Quando Carter se encontrava a cerca de cinquenta metros do "Hopalong's", oscilaram os batentes e uma figura bem conhecida de Carter desceu do passeio à poeirenta calçada. Respirou fundo, olhando para todos os lados; como se quisesse gravar nas retinas quando o rodeava, e que era digno de ser contemplado. Quando qualquer pessoa se enfrenta com a morte, ainda que, interiormente, confie na vitória, acha tudo maravilhoso e considera que perdeu muitas coisas que mereciam ser vistas ou desfrutadas com melhores olhos.
Hopalong Smith sorriu, brevemente, quando viu avançar Carter Maxine pelo meio da rua. Ampliou o seu sorriso, ou seria, apenas, um trejeito?, quando pensou que, muito em breve, algo vermelho e quente brilharia ao sol.
Na rua, silêncio.
No ar, eletricidade.
No ambiente, tensão.
Um duelo nobre, de poder a poder, frente a frente, é algo que sempre desperta a atenção. Algo selvático que cativa. E algo muito humano, que sempre proporciona qualquer desenlace. Quarenta metros... Trinta... Os dois homens ficaram imóveis, contemplando-se, mutuamente, estudando os menores gestos e reações do outro. Avançaram um pouco mais. Vinte metros...
— Carter...
— Sim?
— Tiveste tempo de pensar.
Carter riu, breve, silenciosamente.
— E verdade, Hopalong. Meditei muito.
— E então?
— Nunca sentiste uma obsessão? — inquiriu, por seu turno, Carter.
— Assim tão estúpida, nunca.
— Bem...A estupidez é muito relativa, não te parece?
— De acordo, Carter. Adiante.
As duas figuras ficaram tensas, como se os seus músculos, as fibras que os constituíam, fossem de aço. Nada mais havia a dizer. Daí para a frente, a última palavra correspondia aos revólveres.
Por um instante, suspenderam-se todas as respirações. Grupos de curiosos, hipnotizados, tinham os olhos fixos naqueles dois homens que se iam matar. Tudo parecia morto. Tudo se assemelhava a uma visão de pesadelo. Tudo, exceto os corações de Carter Maxine e Hopalong Smith, que galopavam, furiosamente, nos seus peitos. Bastavam uns escassos décimos de segundo para que o Destino dissesse a última palavra. Desse uma ordem sem apelo, sem contestação. Uma ordem superior, a que não poderiam opor-se as vontades humanas. Seria o destino, sim. Depois, algo vermelho e quente brilharia ao sol...
— Adiante, Carter — repetiu Hopalong.
Suspendeu-se o próprio tempo; contiveram-se, uma vez mais, os alentos, os gestos dos espectadores. Duas mãos rápidas, duas mãos de pistoleiros experientes, desceram para os respetivos coldres; para as encurvadas coronhas dos revólveres.
Brilharam, simultaneamente, os canos das armas. Depois, duas detonações. Com um intervalo que nenhum instrumento de medida de tempo poderia precisar. Dois fogachos descoloridos, levemente amarelecidos. Por fim, o terceiro. Fora do revólver de Carter Maxine que ele brotara.
Todos viram Hopalong Smith dobrar-se para a frente. Observaram as contrações do seu rosto, ensombrecido pela dor. Caiu de joelhos, por fim, com extrema lentidão. No peitilho da camisa, duas grandes manchas roxas. Manchas que brilhavam ao sol. Depois, com uma última contração, tombou de bruços.
Os olhares dos espectadores, atónitos, voltaram-se para Carter Maxine. E um incontido rumor de surpresa brotou de todos os peitos. Carter Maxine tentava avançar para onde estava caído Hopallong Smith, no centro da rua, um tudo-nada distante do seu estabelecimento. Maxine cambaleava; estava lívido. O revólver escapou-se-lhe de entre os dedos. E a mão que o segurava foi levada ao ventre, perfurado pelo único projétil disparado por Hopalong Smith.
Carter ainda conseguiu dar dois vacilantes passos. Depois dobrou-se, tragicamente, ficando de bruços sobre o pó.
Foi então que, na rua, apagado, profundo, dilacerante, se ouviu um soluço, e uma figura feminina se precipitou para Carter Maxine. Jane Meeker, angustiada, com a garganta apertada pelo medo, pela dor, rasos os seus olhos de lágrimas, inclinou-se para Carter.
