, ficam livres para procurarem outra ocupação. E atrevo-me a pedir-lhes que seja longe do Llano Estacado. Enquanto fui vosso chefe, a companhia foi-me muito útil. Agora, que serei apenas um pacifico cidadão, prefiro não os ter como vizinhos.

 O «Senhor» deteve-se, passando uma mão pela cara. Ninguém falava e ele teve de perguntar: 

— Ninguém quer fazer perguntas? 

— «Senhor» ... é uma pena retirarmo-nos, o negócio ainda pode dar muito dinheiro... 

— Isso é assunto meu, rapaz. Eu o criei, eu o destruo. Ora bem; vocês sempre receberam o dinheiro que lhes prometi; por isso, estamos em paz. No entanto, vou dar--lhes uma... digamos, gratificação de despedida. Em cima dessa mesa há um envelope para cada um. Podem ir buscá-lo. 

Os homens desfilaram em frente da mesa. Pareciam muito abatidos. O «Senhor» esperou que voltassem às suas cadeiras para continuar. 

— Esse dinheiro é também o pagamento do vosso último serviço. Sabem que estou doente, amarrado a esta cadeira. Tenho aqui o meu dinheiro, a pequena fortuna que tantos anos de trabalho me custou a reunir. E agora, que vou ficar quase sozinho, quero enviá-lo para o Banco de Abilene. O vosso último trabalho será, pois, levar esse dinheiro a Abilene. Uma vez efetuado, poderão dispersar-se pelo mundo, amigos. Com o meu agradecimento por estes anos de fiéis serviços. 

Os dezasseis homens continham a respiração. O dinheiro do «Senhor do Llano Estacado»! Todos eles tinham pensado muitas vezes naquela fortuna, que devia ser enorme e não pequena. 

— «Senhor» ... quem vai levar o dinheiro a Abilene 

— Todos. Mas não todos juntos. Este dinheiro poderia trazer-lhes problemas, tentações. Inclusivamente, talvez o demónio os tentasse a porem-se de acordo... não falemos de coisas desagradáveis. Confio em vocês, meus fiéis amigos de tantos anos. E não quero distinguir um, ofendendo os outros. Dividi esse dinheiro em dezasseis partes, colocando-o em dezasseis caixas fechadas a cadeado; deste modo, cada um de vocês levará uma caixa ao Banco de Abilene, onde as esperam, e depositá-la-á lá. Dar-lhes-ão um recibo para vossa tranquilidade. Este é o último trabalho que farão para mim. Suponho que estão de acordo. Sairão escalonadamente; ponho nas vossas mãos o futuro da minha velhice, o fruto de toda uma vida de honrados trabalhos. Esta é a maior demonstração da minha confiança, rapazes. Não posso ficar com o dinheiro em casa. Agora já não serei o «Senhor do Llano Estacado», mas sim um tranquilo enfermo que poderia ser despojado do seu dinheiro por qualquer bandido. 

Fez um sinal ao doutor Grosvenor, para que levasse a cadeira até uma arca, que abriu com uma grande chave. Dentro dela estavam dezasseis caixas de couro, fechadas com cadeados. Os homens foram pegando nelas com muito respeito. 

— No Banco abri-las-ão na vossa presença, contarão o dinheiro e dar-lhes-ão um recibo. Meus amigos, o doutor Grosvenor, que é o meu homem de confiança, tem um papel com instruções. Ele lhes dirá como devem sair daqui e o caminho a percorrer por cada um de vocês para que não se encontrem. Desejo muita sorte a todos. 

O doutor Grosvenor empurrou a cadeira do «Senhor», desaparecendo pela porta ao fundo do salão. Pouco depois voltava para comunicar as instruções do chefe. Os dezasseis homens que tinham sido executores, ajudantes e braços do «Senhor do Llano Estacado», receberam as instruções em silêncio, sem se olharem, segurando firmemente as caixas de couro com o dinheiro. 

Desde que fora condenado à cadeira de rodas, o «Senhor» tinha o seu quarto no andar térreo da casa. Permanecia horas e horas junto da janela, de onde via o caminho. 

Dez dias depois da visita dos seus dezasseis homens, alguém, montando um cavalo a galope, aproximou-se da casa. Pouco depois, um dos criados entrava com um papel amarelo. 

— Um telegrama, «Senhor». 

