terça-feira, 25 de maio de 2021

BIS009.10 Rapto de duas mulheres com trágico desfecho

A atmosfera estava carregada de fumo que saía dos cachimbos ou cigarros que os três homens fumavam. Ali se tinham reunido pelo ódio que os irmanava contra o jovem impetuoso e destemido, de seu tão recente conhecimento, mas que introduzindo-se nas suas vidas a todos os vencera. A eles, que sempre se haviam considerado invulneráveis, a todos demonstrando a mais forte superioridade, ferindo ou matando a seu belo prazer.

— Deu cabo de todos os meus planos e tornou impossível a minha vida nesta região — dizia Snell, deitado na cama, ainda malferido, com todo o ódio que aquela inação lhe concentrara nas veias. — Os mesmos que me deram o cargo de «sheriff» e nele me sustentaram durante tanto tempo, voltaram-me as costas ao ver-me caído por terra. Juntei-me a ti, Buck, mal me posso mexer. Prefiro isso, a ser considerado um traste inútil.

—Precisamos de acabar imediatamente com esse malvado aventureiro — sugeriu Tom, desejando encontrar quem o ajudasse a eliminar rapidamente o detestado rival.

— E será esta noite, antes que ele fale com a menina Power, que, ao ouvi-lo, decerto me despedirá do rancho. E, ao saber-se o motivo, não encontrarei com facilidade outro rancho em que possa trabalhar.

— Os seus assuntos pessoais não nos interessam, senhor — retorquiu, desprezivelmente, o «Gorila» Buck, a cujo carácter brutal, mas valente, não quadrava a cobardia do presumido capataz, por quem não sentia a mínima simpatia.

—Os assuntos dele são os nossos também — interveio conciliador, o «sheriff». E dirigindo-se a Tom, continuou: — Não o podemos atacar dentro da cidade, pois não é dos que se deixam apanhar com facilidade, e muito menos enquanto andar na companhia desse negregado Sam, que parece ter-se posto. a seu lado.

— Uma punhalada pelas costas acaba rápida e silenciosamente com um homem por mais valente e hábil que ele seja — falou Tom, animado com o apoio de Snell.

—Toma conta, menino, que estás a falar com homens. Não te esqueças!

Tom calou-se ante a resposta brusca do Buck, que não parecia disposto a transigir com tais métodos próprios de cobardes e poltrões.

— Precisamos de encontrar uma solução que sirva para todos, e não o conseguiremos enquanto não estivermos de acordo — voltou a interceder o ferido. — Resolveríamos a situação, se conseguíssemos atrair esses homens a um lugar afastado, em que se lhes pudesse dar luta, sem medo de inoportunas intervenções.

Concentrada nele a atenção dos outros dois, o «sheriff» meditou uns momentos, estudando uma possibilidade que lhe ocorrera, antes de a transmitir:

— Creio que encontraríamos maneira de o fazer, raptando Ana e Ketty. Mas desde já fica entendido, que a loura me pertencerá. Juntar-me-ei a vocês, logo que me possa mexer, e até lá terão de guardá-lo bem.

— Se a tua ideia resultar, conto com a rapariga —concordou o bandido, pensando que não, o aborreceria nada ficar com aquela morena altiva e desdenhosa, a culpada da humilhante derrota sofrida ante uma multidão que, naquele instante, se estava a rir da sua triste figura. — Raptando-se as duas, Rob depressa o saberá, e, auxiliado por Sam, procurará livrá-las. Ao verificar a tua ausência, Buck, logo te relacionará, sem dúvida alguma, com o rapto das mulheres, e como Sam conhece o teu refúgio, eles ali irão à tua procura. Dessa forma, apanhamo-los, tal como pretendemos.

— Podem pedir ajuda, e perseguir-nos com um batalhão de gente, que acabaria connosco com a maior facilidade — opôs o «Gorila».

— Não sejas estúpido, Buck! Nenhum deles é homem para pedir a outro que lhes tire as castanhas do lume. Para mais, podes fazer com que os teus homens se mostrem na cidade, de maneira a julgarem que foste sozinho para o teu refúgio.

— 0 teu plano não é descabido! — opinou o bandido.

— Ainda bem que assim pensas!

— Ponhamo-lo em prática esta noite! — gritou, entusiasmado, o loiro Tom, que via naquele golpe a solução para evitar a sua raiva, apoderando-se, ao mesmo tempo, da mulher que desejava.

