domingo, 9 de maio de 2021

6BL045.05 Fazer o que um homem devia ter feito

A cerca de madeira estava derrubada e o tecto da cabana levemente arqueado. A poucos metros da pobre construção, o curral quase vazio. Jake Duncan tomou pelo carreirito, que levava à cabana e, pouco depois, batia à porta. Uma mulher, jovem ainda, abriu. Nas mãos, trazia um a espingarda. 

— Que quer? 

— Apenas um cavalo. Pagá-lo-ei, naturalmente. Perdi-me e preciso de chegar ao povoado.

— Está bem. Entre. Preparar-lhe-ei um pouco de café. 

— Obrigado, senhora. 

Por uma porta entreaberta, assomou o rosto de um garoto. 

— Volta para a cama, Bronson. 

Jake surpreendeu-se. Haveria alguma relação entre aquela humilde gente e o bandido que tentara liquidar Carter? 

— Desculpe o incómodo que estou a dar-lhe, minha senhora. Não queria... 

— Não se preocupe. Eu precisava de vender o único cavalo que possuo, para comprar outras coisas mais necessárias. 

— Duzentos dólares estão bem, senhora...? 

— Chamo-me Fanny. E só esperava cem. 

— Fanny Ballinger? — inquiriu Jake, sem poder conter, por mais tempo, a sua curiosidade. —Vive sozinha? 

— É como se vivesse — respondeu a jovem, duramente. 

— Gostaria de falar com Al Ballinger. Onde poderei encontrá-lo? 

— Quer falar com o meu pai? Está bem. Siga--me. 

Um tanto desconcertado, Jake seguiu Fanny até um dos quartos. E não foi necessário entrar para saber o que se passava. O cheiro a uísque, a suor e a porcaria era, por demais, elucidativo. Sem pronunciar palavra, com os lábios apertados, Fanny afastou-se para um lado, convidando-o a entrar. 

Al Ballinger estava estendido numa mísera enxerga, com as roupas sujas, cheias de pó. Torpemente, sentou-se, olhando os dois jovens. 

— Porque o fizeste, Fanny? — perguntou, por fim, com voz rouca. 

— Estou farta de tudo, pai — repôs, secamente, Fanny. — Esta situação a nada conduz. E gostaria de enfrentar-me, por uma vez, cara a cara, com o futuro. 

— Como? 

Antes que Fanny respondesse, Jake deu um passo em direção ao velho e disse: 

— Devolvendo cem mil dólares. Prestando contas pelo que fez, há cinco meses, na Union Pacific. 

— Eu já não tenho esse dinheiro — retorquiu Al, olhando, estupidamente, Jake. 

— Mentes!

Pai e filha olharam-se, fixamente. E foi o velho quem, perturbado, pousou o olhar no chão. 

— Como queiras, Fanny. Eu... Esse dinheiro era para ti e para o pequeno. Só havia que esperar um tempo prudente para que tudo corresse melhor. 

— Nada poderia melhorar, pai. Vou entregar o dinheiro a este homem, e rezarei para que ele mate Bronson. Só então poderemos começar de novo, como há cinco anos. 

— Não, Fanny, não. Nessa altura, ainda não tinha nascido o teu filho. 

A rapariga, muito pálida, deu meia volta e abandonou o quarto. Ballinger fechou os punhos com força. 

— Devia tê-lo matado... devia tê-lo matado ... Ele é um monstro... Carter tinha razão. Pobre Carter. 

— Carter não morreu. Está aqui, em Rockdale — disse Jake. — Mas, se não se importa, gostaria de ouvir toda a história. 

— Há muito pouco que contar. Quando chegámos a Rockdale, recebi o primeiro golpe ao inteirar-me de que Fanny tinha um filho de Bronson. Tudo acontecera antes que ele, Hopalong e eu decidíssemos lutar com os Confederados. Depois, pensámos que não poderíamos regressar de mãos vazias ... Bem... disse que Carter não morreu? Alegro-me. Carter é melhor do que nós. Teria procedido com Fanny de maneira diferente de Bronson. Ele desprezou-a, e eu tive de esconder-me. A minha vida e os cem mil dólares corriam perigo. Ocorreu-me a ideia de fingir que fugira com o dinheiro. Enterrei-o, e escondi-me, à espera de uma oportunidade para matar Bronson. 

— Tem estado sempre aqui? Não me parece muito homem, Ballinger. 

— Esperava a minha oportunidade — defendeu--se, torpemente, Al. — Quando conseguisse matar Bronson, iria para muito longe, com Fanny e o garoto. 

— E Hopalong Smith? 

— Esse sabe defender-se, compreende? Bronson não se atreve com ele. Montou um "saloon", em Rockdale, e o negócio vai de vento em popa ... —Ballinger baixou a cabeça. E, depois de uma ligeira pausa, inquiriu: — Que pensa fazer comigo? 

— Nada, Ballinger, dir-lhe-ei uma coisa: Bronson Cutting está no povoado. Um homem compreenderia o que deve fazer. E já não é só por si, Ballinger. Pense um pouco na sua filha, 

Jake Duncan voltou-lhe as costas sem nenhum temor. Aquele homem estava aniquilado pelo medo e pelo uísque. Junto de um poço, Fanny manejava uma pá. Abriu um buraco e, pouco depois, mostrava a Jake uma mala. A mala onde Al escondera os cem mil dólares. 

— Isto pesava-me demasiado — murmurou. —Diga-me, senhor: chegou aqui por casualidade? 

— Juro que cheguei, Fanny. 

— Está bem. Apesar de tudo, só posso agradecer-lhe. 

— Eu nada fiz por si, Fanny. E oxalá tivesse chegado há mais tempo. 

— Não se preocupe comigo. Dizem que as adversidades endurecem. Deve ser verdade. Creio que estou insensível a tudo. 

Contrariando o que dissera, cobriu o rosto com as mãos e, chorando convulsivamente, correu para casa. 

Só passado algum tempo Jake a seguiu. Fanny sentava-se numa cadeira e, atrás dela, trémulo, vacilante, estava Al. Um Al que, sem palavras, se limitava a estender, quase a medo, a mão, para os revoltos cabelos da filha. 

Jake, em silêncio, deixou os duzentos dólares que oferecera pelo cavalo, em cima da mesa. Depois, sem olhar Ballinger, voltou a sair, encaminhando-se para o estábulo. Aparelhou o cavalo, prendeu a mala do dinheiro ao arção da sela, e regressou ao pátio. Ao passar diante da porta da casa, viu que Ballinger se acercava dele. 

— Ouça... creio que tem razão… E já encontrei a melhor solução para o meu problema e, também, para o de Fanny. Não devíamos tê-la dececionado tão brutalmente. Pelo menos, eu não o devia ter feito. Agora, só espero que ela me perdoe... 

Ballinger permaneceu, uns instantes, como cravado no chão, vendo Jake afastar-se. Depois, lentamente, voltou a casa, aproximando-se da filha. 

— Fanny... Bronson Cutting está no povoado. 

— Nao vás, pai. Ele matar-te-á. 

— Talvez.  

O velho dirigiu-se para um canto da casa, recolhendo uma espingarda. Comprovou se estava carregada e disse: 

— Devo ir, Fanny. Era isso que faria um homem. O que um homem teria feito há muito tempo. Deixei que nos humilhassem demasiado. Mas estou farto, Fanny. Foi muito o que sofreste. 

— Pai... 

Ballinger pareceu não a ouvir. Com os ombros arqueados, encaminhou-se para a saída. 


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