quarta-feira, 19 de maio de 2021

BIS009.04 O despertar da paixão

Quando Ketty viu Rob desaparecer por detrás da porta, disposto a enfrentar a morte, sentiu invadi-la uma estranha sensação até ali desconhecida; fez um enorme esforço para conter o impulso de correr atrás dele, para impedir a luta, e, quando se dominou, sentiu-se desfalecer.

Teve de apoiar-se ao balcão e reagir com todas as suas forças, a fim de não desmaiar pela primeira vez na sua vida. O chão parecia fugir-lhe sob os pés, e a casa andava à roda, numa tão vertiginosa correria, que parecia prestes a desmoronar-se. Quando Ketty viu Rob desaparecer por detrás da porta, disposto a enfrentar a morte, sentiu invadi-la uma estranha sensação até ali desconhecida; fez um enorme esforço para conter o impulso de correr atrás dele, para impedir a luta, e, quando se dominou, sentiu-se desfalecer.

Teve de apoiar-se ao balcão e reagir com todas as suas forças, a fim de não desmaiar pela primeira vez na sua vida. O chão parecia fugir-lhe sob os pés, e a casa andava à roda, numa tão vertiginosa correria, que parecia prestes a despenhar-se num abismo onde ela ia também soçobrar.

Saiu do desfalecimento, com a mesma sensação experimentada por um nadador que, calculando mal as suas forças, está prestes a afogar-se e vem novamente à superfície, quando as angústias da asfixia ameaçam estoirar-lhe os pulmões.

Um suor frio inundava-lhe a fronte, sentia os braços pesados e incapazes de sustentarem o corpo cansado. Com um suspiro de alívio, verificou que ninguém reparara naquela momentânea fraqueza, e, serenando, analisou as suas novas e surpreendentes sensações.

Era uma rapariga sensata, e muito equilibrada. Nos seus vinte e dois anos, conhecera já inúmeras propostas amorosas e ainda a perseguiam numerosos admiradores. Todos os vaqueiros novos do seu rancho estavam, por assim dizer, loucos por ela; em Sunshire abundavam, também, os que aspiravam a conseguir o seu afeto, e muitos rancheiros dos arredores pediram a sua mão para si, ou para seus filhos; ela, porém, não ligara importância a qualquer dessas propostas. Não era romântica e gostava da sua independência, que não trocava pelo jugo mais ou menos leve do matrimónio.

E agora, subitamente, uma coisa nova e terrível, ainda que maravilhosa, deitava por terra todas as suas convicções. A garbosa figura daquele jovem gigante com força de titã, a sua alegre e despreocupada fanfarronice — embora já tivesse demonstrado que nunca presumia do que não fosse capaz de realizar —, aquele sorriso que lhe iluminava o rosto, haviam feito vibrar-lhe no coração aquela corda sua desconhecida. Em vão tentou analisar os seus sentimentos; o seu pensamento estava obcecado pelos riscos que Rob corria naquele instante, e não podia pensar em qualquer outra coisa. Na sua deliciosa cabecita, chocavam-se desencontradas emoções.

Imaginava mil perigos para o rapaz, até que incapaz de suportar por mais tempo aquela incerteza, correu para a porta seguida pelos quatro homens, como se a sua iniciativa fosse o sinal de partida que todos ansiavam. Os seus grandes olhos negros, que se tornaram mais profundos abrangeram toda a rua.

De repente, levou as mãos ao peito, apertando-o convulsivamente, como se quisesse conter a agitação produzida pela cena que presenciou. Na sua garganta, momentaneamente incapaz de articular palavra, afogou-se uma cruciante angústia.

Ali mesmo, quase a seu lado, Snell, empertigado nas suas altas pernas com um torvo sorriso de triunfo impresso nas feições grosseiras, atrás de Rob, desafiava-o, disposto a aproveitar traiçoeiramente a vantagem da surpresa, apanhando-o desprevenido.

Nunca ela poderia imaginar qual a razão por que o rapaz estava tão absorto, a ponto de não ouvir Snell chegar até às suas costas, sem ser pressentido, depois de sair de uma taberna situada um pouco mais adiante.

Rob não deixara nem um só momento de pensar na linda rapariga, nem mesmo quando fustigava os seis cavalos que, a galope rasgado, os trouxeram até ali.