O dono da casa abriu-o e dispôs-se a lê-lo com um sorriso nos lábios. Depois disse ao criado: 

— Chama o doutor. 

O doutor Grosvenor entrou no quarto com desenvoltura. Havia dois meses que vivia naquela casa. Na realidade, o «Senhor» era o seu primeiro cliente. Grosvenor, que tinha apenas vinte e cinco anos, acabava de sair da Universidade e, ao chegar ao Llano Estacado, onde nascera, tinha sido contratado pelo «Senhor». 

— Sente-se mal? — perguntou ao doente. 

Este estendeu-lhe o telegrama. 

— Não pior que ontem, jovem. Leia esse telegrama. 

Grosvenor fê-lo, sorrindo. Pousou-o sobre a mesa, perto do doente. 

— É o último? 

— Sim, já terminou o prazo, e tudo aconteceu tal como eu temia. Nem um só dos dezasseis homens chegou a Abilene. Nem um só! 

— Isso quer dizer... 

— Que todos abriram as caixas para ficarem com o seu conteúdo e desaparecer. Nem um chegou a Abilene e tiveram tempo para fazer duas vezes essa viagem. Todos tentaram roubar-me, doutor. 

Grosvenor riu calmamente. 

— Não era o que esperava? Não são precisamente anjos. Utilizou-os porque eram duros e pouco escrupulosos. 

O doente grunhiu. 

— Está a aproveitar-se da sua situação e da minha, jovem. Ninguém se atreveu a dizer que o meu negócio tosse pouco escrupuloso. Eu fui o anjo bom dos ganadeiros da «grande rota», os meus homens exerciam uma profissão decente, cuidar de que ninguém roubasse gado no Llano Estacado, coisa que antigamente acontecia todos os dias. Os meus homens, sob o meu mando, foram uma espécie de comissários honorários, que afastavam os ladrões. 

— E os ganadeiros pagavam-lhe a si muito dinheiro por esse serviço, não é verdade? 

— Claro — o enfermo riu. — Era essa a única diferença entre eles e os comissários efetivos, que recebem apenas uns cobres. A minha força de segurança era cara, mas eficaz. Os homens que trabalhavam para mim sempre foram honrados. 

— Porque nunca lhes pôs nas mãos uma fortuna. Que se passava com os ganadeiros que não aceitavam pagar-lhe o tributo de passagem pelo Llano Estacado? 

O «Senhor» levantou a cabeça, olhando fixamente para n médico. 

— Você é valente, Grosvenor. Qual é o seu nome próprio? 

—Jim, senhor. 

— Jim, não vou responder-lhe a essa pergunta. Ao princípio houve alguns ganadeiros que não compreenderam a situação; naturalmente, ficavam fora da minha proteção. Era lógico que os ladrões, ao saberem disso, se lançassem sobre os seus gados. Muito desagradável, mas depressa todos aceitaram os meus serviços e pagaram o «tributo». 

— Falando claro; os seus homens ou eram comissários ou ladrões, conforme as circunstâncias. Como pode admirar-se de que agora nenhum deles resistisse à tentação de roubar-lhe o seu dinheiro? 

— Jim, não seja tão brusco. Você sabe que eu estou derrotado, mas ainda tenho garras. Era obrigado a fazê-lo. Preciso de encontrar um homem honrado, preciso de encontrá-lo quanto antes; por isso os enviei com essas caixas cheias de papéis sem valor. Todo aquele que a abrisse, quebrando o cadeado, não me servia. 

— Calculo que estejam furiosos consigo, pois todos eles quebraram os cadeados, ao que parece. Devem sentir--se burlados... 

— Sim, isso compensa-me da traição. 

Jim Grovesnor perguntou: 

— Porque não lhes disse a verdade? 

— Que estou condenado à morte? Que me restam um par de meses de vida? Porque isso não é assunto que lhes interesse. Malditos patifes, todos quiseram roubar-me, depois de terem vivido como gente durante muitos anos à minha custa! Um homem honrado, preciso apenas de um homem honrado! 

— Pede demasiado, senhor. 

O «Senhor do Llano Estacado» sorriu, passando a mão pelo queixo. 

— Não me parece. Já o encontrei; na verdade, a prova desses patifes não era necessária. Já encontrei um homem honrado há algum tempo: você, doutor Grosvenor. 


Sem comentários:

Enviar um comentário