sábado, 18 de junho de 2022

BRV013.12 EPILOGO


Lex desmontou em frente da entrada da casa. Um denso silêncio envolvia o «rancho» de Maxey Brady. Como se o próprio vento pressentisse que estava a chegar o fim daquela história dos bisontes e do caminho de ferro.

—Joan! Joan!

Houve uma pausa um tanto prolongada. Intrigado, Lex abriu ligeiramente a porta e repetiu a chamada.

— Joan!

A figura feminina surgiu, por fim. Transpôs o umbral de um golpe e saltou ao pescoço masculino num gesto impulsivo.

— Lex, querido! Conseguiste já arranjar tudo? Posso contar com as terras da reserva e a indemnização do governo?

De súbito, verificou a rigidez daquele corpo que, umas horas antes, vibrara junto do seu. E olhou-o, surpreendida.

— Posso saber o que se passa contigo?

Como resposta, Lex agarrou-a por um braço e afastou-a para o lado. Então, ficou à vista da rapariga o que o corpo masculino lhe tapava. Em primeiro lugar, três cavaleiros.

«Shoshone».

Tondeyaha.

Uma índia.

Uma formosa índia, de grandes olhos negros, que a olhava com impassível expressão. E, mais além, joelho contra joelho, imóveis como estátuas, com o rosto e o corpo pintados de amarelo-torrado, mais de vinte guerreiros «shoshones», com os rifles atravessados sobre as pernas.

Todos a olhá-la fixamente.

Sentiu que o solo começava a faltar-lhe sob os pés. Tornou-se intensamente pálida. E bateu com os punhos cerrados no peito de Lex Norman, raivosa, selvaticamente, insultando-o.

— Enganaste-me! Enganaste-me, cerdo maldito! Fingiste um amor que não sentias por mim, só para me perderes! Odeio-te! Desprezo-te!

Lex aguentou a insultuosa avalancha sem se alterar. Nada sentia por aquela mulher. Fingira amá-la, sim, mas com que intenção? Ao colhê-la pelos ombros, não experimentou a mais ligeira emoção. Como se estivesse a agarrar uma pedra.

— Terias de acabar assim, tarde ou cedo, Joan. O que pretendias era ilegal. E teria levado ao extermínio uma tribo inteira.

— Que me importa? Que me importa a mim que vivam ou morram? São índios apenas! –

Transtornada pela cólera, Joan Brady voltou-se para o silencioso grupo de rostos cobreados que a contemplava, acusadoramente.

— Ouviram? São índios apenas! Índios! Índios! Índios! E gostaria de vê-los mortos a todos!

A sua branca e delicada beleza parecia haver-se esfumado sob aquela onda de fúria. A voz de Nalinle disse, serenamente:

— Compadecemo-nos de ti, mulher branca.

— Não preciso da vossa compaixão para nada!

— Quando deres entrada na prisão não pensarás assim.

Com um rugido de raiva, Joan desprendeu-se dos braços de Lex e fugiu para o interior da casa. O homem seguiu-a. E «Shoshone», que desmontou rapidamente, também. Ambos sabiam que ela iria avisar seu pai. E interessava-lhes apanhar Brady vivo.

A rapariga irrompeu como um ciclone no escritório do «rancheiro».

—Lex traiu-nos! Vendeu-nos aos índios! Eles sabem tudo!

Lex e «Shoshone» não lhe deram tempo a pronunciar mais uma palavra. Nem a Maxey Brady que lhe respondesse. Já ambos entravam decididamente no gabinete, de revólveres na mão.

— Quieto, Brady!

Evidentemente, Brady fez tudo menos conservar-se quieto. Deu um salto de costas ao mesmo tempo que levava a mão ao coldre. Os dois amigos dispararam simultaneamente, com incrível velocidade. Talvez com demasiada velocidade, pois não acertaram no «rancheiro» e este teve tempo de engatilhar o «Colt» e apontar aos dois homens. Joan gritou rancorosamente:

— Mata-os!

Brady atirou a matar.

A bala arrancou o chapéu a Lex.

«Shoshone» lançou--se de costas contra a parede, precisamente sobre o ombro ferido. Uma dor aguda turvou-lhe a vista durante uns instantes, e empalideceu. Lex correu para ele, a fim de o proteger com o seu próprio corpo enquanto disparava novamente contra Brady. Mas este desaparecera já pela porta, seguido por sua filha.

— Não vás lá para fora, papá!

— Cala-te!

Brady corria pelo corredor. No final deste, vislumbrava-se a porta. A sua salvação! Se conseguisse apanhar um cavalo, aqueles dois malditos pistoleiros não conseguiriam alcançá-lo.

— Já te disse que não saias! Lá fora...

— Vai para o inferno!

—É que te irão...

—Desaparece de uma vez!

Maxey só pensava em si próprio. Em fugir, fosse como fosse. Deu um empurrão a Joan, que procurava retê-lo, e saiu. Deteve-se no umbral da porta, com o revólver na mão, encolhido sobre si mesmo, sentindo que o sangue lhe paralisava nas veias ao contemplar aquele panorama de guerreiros imóveis que lhe vedava a passagem. Durante uns segundos não pôde fazer um único movimento. Então, resmungou entre dentes:

— Malditos «shoshones»!

