sábado, 22 de maio de 2021

BIS009.07 O grande «rodeo» de Sunshine

 A praça, em frente da estação, estava coalhada de gente. Em Sunshine não devia ter ficado viva alma. Todos haviam ido assistir aos concursos equestres, esperados com ansiedade. Contando com os forasteiros, mais de duas mil pessoas deviam andar pelas ruas.

A multidão ruidosa, era uma massa incolor que se destacava vivamente no recinto das festas. As camisas alacres dos cow-boys confundiam-se com os vestidos vistosos das raparigas, as mantas coloridas dos índios e os grandes chapéus mexicanos.

Numa das tribunas reservadas para os rancheiros mais ricos, cujas equipas de trabalho participavam dos concursos, via-se Ketty Power rodeada de Ana e sua filha Pam. Aquela fingia interessar-se por quanto se passava na arena, quando na verdade mais não fazia que procurar ansiosamente com a vista, a arrogante figura de Rob, por cuja sorte estivera a rezar no seu quarto, pedindo ao Céu que o fizesse sair indemne da luta de morte que ia travar com Sam Lou.

Censurava-se amargamente havê-lo deixado ir para aquela luta; depois, ia buscar ânimo à recordação da briga que ele tivera com o «sheriff» Snell, a quem vencera facilmente, não obstante a extraordinária fama que o rodeava, dizendo-se que apenas dois homens, Sam e o «Gorila Buck», o superiorizavam em rapidez de tiro.

Na pista imensa haviam começado as exibições. Agora, um estranho cavaleiro, esperava junto de uma das cancelas, pernas rígidas sobre os estribos, descrevendo belas figuras com o laço por cima da cabeça, até que lhe abriram a pequena porta que dava entrada na pista, ao mesmo tempo que também entrava no recinto o novilho que lhe competia enlaçar.

Pese à beleza daquela viril, típica e luminosa estampa do Oeste, Ketty, fervente admiradora dos costumes coloridos daquelas terras, em que nascera, permanecia absorta e distante, preocupada pela sorte do homem que gorava.

Horas antes, o público havia revelado o maior entusiasmo pelas proezas dos vaqueiros que procuravam manter-se em cima dos lombos dos cavalos selvagens, que corriam e saltavam, furiosos, tentando, a todo o custo, atirarem por terra quem os pretendia dominar. Seguiram-se depois os que tentavam igual proeza, mas escarranchados nos lombos de possantes toiros, que apareciam bufando e escouceando ante as gargalhadas dos espectadores.

O cavaleiro tocou ao de leve os flancos do cavalo, com as suas grandes esporas, obrigando-o a galopar, ao mesmo tempo que aumentava o voltear do seu laço, cada vez mais intenso. A corda serpenteante cortou o espaço, indo enrodilhar-se nas patas do novilho. O cavalo parou bruscamente ante uma indicação do dono, de maneira que a corda se tornou tensa fazendo a rês cair aparatosamente.

O cavaleiro, mantendo o laço bem firme, saltou da sela, e correu para o animal para lhe atar as patas com cordas que, previamente, havia preparado. Ao erguer-se de um salto, dando por concluída a tarefa, aproximavam-se os ajudantes dos juízes, enquanto estes travavam os cronómetros.

Depois de verificarem a perfeição do trabalho feito, comunicaram ao público impaciente que o tempo gasto pelo jovem vaqueiro, desde que o novilho fora largado, até ficar completo e firmemente ligado, fixava-se em trinta segundos e oito décimos. O excelente resultado foi saudado com uma salva de palmas, que se prolongou enquanto o vaqueiro recuperando o laço se retirava, montando um belo cavalo.

—Um belo trabalho, hem? — felicitou-o Rob, quando o rapaz se desmontou junto do grupo de cavaleiros que aguardavam vez para experimentar a sorte. --- Vai ser muito difícil fazer melhor.

— Ora! — tasquinhou, desprezivelmente, um homem novo, de trinta e três a trinta e cinco anos, arrogante e bonitote, aproximando-se com ar superior. — Aquele tempo pode ser bom para a maioria dos vaqueiros, mas não para mim. Trinta segundos levei eu no ano passado.

—Já sei, Tom — respondeu, um tanto aborrecido o rapaz louro. — És um campeão indiscutível, mas um dia virá em que alguém faça melhor tempo do que o teu.

—Talvez tu, não...? — retorquiu o outro, num jeito desprezo o.

— Gostaria bastante, e farei o possível por te conseguir bater.

O chamado Tom atirou uma gargalhada trocista, que foi acompanhada pelo grupo donde saíra, e que, evidentemente, se mostrava orgulhoso do seu companheiro.

Rob precisou de dominar o seu temperamento fanfarrão, para não lançar um desafio àquele homem, mas naquela espécie de exercícios o catraio ocupava um lugar tão importante como o cavaleiro, e ele não conhecia a sua montada.

— Quem é esse pavão real? — perguntou ao rapaz que dominara o novilho, tentando travar amizade com ele e contratá-lo para a sua equipa, se lhe fosse possível.