E os seus sonhos iam ainda mais longe. Como capataz do rancho. seria o encarregado da sua administração enquanto a dona não aparecesse. Entretanto ele negociaria até à última rês, e o produto iria para o fundo dos seus bolsos.

— Tu, Buck — continuou Snel1, ante a tácita aprovação do 'humilhado gorila — reúne alguns dos teus homens, e avisa-os para que amanhã se reúnam a vocês, antes que se espalhe a notícia do rapto. Esta noite todos se deitarão muito tarde, e ninguém estranhará que a bela gerente e a sua amiga não, apareçam às primeiras horas da manhã. Com os homens que consigas arranjar, introduz-te nos quartos das mulheres e espera, o momento delas se irem deitar. Então será a altura de, sem fazeres barulho, te apoderares das duas, e levá-las para a tua cabana. Tu, Tom, podes ajudar o Buck, ou ficar aqui, pois ele não precisa de ti.

— Quero ajudá-lo! — declarou o capataz, pouco disposto a deixar Ketty nas mãos daquele selvagem, que já demonstrava os mais imundos apetites.

— Pois mãos à obra, e boa sorte!...

Os dois homens saíram juntos do quarto do «sheriff», e logo se separaram para não serem. vistos um ao lado do outro. Enquanto Buck se afastava à procura dos seus homens, Tom dirigiu-se para o hotel, a fim de vigiar a possível chegada de Ketty e Ana, antes de se reunir à quadrilha.

Havia ainda pouco tempo que se mantinha no seu posto de vigia, quando precisou de se esconder apressadamente, ao ver saírem Rob e Sam, que se afastaram, trocando palavras acaloradas. Rejubilou-se, pois o campo ficava completamente livre. Não lhe apetecia muito enfrentar-se com o texano e com o temível pistoleiro. Começava a impacientar-se pela larga espera, quando viu aparecer Buck, acompanhado de sete dos seus homens; saiu-lhes ao encontro.

— Alguma novidade? — inquiriu Buck.

— As duas mulheres estão sozinhas no quarto de Ana — elucidou Tom. — Mal cheguei vi sair os homens que nos interessam, embora não saiba aonde foram. Temos de andar depressa. Agora não há lá dentro ninguém, a não ser as duas raparigas, e eles podem voltar de um momento para o outro.

Em silêncio, entraram no vestíbulo, e logo ouviram as vozes das raparigas que se encontravam reunidas num quarto próximo, comentando, intrigadas, a brusca saída de Rob e Sam. Ao verem surgir aquele bando de indivíduos patibulares, alguns dos quais de armas em punho calaram-se, assustadas, sem lograrem compreender o que se passava. 

— Não façam a mais pequena bulha — avisou ameaçador, o simiesco Buck, com um desagradável sor riso que punha a descoberto os dentes sujos, em que sobressaíam dois enormes incisivos. — Podiam passa por um sério desgosto!

— Que desejam daqui? — perguntou Ana, cheia de coragem, refazendo-se da surpresa que lhe causava, aquela brusca invasão.

— Vão acompanhar-nos, e nada de mal lhes acontecerá se não oferecerem resistência; de contrário, obrigam-me a ser violento.

—Mas com que fim? — A pergunta era demasiado pueril, mas Ana nem nisso reparou.

— Que foi mamã?

Atraída pela bulha das vozes, surgiu a pequenita Pam, metida na sua camisita que a cobria até aos pés

—Levem daqui a garotelha! — rugiu o bandido, furioso pelo aparecimento da pequena.

Antecipando-se aos bandidos, Tom, que escondera a cara atrás dum lenço, para não ser reconhecido, agarrou na garota amarrou-a e amordaçou-a, de forma que ela não se pudesse livrar sozinha, mas sem lhe fazer mal.

Buck, com um leve encolher de ombros, seguia-lhe os movimentos. Pouco disposto a perder tempo, ordenou aos homens que fizessem o mesmo às duas mulheres, recomendando que não as molestassem mais do que o indispensável.

Em poucos momentos, foi vencida a débil resistência das duas raparigas que, aterrorizadas. e aturdidas pelo imprevisto do ataque, não tiveram tempo nem para abrir os lábios.