Ouviram-se tiros que a ensurdeceram, porém, como só olhava para Rob, viu como ele rolou pelo chão, por entre intensa poeirada, e dela sair uma língua de fogo. A seu lado, o senhor Kinney teve uma alegre expressão de triunfo, sublinhada pelas dos amigos, mas Ketty não podia desviar a vista de Rob, procurando ler-lhe no frio e ameaçador sorriso, ou nalguma contração do seu corpo, se fora atingido pelos tiros do «sheriff».

Os momentos sucediam-se com desesperante calma. e o rapaz permanecia caído no chão; do pensamento de Ketty não se apartava a convicção de que ele estava ferido, embora o visse de arma apontada.

De repente, antes que ouvisse a detonação, voltou a sair do revólver de Rob um facho de fumo e fogo, terrível e ameaçador. Teve de segurar-se à porta, para não correr a prestar-lhe auxílio; sentia desejos de sentar-se a seu lado, levantar-lhe carinhosamente a cabeça, e alisar, com w seus dedos, os revoltos cabelos encaracolados agora expostos ao Sol.

Todas estas sensações foram afogadas pela alegria de o ver levantar-se tranquilamente, sacudindo o pó do fato. Parecia que dentro' do seu peito pequenos sinos repicavam; só então reparou em Snell, sentado, de braços inertes e caídos até ao chão, donde saíam ondas de sangue, que formavam à sua volta pequenas poças.

Com estranheza verificou que, pela primeira vez na sua vida não sentia a mínima compaixão por um ferido; pelo contrário, odiava-o, e lamentava ter pedido a Rob que lhe poupasse a vida. Via no «sheriff» um perigo para Rob. Nunca perdoaria as humilhações sofridas, e o feI da derrota esquecer a indubitável generosidade de quem lhe poupara a vida.

De repente, todas estas considerações se apagaram seu cérebro, quando Rob se voltou, caminhando para ela; horrorizada verificou que sentia um enorme desejo de se lançar nos braços do rapaz, e ser apertada contra o seu ombro, ficando abrasada pelos seus beijos.

Compreendeu que o amava louca e desesperadamente. E esta convicção, fê-la recobrar a serenidade e — Oh! estranha condição de mulher — esperá-lo tranquila, fria, altiva. Faria o impossível, para que ele se não apercebesse dos seus sentimentos; tinha de os ocultar de toda a gente, para não morrer de vergonha...

Tremia, ao vê-lo aproximar-se, com aquele irresistível sorriso, dominando-o com e elevada estatura e cravando nos olhos dela a intensidade dos seus, cuja penetração a fazia recear que ele descobrisse o terrível segredo.

—Como viu, mantive a promessa feita!

Um leve estremecimento percorreu-lhe o corpo, ao ouvir a voz de Rob lenta e arrastada. Surpreendeu-a a sua própria calma, os seus dotes histriónicos. Como podia ficar fria e serena, quando a aproximação de Rob parecia galvanizá-la?

No esforço que fazia para esconder os seus sentimentos, e sem dar por isso, sombreou o rosto, normalmente alegre, e nos seus olhos poderia ler-se uma expressão que muito bem se podia interpretar como de desprezo.

— Sim, realmente, verificámos que é um bom pistoleiro!...

As suas palavras tomavam uma entoação estranha e, por serem forçadas, tinham um tom metálico, a confirmar a expressão dos olhos.

Aquele tom foi para Rob como se lhe dessem com um malho na cabeça, ou cortassem o rumo da vida. Viu ruírem, num momento, todas assuas ilusões, que loucamente havia arquitetado, ao pensar que podia alcançar o amor de Ketty, oferecendo-lhe, a par do seu carinho, a boa posição que, com o seu habitual otimismo, não duvidava conquistar, mercê da providencial ajuda oferecida pelo dinâmico e alegre sr. Kinney.

O seu pensamento transformou-se num torvelinho; afinal jogara a vida para lhe ser agradável, procurando não ferir mortalmente o «sheriff». E quando conseguida a sua difícil missão, agravada ainda pelo seu imperdoável agradecimento, apenas encontrava desprezo por se não ter deixado matar ignobilmente. Apenas o orgulho conseguiu sustê-lo, apesar da desilusão sofrida, da tristeza que o invadia e da tempestade de sentimentos que rugia no seu cérebro.

Manteve intacto o alegre e despreocupado sorriso, recebendo, com aparente satisfação, os parabéns que os homens de Chicago lhe não regateavam, e os não menos afetuosos e entusiásticos cumprimentos da belíssima Ana.