— É Tom Grant — respondeu o outro, um tanto ressentido, enquanto punha o cavalo à vontade. — E o capataz do rancho da menina Ketty, e aspira a transformar-se em seu proprietário, pois ela está louca por ele.

Rob sentiu no coração uma violenta punhalada de ciúme, e nesse instante mais aumentou a sua simpatia pelo seu novo antagonista, cuja presunção e arrogância o irritavam.

— Isso é verdade? — perguntou, com voz rouca. — Eu sei lá! Espero que não, porque ela é bonita e boa, e esse indivíduo não passa de um refinado hipócrita, amigo do biltre do «sheriff» Snell. Creio que ela o distingue entre os outros vaqueiros, mas isso pode ser devido apenas a ser o capataz do rancho, e não por qualquer motivo pessoal. Dentro de alguns momentos vai vê-lo na pista. Na verdade, trata-se de um excelente cavaleiro e lançador, e consegue sempre um bom número de pontos para a sua equipa.

— Qual é a sua? Até ontem, pertencia à equipa ide Tom Grant. Mas este tornou-se insuportável, e decidi vir-me embora. Espero que o meu resultado de hoje me proporcione trabalho — acrescentou um pouco desalentado. — De contrário, irei por essas terras fora, e alguma coisa hei de conseguir.

— Quer trabalhar para o «T-Barra»?

O rapaz fixou-o com mal dissimulada esperança, para logo se deixar cair numa resignada indiferença. E abateu os ombros, num desalento.

—Previno-o, senhor, que Tom, além das qualidades que já lhe referi, é um excelente atirador. E quando despede um vaqueiro, detesta que o mesmo seja contratado por algum rancho vizinho.

Rob sentiu-se irritado ao ouvir tal sistema de coação. Já nada o impediria de contratar aquele moço, ainda que ele fosse urna nulidade, o que, pelas provas dadas, não se verificou.

— A minha oferta continua de pé, caso não receie aceitá-la! Os olhos do rapaz iluminaram-se de esperança, embora a sua voz soasse tranquilo e indiferente.

— Tenho ouvido falar dessa empresa de Chicago, e confesso-lhe que gostava de entrar para o seu serviço.

— Pois o seu desejo pode ser satisfeito. É uma importante Companhia, dos maiores abastecedores de carne congelada, com matadouros próprios, que precisa de adquirir enormes quantidades de gado. Os seus delegados visitaram esta região, na esperança de conseguirem um bom número de reses, mas nada conseguiram. Não obstante, ao verificarem as condições excecionais da região, guardavam a esperança de poder formar aqui um grande rancho que atenda a parte das suas necessidades, e, assim adquiriram o «T-Barra». Só encontraram um inconveniente que os levou a duvidar do êxito da sua ideia. É enorme o número de pistoleiros e foragidos que infestam a região, e, por esse motivo, querem fazer primeiro uma pequena experiência. Tive ocasião de prestar um serviço a esses senhores, e eles logo tiveram a peregrina ideia de que sou a pessoa mais indicada para tentar levar a cabo a empresa, ainda que de momento lute com fartas dificuldades. A minha intenção é reunir um punhado de rapazes, hábeis, decididos, que não se importem de arriscar a pele, e que, do começo, só recebam o indispensável para as suas despesas, pois a conseguir-se êxito na empresa, como espero, serão nomeados meus capatazes.

—Conte comigo! — acedeu, com entusiasmo, o loiro Billy. — E vou trazer-lhe um companheiro, mais velho que eu, que se despediu também, apenas por solidariedade para comigo. E tem a noiva em Sunshine! Agora está com ela, sentado na bancada. Não arranjamos o suficiente para nos inscrevermos os dois, no «rodeo», pois Grant tem o costume de não pagar os salários aos vaqueiros que despede. Resolvemos ser eu a inscrever-me, para ver se conseguia obter algum prémio, e juntar assim algum dinheiro.

—Parece-me que esse Grant levará uma lição, se alguma vez se atravessar no meu caminho! Porque não procuram a menina Ketty? Estou certo de que ela lhes pagaria o que lhes deve!

— Também assim penso, mas nesse caso seria forçado ou a receber uma bala de Tom, ou a ser enforcado, se eu o vencesse, devido aos bons ofícios do seu amigo o «sheriff». Na verdade, não me entusiasma nenhuma das duas soluções, e acho que meia soldada não me pagava a pele.

—Tens razão, Billy — concordou Rob, com um sorriso. — Agora, porém, sou o teu patrão e compete-me tratar, dos teus assuntos, e dos do outro rapaz teu amigo. Verás como esse tal Grant não recusa o pagamento do dinheiro que lhes deve. Quanto ao «sheriff» ... Bem, esse não nos poderá maçar durante bastante tempo, mesmo que quisesse. Olha, aí vai o nosso homem. Não te preocupes, pois vais ver como nos, divertimos. Trata-me por tu, pois já somos camaradas. Este ano, a equipa «T-Barra», que vai ser formada por o teu amigo, tu e eu, já que amanhã anularemos a tua inscrição como independente, será a vencedora das festas!