Foram conduzidas para fora do edifício, onde já as esperavam os cavalos trazidos pela quadrilha. Em breve, o ruído dos animais se perdia nas ruas desertas, afastando-se a galope da cidade, cujas luzes ficavam para trás, perdidas na distância.

Durante horas manteve-se o incansável galope em plena obscuridade, apenas iluminados pela vil claridade das rutilantes estrelas que coalhavam o céu. Apenas pararam um momento, à saída de Surshine, para desamarrarem as mulheres que, à laia de sacos de batatas, haviam Sido atiradas para cima das selas dos cavalos de Tom e Buck.

Logo que passou o perigo de poderem chamar as atenções dos moradores da cidade, com gritos ou poderem tentar qualquer fuga desesperada, puseram as duas mulheres à vontade.

Chegaram ao quartel-general dos bandidos, umas cabanas perdidas nos contrafortes das montanhas, horas antes do amanhecer. Os homens apearam-se, e conduziram as prisioneiras para o interior de uma das maiores casotas, apressando-se ia acender uma fogueira.

Fazia frio, e todos se aproximavam do lume, cujas labaredas se contorciam sobre o fundo escuro da noite.

As duas raparigas uniram-se instintivamente, procurando mútuo apoio para a sua penosa situação. Os seus olhos, que continuavam desmesuradamente abertos, viam, horrorizados, a feia, enorme e desconfortável sala, o único aposento da cabana.

As sombras dos homens espalhavam-se pelas: paredes, em proporções gigantescas, que tinham o seu quê de trágico.

— Ah! Ah! Ah! — soou uma gargalhada bestial, atirada pelo mestiço. — Aproximem-se mais da fogueira, pombinhas! Ou nós metemos-lhes medo? Vem cá, minha gazela... Queres dançar agora comigo, ou esperas que apareça o teu querido?

— Se ele aqui estivesse, o senhor não se mostraria tão valente — respondeu Ketty, disfarçando o terror que a dominava com uma altivez que impressionava o brutamontes.

De novo Buck tornou a rir; apreciava a valentia da rapariga. Aproximou-se dela, dominando-a com a sua corpulência.

— Gosto de ti! Se és fogosa na luta, também, deves ser no amor! Não gosto dessas songas-mongas que desmaiam por tudo e por nada.

— Um momento — interveio Tom, interpondo-se entre eles, com desespero, e arrancando da cara o lenço que já se tornara inútil. Arrependia-se amargamente do passo que dera, ao compreender que o seu aliado, naquela sua presa, queria a rapariga para si. Estava disposto a impedi-lo, custasse o que custasse.

— Esta rapariga pertence-me, e não consentirei que lhe toque num cabelo.

O bandido mostrou-se assombrado de que aquele homem, a quem considerava um cobarde, se atrevesse a fazer-lhe frente, exatamente quando se encontrava nos seus domínios e entre os seus homens. Olhou-o durante largo espaço de tempo, imitando a febril agitação do rapaz e a resolução desesperada que se lia nos seus olhos.

— E és tu quem mo impede — interrogou zombeteiro, notando como todos os homens punham os olhos nele. — Vai-te para longe, pateta, se não queres que te esborrache com o pé.

Sem fazer caso da atitude ameaçadora de Tom, agarrou-o pelas bandas do casaco e atirou-o com tal força que o rapaz atravessou a cabana e foi estatelar-se no chão, onde ficou aturdido. Depois, cego de cólera, levado ao desespero, puxou rapidamente pelo revólver.

Buck não o perdera de vista, e conseguiu adivinhar as intenções do outro antes que ele as efetivasse; adiantou-se uma fração de segundo, e disparou. As duas detonações ressoaram com estrondo na pequenez da cabana, seguidos pelo grito de dor de uma mulher ferida.

E enquanto esta se deixava dobrar, presa pela dor causada pela bala que lhe perfurara o ventre, olhos nublados pelas primeiras névoas da morte, Tom Grant via, horrorizado, o cair daquele corpo inocente.

Fora, no meio da mais fechada obscuridade, seis homens interromperam a sua marcha, ao ouvirem as detonações, enquanto dois deles se entreolhavam, angustiados, pelo grito acabado de ouvir.

Como impulsionados pelo mesmo pensamento, Sam e Rob saltaram para diante, esquecidos de qualquer precaução, correndo velozmente para a cabana por cuja porta saiam fios de luz.