Com verdadeiro alívio, acolheu a desatinada Pam, que se agarrou a ele com tal admiração, que, sem dúvida nenhuma, convertera-o em seu herói. Pegou-lhe ao colo, para que pudesse receber os seus abraços efusivos.

— Ah, Rob! Eu vi, eu vi! — gritou, excitadíssima, apertando-lhe o pescoço com os seus roliços e pequeninos braços.

— Pam! — gritou, entre assombrada, a jovem mãe —. Disse-te que fosses lá para dentro.

— E fui, mamã. Vi tudo por detrás dos vidros da janela da casa de jantar, de muito mais perto! Não é verdade que Rob é muito ágil e um atirador maravilhoso?

— Mas aonde foi a minha filha buscar estes sentimentos guerreiros e sanguinários? — gemeu Ana, olhando-a horrorizada —. Pam! Como te hei de fazer compreender que não é próprio duma menina da tua idade ir espreitar por detrás dos vidros? Não te assustaste quando viste cair o «sheriff»?

—Ah! Não, mamã! Só me assustei quando ele disparou contra o Rob, e julguei que lhe tivesse acertado. Mas, em seguida, quando vi o Rob responder-lhe, passou-me todo o medo! O «sheriff» tem um braço _partido e um ombro ferido. Vi como o levaram, gritando terríveis ameaças contra Rob, para quando estiver refeito dos ferimentos.

Aumentou a angústia de Ketty, ao ver confirmados os seus receios. Se ao menos não tivesse pedido a Rob que o não matasse!

— Detesto o «sheriff»! — continuou a pequenita, dirigindo-se à mãe. — Porque está ele constantemente a aborrecer-te e até chegou a bater-me? Mas encheu-me de admiração, quando o vi baixar-se para apanhar o revólver que lhe saltara da mão. É um bruto valente! Mas ao menos, agora, não nos maça por uma temporada.

— Nunca mais a incomodará! — garantiu Rob, como agradecido por aquela intervenção, que o havia ajudado a suportar o desengano sofrido com a atitude de Ketty; era evidente que esta o desprezava por o supor um pistoleiro, embora um pouco melhor que o «sheriff. —  Agora vão viver com a menina Power, e eu as protegerei! Queres ser minha amiga, visto que vamos ser vizinhos?

— Claro que quero ser tua amiga! — garantiu a pequena, abraçando-o carinhosamente.

— Então irei visitar-te, ensino-te a montar, a caçar e se tivermos por ali algum rio com trutas, também te ensinarei a pescar. Faremos grandes excursões e passaremos ótimos dias!

— Oh! Maravilhoso! — respondeu Pam, batendo palmas, e saltando nos braços de Rob --. Iremos até àqueles montes azuis que se vêm lá ao longe? — acrescentou, com os seus grandes olhos verdes brilhantes de excitação —. Ali, é onde Ketty diz que se escondem os bandidos, como esse terrível Sam Lou e o gorila do Buck Russell, que todos dizem ser muito mau.

— Quem é Buck Russell? — perguntou Rob, que ainda não ouvira falar naquele nome. —É outro chefe de quadrilheiros — elucidou Ana — de quem se contam façanhas horríveis. Sam Lou, por exemplo, não maltrata nem assassina ninguém, se não lhe oferecerem resistência, e nunca ultrajou uma mulher; limita-se a apoderar-se do dinheiro e das reses alheias, o mais pacientemente possível. «O gorila Buck», como lhe chama toda a gente, não é assim. Se assalta uma diligência, mata quem encontra, condutores e passageiros, e, se há mulheres, coitadas! Leva-as para o seu covil, e nunca mais se sabe delas.

— Que rico patife! — exclamou Rob —. Como é possível que se não faça uma batida para o exterminar?

— Fizeram-se várias, chefiadas pelo «sheriff», sem qualquer resultado. Há quem afirme que ele tem o cuidado de levar os homens por lugares onde nunca encontraria o «gorila Buck». Vai ter ocasião de o ver, dentro de alguns dias. Por altura das festas, amnistiam-se todos os salteadores foragidos, os quais, por sua vez, concedem tréguas durante esse período. Deste modo poderá vê-los passear, como honrados e pacíficos cidadãos, e até são capazes de tomar parte nos concursos, levando os melhores prémios!