— James — sussurrou, enquanto acariciava a testa do pistoleiro, humedecendo as mãos com o frio suor que a banhava.
Carter, com as pupilas quase veladas já, olhou Jane e tentou sorrir, não conseguindo mais do que um trejeito.
— Não...Não devias ter vindo, Jane... Não é agradável, compreendes? Não sei..., mas, no último instante, tive o pressentimento de que isto tinha de acabar assim, querida...
A mulher mordeu os lábios, com força.
— Não é possível, James...Nao é possível: — quase gritou. — Não posso acreditar... James ... James.
Carter Maxine fechara os olhos; bruscamente, a vida havia-se-lhe truncado. Morrera, talvez com a consciência tranquila. Com a sua morte, redimira um mau momento da sua existência.
Jane Meeker sentiu-se, de súbito, vazia. Olhava, sem compreender, aturdida pela dor, aquele cadáver, ainda quente. Não notou que os curiosos se iam aproximando, formando um círculo em seu redor e do corpo sem vida de Carter Maxine. Sombras silenciosas que se projetavam sobre o pó; olhos muito abertos, ávidos do espetáculo que se lhes oferecia. Não tinham esperado aquele final, a aparição daquela mulher de alma angustiada pelo sofrimento.
— Jane...
A mulher notou um sopro quente no rosto; pareceu reagir, ao escutar a voz de Jake Duncan. Olhou-o; estava diante dela, em pé, muito pálido.
— Sinto-o, Jane...
Um brilho de loucura ganhou vida nos olhos da mulher. Desfigurou-a, por completo, tornando - a numa Jane diferente.
— Sente, agora, remorsos, senhor Duncan? —inquiriu, secamente.
Jake humedeceu os lábios.
— Não. Não é isso, Jane — respondeu o jovem pistoleiro, serenamente. — Eu sinto-o de verdade. E não podia impedir que Carter fizesse o que fez era o seu destino.
— É verdade. Desculpe-me, senhor Duncan.
E ficou ali, abraçada ao cadáver, como ausente de quanto a rodeava. Tinham-na, também, morto. Não é fácil que uma mulher se resigne, se mantenha serena, quando, aos trinta e cinco anos, chegou a sentir a primeira ilusão da sua vida; o primeiro amor. E o perdia, selvaticamente.
Jake Duncan, em silêncio, separou-se dela. Era melhor deixá-la só naquele momento. Com uma estranha expressão no rosto, Jake entrou no quarto de Diana. A jovem pestanejou, um tanto assustada.
— Já..., já estou pronta, Jake — disse, retrocedendo um passo. — Não..., não me disseste ainda o que vais fazer. Pela minha parte, o ter ficado sem trabalho...
Jake agarrou-a por um pulso. E puxou-a, até que o corpo feminino ficou colado ao seu. Depois, inclinou-se, beijando-a, suavemente, nos lábios. Diana arquejava quando ele a soltou.
— Não te sabia tão... impulsivo, Jake. — sussurrou a jovem. — Pareceste-me, inclusive, frio, demasiado calmo.
Jake riu, trocista.
— Na realidade, não me foi possível dedicar-me a ti, até agora. Mas tudo mudará, de futuro.
Puxou-a de novo a si, beijando-a pela segunda vez.
— Disseste que estavas pronta? — inquiriu, depois.
— S... sim... — respondeu Diana, com os olhos muito abertos.
— Nesse caso, vamos. Não quero perder a diligência.
— Ainda não sei para onde vamos, Jake— protestou, debilmente, Diana.
— Achas que isso tem alguma importância?
Diana fechou os olhos e, a seguir, começou a sorrir.
— Nenhuma, Jake — sussurrou.
— Então, não percamos mais tempo.
— Espera.
Jake fitou-a, surpreendido. Diana colara-se a ele e, antes de o beijar, sussurrou:
— Tão-pouco creio que tenha muita importância o facto de perdermos a diligência. Não te parece, Jake?
Jake Duncan achou que ela tinha razão. Qualquer coisa estava bem, desde que Diana estivesse ao seu lado. Era algo fresco, juvenil, maravilhosamente cheio de vida e... amor. O momento só foi turvado pela recordação de Jane Meeker e de algo vermelho e quente que brilhara ao sol...
FIM
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