Levavam as armas empunhadas, prontas a disparar, seguidos pelos quatro homens de Sam, uma vez passada a primeira surpresa. As largas passadas de Rob permitiram-no adiantar-se aos outros, e, num impulso cego, arremessou-se contra a porta fechada, que saltou dos gonzos, caindo sobre ela, devido ao impulso.

Logo troaram as pistolas, e, mesmo do chão, a voz do seu «colt» se uniu às restantes, numa sinfonia macabra. Foram instantes rápidos. Sam saltou para dentro da cabana, encontrando-se em frente de «Gorila» Buck, que se voltou para ele, segurando a arma fumegante.

Voltaram a ouvir-se os revólveres; agora, os dois homens que durante tanto tempo haviam militado no mesmo caminho do crime, estavam frente a frente, em pontos opostos, ambos valentes, ambos decididos, ambos certeiros.

Ao crepitar das chamas da fogueira, uniu-se o das armas, mais forte, mais rápido. A surpresa compensou a inferioridade do número, e sem um grito, sem se trocar urna palavra, sem ódio, quase sem se saber o motivo daquela matança, atacavam-se com ferocidade, enfrentando a morte, enquanto, num recanto da cabana, uma mulher aterrorizada, segurava, entre os braços, trémulos, o corpo agonizante da amiga.

Um silêncio de morte seguiu-se ao fragor das detonações. Durante momentos angustiosos, pareceu que não ficara réstia de vida dentro daquela cabana sinistra. Essa foi a impressão experimentada por Ketty, que continuava acaçapada no canto em que a luta a surpreendera, quando se inclinou para socorrer Ana, ferida de morte pelo tiro malfadado de Tom Grant. Por fim, lenta, penosamente, um homem levantou-se: Sam Lou.

Mais longe, um outro, desfalecido, caído no chão junto à parede, onde fora derrubado por uma bala que lhe perfurava os pulmões, viu Sam cambalear por entre os corpos que lhe cortavam o caminho.

Com dificuldade, puxou pelo revólver, mas antes que terminasse o movimento, caiu morto, cabeça atravessada por uma bala, disparada por um «colt» de quarenta e cinco, cuja detonação voltou a atroar o pequeno espaço da cabana. Da sua incómoda posição, junta à porta derrubada, indemne graças à queda providencial em que pudera furtar o corpo à chuva de balas que o havia acolhido:

— Rob — gemeu Ketty. — Ana vai morrer.

Em silêncio, segurando o companheiro agonizante, encaminhou-se para junto das duas mulheres. Encostou Sam à parede, e começou a entreabri-lhe a camisa cheia de sangue.

— Põe-me ao lado dela... — proferiu, Sam Lou, com dificuldade. Compreendendo que nada podia fazer por ele, Rob fez-lhe a vontade, sentindo os seus olhos nublarem-se de lágrimas.

Uma das mãos do ferido ergueu-se para a face pálida da pobre Ana, afastando-lhe uma madeixa de cabelo que caía sobre os olhos.

— Ana... —murmurou, num sopro. — Não cheguei a tempo de te salvar. Sempre aconteceu assim. Cheguei tarde, para salvar a minha mãe, também cheguei tarde para salvar a minha irmã. E agora para te salvar a ti a quem tanto amo! Ouves-me, Ana? Antes nunca to diria, mas agora é diferente.

Devagar, abriram-se os olhos da moribunda, com se as frases de amor de quem tanto a amava lograssem despertar aquele coração prestes a deixar de palpitar. Os olhos verdes da moribunda cravaram-se nos de Sam que ainda lhe dirigiam uma mensagem de adoração quando já os seus lábios eram incapazes de nada mais proferir.

De pé, na frente deles, muito abraçados, calados, corpo estremecido por fundos soluços, Ketty e Rob guardavam um respeitoso silêncio, até que o homem, mais forte, reagiu lembrando-se de que ainda corriam perigo.

— Temos que ir-nos daqui, Ketty, mas, levaremos os seus corpos. Não quero deixá-los ficar neste recinto macabro.

— Sim, Rob! — concordou ela. —E cuidaremos de Pam, como se fosse nossa própria filha.

Rob, numa silenciosa concordância, apertou Ketty mais contra o seu peito, e os seus lábios tocaram-se numa doce carícia. Fora aquele o seu primeiro beijo de amor, molhado pelas lágrimas amargas que lhes galgavam dos olhos.

FIM

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