— Bem, de qualquer maneira — continuou o rapaz, dirigindo-se à pequena Pam, com um encolher de ombros, pois de momento aquele assunto não lhe dizia respeito, — segundo nos disse o sr. Kinney, as terras do rancho chegam até aos montes Mogollones. Assim, poderemos alongar as nossas excursões até lá, logo que aprendas a montar!

— Claro que sim! — afirmou Pam, com entusiasmo, — Será estupendo! A mamã e a Ketty podem acompanhar-nos?

— Se elas quiserem, naturalmente que sim! — concordou Rob, animando-se ante aquela possibilidade que lhe dava novas esperanças.

-- Quando iremos, mamã? — perguntou, impaciente, a pequenita.

— Então não queres ficar para a festa? — sorriu a mãe feliz com a alegria da filha que quase desaparecia nos braços daquele mocetão; apesar de ter perto de trinta anos, Rob não se importava de brincar com a pequenita, conquistando em poucos minutos a sua confiança e carinho. Tão amável com as crianças, como duro e perigoso com os inimigos... — Mas recordo-me que, há menos duma hora, andavas entusiasmada com a proximidade da festa! Já não te interessa?

—E tu ficarás? — perguntou a pequena para Rob, intranquila ante a possibilidade de ter de escolher entre o perder os festejos que anualmente se realizavam na cidade, ou deixar partir o seu amigo.

— Ficarei e, depois, iremos todos juntos -- sossegou-a o vaqueiro, rindo com a graciosa careta da preocupada Pam.

— Rob tomará parte nos torneios, para levar todos os prémios! — interveio, com ironia, o alegre senhor Kinney, lembrando-se que o rapaz revelara ser essa a razão da sua viagem a Sunshine.

— Claro que vai ganhar! — garantiu Pam, virando--se furiosa para Kinney, ao notar o seu ar de troça.

— Tu atraiçoavas-me, Pam! — interveio Ketty que se conservara calada, aborrecida com a aparente indiferença do rapaz —. Até hoje, sempre estiveste ao lado dos meus vaqueiros, alegrando-te com os seus triunfos e penalizando-te com as suas derrotas.

—É verdade, Ketty. E se fosses tu quem interviesse nos jogos em lugar dos teus vaqueiros, permaneceria fiel. Apesar de que ficarei muito contente que eles ganhem, sempre que Rob tiver de perder.

—Já é alguma coisa... — riu Ketty, pretendendo magoá-lo de qualquer forma. — Esperemos que a generosidade de Rob lhes dê uma oportunidade. Peço-lhe em nome dos meus «cow-boys», que vão ficar muito tristes se não os deixa levar um prémio, por insignificante que seja.

— Procurarei satisfazê-la, Ketty! — concordou Rob, sentindo despertar, no íntimo, o azedume que no seu carácter voluntarioso provocava o velado ataque que a rapariga lhe dirigia, desfrutando-a chocarreiramente. Sentiria muito ser o responsável pelas lágrimas que os seus homens derramassem!

— Obrigada, — respondeu ela, trocista. — Compreendo o sacrifício que tem de fazer para renunciar aos seus louros.

— Mau — interveio Ana — querem deixar de brigar como o cão e o gato?

  a despenhar-se num abismo onde ela ia também soçobrar.

Saiu do desfalecimento, com a mesma sensação experimentada por um nadador que, calculando mal as suas forças, está prestes a afogar-se e vem novamente à superfície, quando as angústias da asfixia ameaçam estoirar-lhe os pulmões.

Um suor frio inundava-lhe a fronte, sentia os braços pesados e incapazes de sustentarem o corpo cansado. Com um suspiro de alívio, verificou que ninguém reparara naquela momentânea fraqueza, e, serenando, analisou as suas novas e surpreendentes sensações.

Era uma rapariga sensata, e muito equilibrada. Nos seus vinte e dois anos, conhecera já inúmeras propostas amorosas e ainda a perseguiam numerosos admiradores. Todos os vaqueiros novos do seu rancho estavam, por assim dizer, loucos por ela; em Sunshire abundavam, também, os que aspiravam a conseguir o seu afeto, e muitos rancheiros dos arredores pediram a sua mão para si, ou para seus filhos; ela, porém, não ligara importância a qualquer dessas propostas. Não era romântica e gostava da sua independência, que não trocava pelo jugo mais ou menos leve do matrimónio.