Rob fora tomado por transbordante entusiasmo, retomando a alegre fanfarronice que lhe era habitual. Entretanto, na pista, outros vaqueiros se haviam seguido a Billy, repetindo a mesma sorte, mas sem obter melhor tempo. Por fim, anunciaram um novo concorrente, cujo nome arrancou ovações.

—Aí temos, o Tom — disse Pam, que não parecia muito entusiasmada, dirigindo-se a Ketty que seguia com a maior atenção o anúncio de cada concorrente, para logo cair na mais profunda abstração.

— Terei pena, se conseguir vencer o Billy. Estás certa de que Rob se inscreveu neste concurso? Quase sempre é Tom quem fechava o dia.

— Talvez mudasse de opinião — observou a rapariga. Mais desejosa do que esperançada de que essa fora a razão da falta de comparência de Rob.

— Vença Tom, ou não, é certo que deves alcançar os dois primeiros lugares — interveio Ana. — Um belo princípio para a tua equipa!

— Enganaste, Ana. O Billy despediu-se ontem, de maneira que já não concorreu pelo meu rancho.

— Oh! Sinto muito, pois é um belo rapaz e um excelente vaqueiro. Mas, Ketty, não achas estranho que saiam tantos bons vaqueiros do teu rancho, sem te darem uma satisfação? Parece-me que Tom quer ver-se livre daqueles que lhe podem fazer sombra. Não gosto nada desse homem, aborrecem-me aqueles ares de importância! Acho que lhe deste muita autoridade. Dizem que andas louca por ele, e que o farás dono do rancho logo que ele te proponha casamento.

— Que dizes?! — inquiriu a rapariga, sobressaltada, despertando da sua atitude abstrata.

—O que ouvi! E não me admiraria que fosse Tom quem lançou a notícia! É um pretensioso a quem devias correr na ponta do pé!...

— Mas eu não posso despedir o melhor vaqueiro de toda a região, só por dar ouvidos a tais suposições! É trabalhador, competente, e devido a ele o meu rancho tem progredido! Qualquer rancheiro o receberia com maior ordenado. Por outro lado, sempre se portou corretamente para comigo, e nada tenho a censurar-lhe. Pessoalmente também não simpatizo muito com ele, mas isso não é motivo para o despedir.

—Seja assim! — conformou-se Ana, encolhendo os ombros. — Tu sabes melhor do que eu o que te convém. Olha, aí vai entrar o Tom, enfatuado como sempre.

O favorito apareceu montado num belo ruão, que caracoleava, dominado pelas pernas e pela mão do cavaleiro, que segurava o chapéu ao alto, num afetado cumprimento, confiado e orgulhoso, como se desde o princípio houvesse esperado aquela apoteótica receção.

Avançou até ao lugar indicado pelo Júri, e desenrolou o laço que pendia da borraina da sela, começando a fazê-lo girar com grande arte. Confiadamente, aguardava o instante em que se abriria a porta do fundo da pista, dando passagem à rês que deveria lacear e dominar.

A cena de novo se repetiu; embora igual às anteriores, o público aguardava-a com a maior ansiedade, seguindo todas as evoluções do cavaleiro, até vê-lo realizar a prova imposta, com a maior rapidez e desembaraço.

Estrondosos aplausos coroaram o trabalho do capataz. Os juízes anunciaram o resultado. Trinta e dois segundos o três décimos constituíam um tempo «record», até para o próprio campeão, que ninguém ousou contestar. Todos viam nele o vencedor do primeiro dia.

Foi anunciado o último cavaleiro da tarde, Roberto de Rojas, montando o famoso cavalo do «Gorila Buck». O seu nome foi acolhido em impressionante silêncio.

Ketty sentiu que renascia no seu coração uma imensa alegria. De súbito, interessou-se por tudo o que se passava em seu redor, e ansiosa de ver o texano, inclinou-se sobre o tosco parapeito do seu camarote, feito de troncos.

Rob, que adorava as entradas espetaculares, e os efeitos impressionantes, apareceu primorosamente vestido de preto, destacando-se sobre o dorso do cavalo branco, em que só uma larga mancha na testa alterava a imaculabilidade da cor. Atravessou a pista ao galope do seu cavalo, com a velocidade de um raio, estacando no centro do terreno. O cavalo encabritou-se, ao mesmo tempo que lançava um poderoso relincho, forte, atroador, ficando com as mãos erguidos no espaço, durante breves segundos, que o cavaleiro aproveitou para cumprimentar bizarramente a multidão, que, quase na sua totalidade, se pusera de pé.

O cumprimento espetacular impressionou toda a gente, que lhe tributou uma enorme salva de palmas. Pam aplaudiu com delírio, atirando-lhe um grito que se perdeu no entusiasmo ruidoso da assistência.

 

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