E ergueu o revólver. Houve um momento de imobilidade, de silêncio, de paz. Mas tudo aquilo se desfez em menos de um segundo.

Ouviu-se uma detonação. Começou a desfazer-se uma leve nuvenzinha de fumo. Espalhou-se pelo ambiente o odor a pólvora queimada.

E Maxey Brady, que quisera saldar um deficit monetário à custa da vida de um povo, largou o revólver, dobrou-se pouco a pouco e acabou por cair de bruços com a fronte atravessada por uma bala certeira.

Joan lançou um grito:

— Papá!

E começou a chorar histericamente enquanto Tondeyaha a contemplava por cima do fumegante cano do seu rifle, impassível como de costume.

Quando «Shoshone» e Lex apareceram à entrada da porta, foi aquela a cena que se lhes deparou. Sem palavras. Mas eloquente em si mesma. Por outro lado, «Shoshone» era um índio. E a Lex pouco lhe faltava para o ser. Não precisavam de muitas explicações.

O xerife de Wells encasquetou o chapéu e deitou um último olhar ao acampamento ferroviário. Dirigindo-se a «Shoshone», disse:

— Os presos serão julgados dentro de quatro dias. Precisarei do seu testemunho em juízo.

— Muito bem.

— Providenciarei para que lhe corresponda parte do «rancho» de Brady como recompensa. E outra parte a Norman. Foram ambos que solucionaram esta ilegalidade. E propô-los-ei como inspetores neste troço do caminho de ferro no relatório que vou fazer dos factos à «Southern Pacific».

— Pode fazer isso, xerife?

O xerife sorriu. Era um homem de cerca de quarenta anos, de espertos e risonhos olhos castanhos.

— Oficialmente, não. Mas se o delegado da «Southern Pacific» me perguntar se conheço algum homem aqui que possa desempenhar esse posto, não irei ficar calado. Além disso, ele não deixará de saber pelo meu relatório que foram os senhores que resolveram este assunto.

Levou dois dedos à aba do chapéu e foi-se embora. Lex e «Shoshone» olharam-se uns segundos em silêncio. Lex disse:

— Segundo, parece, Nalinle não será a esposa de um renegado. E irá viver um pouco melhor que as suas irmãs de raça.

O índio continuou a contemplá-lo em silêncio, muito sério, fixamente. No fundo das suas negras pupilas bailava uma luz dourada.

— Queria dizer-te uma coisa, Lex.

— Está bem, di-la.

— Nunca poderei pagar-te o facto de te tornares meu amigo numa altura em que ninguém o era.

O outro encolheu os ombros. Sorriu. Puxou da bolsa do tabaco e começou a brincar com ela, fazendo-a saltar nas mãos.

— Lex... Gostaria de encontrar uma palavra que...

— Bem, bem... Para já, não me agradam as cenas sentimentais. Sabias?

Mas sob a aba do chapéu de Lex cintilavam duas luzes diamantinas. Impulsivamente, «Shoshone» estendeu a mão e Lex apertou-a com força.

Aquele gesto equivalia ao mais efusivo abraço, e os dois homens sabiam-no. Repentinamente, Lex afrouxou os dedos. Deu um piparote no chapéu, atirando-o para trás, e disse:

— Deixo-te com «tua mulher».

E afastou-se a assobiar, mas com a boca crispada.

Por momentos, «Shoshone» sentiu a tentação de correr atrás dele, detê-lo e dar-lhe um verdadeiro abraço. O abraço que ele havia merecido. A pequena mão de Nalinle pousou-se no seu braço. Escutou a sua voz. A sua doce e suave voz.

— É um grande homem, não é verdade?

Sorriu-lhe.

— Sim.

Ela apoiou a cabeça no seu ombro. As pupilas cintilavam-lhe como estrelas.

— Estou orgulhosa de ti, Winstonah.

Voltava a chamar-lhe pele seu verdadeiro nome. E a «Shoshone» dilatou-se-lhe o coração ao escutá-lo.

— Também eu de ti, Nalinle. Da tua coragem, ao converteres-te em minha esposa. E da tua dedicação ao esperar-me dez anos. Nunca poderei pagar-te tão grandes provas de amor.

Passou-lhe o braço sobre os ombros e começaram a andar até ao extremo do acampamento, onde tinham deixado os cavalos.

Junto de um dos barracões, Lex Norman viu-os montar e partir a galope. Calculou que iam para a sua cabana e pensou: «Terei de pedir hospitalidade por esta noite a Tondeyaha».

Muito bem. Tudo estava agora como devia estar. Como diziam os «shoshones»: «Agora tudo está bem».

Lex Norman acabou de fazer o cigarro e acendei, um fósforo. Uns momentos depois, o fumo azulado do tabaco ocultava o brilho diamantino das suas pupilas.

Caía a noite sobre as terras «shoshones». Sobre as terras que deviam continuar a ser «shoshones», atravessadas pelas linhas paralelas do caminho de ferro.

Um amor tinha nascido. Um homem tinha voltado ao seio do seu povo. Agora tudo estava bem.

 

 



F I M

 

 

 

 

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