E agora, subitamente, uma coisa nova e terrível, ainda que maravilhosa, deitava por terra todas as suas convicções. A garbosa figura daquele jovem gigante com força de titã, a sua alegre e despreocupada fanfarronice — embora já tivesse demonstrado que nunca presumia do que não fosse capaz de realizar —, aquele sorriso que lhe iluminava o rosto, haviam feito vibrar-lhe no coração aquela corda sua desconhecida. Em vão tentou analisar os seus sentimentos; o seu pensamento estava obcecado pelos riscos que Rob corria naquele instante, e não podia pensar em qualquer outra coisa. Na sua deliciosa cabecita, chocavam-se desencontradas emoções.

Imaginava mil perigos para o rapaz, até que incapaz de suportar por mais tempo aquela incerteza, correu para a porta seguida pelos quatro homens, como se a sua iniciativa fosse o sinal de partida que todos ansiavam. Os seus grandes olhos negros, que se tornaram mais profundos abrangeram toda a rua.

De repente, levou as mãos ao peito, apertando-o convulsivamente, como se quisesse conter a agitação produzida pela cena que presenciou. Na sua garganta, momentaneamente incapaz de articular palavra, afogou-se uma cruciante angústia.

Ali mesmo, quase a seu lado, Snell, empertigado nas suas altas pernas com um torvo sorriso de triunfo impresso nas feições grosseiras, atrás de Rob, desafiava-o, disposto a aproveitar traiçoeiramente a vantagem da surpresa, apanhando-o desprevenido.

Nunca ela poderia imaginar qual a razão por que o rapaz estava tão absorto, a ponto de não ouvir Snell chegar até às suas costas, sem ser pressentido, depois de sair de uma taberna situada um pouco mais adiante.

Rob não deixara nem um só momento de pensar na linda rapariga, nem mesmo quando fustigava os seis cavalos que, a galope rasgado, os trouxeram até ali.

Ouviram-se tiros que a ensurdeceram, porém, como só olhava para Rob, viu como ele rolou pelo chão, por entre intensa poeirada, e dela sair uma língua de fogo. A seu lado, o senhor Kinney teve uma alegre expressão de triunfo, sublinhada pelas dos amigos, mas Ketty não podia desviar a vista de Rob, procurando ler-lhe no frio e ameaçador sorriso, ou nalguma contração do seu corpo, se fora atingido pelos tiros do «sheriff».

Os momentos sucediam-se com desesperante calma. e o rapaz permanecia caído no chão; do pensamento de Ketty não se apartava a convicção de que ele estava ferido, embora o visse de arma apontada.

De repente, antes que ouvisse a detonação, voltou a sair do revólver de Rob um facho de fumo e fogo, terrível e ameaçador. Teve de segurar-se à porta, para não correr a prestar-lhe auxílio; sentia desejos de sentar-se a seu lado, levantar-lhe carinhosamente a cabeça, e alisar, com w seus dedos, os revoltos cabelos encaracolados agora expostos ao Sol.

Todas estas sensações foram afogadas pela alegria de o ver levantar-se tranquilamente, sacudindo o pó do fato. Parecia que dentro' do seu peito pequenos sinos repicavam; só então reparou em Snell, sentado, de braços inertes e caídos até ao chão, donde saíam ondas de sangue, que formavam à sua volta pequenas poças.

Com estranheza verificou que, pela primeira vez na sua vida não sentia a mínima compaixão por um ferido; pelo contrário, odiava-o, e lamentava ter pedido a Rob que lhe poupasse a vida. Via no «sheriff» um perigo para Rob. Nunca perdoaria as humilhações sofridas, e o feI da derrota esquecer a indubitável generosidade de quem lhe poupara a vida.

De repente, todas estas considerações se apagaram seu cérebro, quando Rob se voltou, caminhando para ela; horrorizada verificou que sentia um enorme desejo de se lançar nos braços do rapaz, e ser apertada contra o seu ombro, ficando abrasada pelos seus beijos.

Compreendeu que o amava louca e desesperadamente. E esta convicção, fê-la recobrar a serenidade e — Oh! estranha condição de mulher — esperá-lo tranquila, fria, altiva. Faria o impossível, para que ele se não apercebesse dos seus sentimentos; tinha de os ocultar de toda a gente, para não morrer de vergonha...

Tremia, ao vê-lo aproximar-se, com aquele irresistível sorriso, dominando-o com e elevada estatura e cravando nos olhos dela a intensidade dos seus, cuja penetração a fazia recear que ele descobrisse o terrível segredo.

—Como viu, mantive a promessa feita!

Um leve estremecimento percorreu-lhe o corpo, ao ouvir a voz de Rob lenta e arrastada. Surpreendeu-a a sua própria calma, os seus dotes histriónicos. Como podia ficar fria e serena, quando a aproximação de Rob parecia galvanizá-la?

No esforço que fazia para esconder os seus sentimentos, e sem dar por isso, sombreou o rosto, normalmente alegre, e nos seus olhos poderia ler-se uma expressão que muito bem se podia interpretar como de desprezo.

— Sim, realmente, verificámos que é um bom pistoleiro!...

As suas palavras tomavam uma entoação estranha e, por serem forçadas, tinham um tom metálico, a confirmar a expressão dos olhos.

Aquele tom foi para Rob como se lhe dessem com um malho na cabeça, ou cortassem o rumo da vida. Viu ruírem, num momento, todas assuas ilusões, que loucamente havia arquitetado, ao pensar que podia alcançar o amor de Ketty, oferecendo-lhe, a par do seu carinho, a boa posição que, com o seu habitual otimismo, não duvidava conquistar, mercê da providencial ajuda oferecida pelo dinâmico e alegre sr. Kinney.

O seu pensamento transformou-se num torvelinho; afinal jogara a vida para lhe ser agradável, procurando não ferir mortalmente o «sheriff». E quando conseguida a sua difícil missão, agravada ainda pelo seu imperdoável agradecimento, apenas encontrava desprezo por se não ter deixado matar ignobilmente. Apenas o orgulho conseguiu sustê-lo, apesar da desilusão sofrida, da tristeza que o invadia e da tempestade de sentimentos que rugia no seu cérebro.

Manteve intacto o alegre e despreocupado sorriso, recebendo, com aparente satisfação, os parabéns que os homens de Chicago lhe não regateavam, e os não menos afetuosos e entusiásticos cumprimentos da belíssima Ana.

Com verdadeiro alívio, acolheu a desatinada Pam, que se agarrou a ele com tal admiração, que, sem dúvida nenhuma, convertera-o em seu herói. Pegou-lhe ao colo, para que pudesse receber os seus abraços efusivos.

— Ah, Rob! Eu vi, eu vi! — gritou, excitadíssima, apertando-lhe o pescoço com os seus roliços e pequeninos braços.

— Pam! — gritou, entre assombrada, a jovem mãe —. Disse-te que fosses lá para dentro.

— E fui, mamã. Vi tudo por detrás dos vidros da janela da casa de jantar, de muito mais perto! Não é verdade que Rob é muito ágil e um atirador maravilhoso?

— Mas aonde foi a minha filha buscar estes sentimentos guerreiros e sanguinários? — gemeu Ana, olhando-a horrorizada —. Pam! Como te hei de fazer compreender que não é próprio duma menina da tua idade ir espreitar por detrás dos vidros? Não te assustaste quando viste cair o «sheriff»?

—Ah! Não, mamã! Só me assustei quando ele disparou contra o Rob, e julguei que lhe tivesse acertado. Mas, em seguida, quando vi o Rob responder-lhe, passou-me todo o medo! O «sheriff» tem um braço _partido e um ombro ferido. Vi como o levaram, gritando terríveis ameaças contra Rob, para quando estiver refeito dos ferimentos.

Aumentou a angústia de Ketty, ao ver confirmados os seus receios. Se ao menos não tivesse pedido a Rob que o não matasse!

— Detesto o «sheriff»! — continuou a pequenita, dirigindo-se à mãe. — Porque está ele constantemente a aborrecer-te e até chegou a bater-me? Mas encheu-me de admiração, quando o vi baixar-se para apanhar o revólver que lhe saltara da mão. É um bruto valente! Mas ao menos, agora, não nos maça por uma temporada.

— Nunca mais a incomodará! — garantiu Rob, como agradecido por aquela intervenção, que o havia ajudado a suportar o desengano sofrido com a atitude de Ketty; era evidente que esta o desprezava por o supor um pistoleiro, embora um pouco melhor que o «sheriff. —  Agora vão viver com a menina Power, e eu as protegerei! Queres ser minha amiga, visto que vamos ser vizinhos?

— Claro que quero ser tua amiga! — garantiu a pequena, abraçando-o carinhosamente.

— Então irei visitar-te, ensino-te a montar, a caçar e se tivermos por ali algum rio com trutas, também te ensinarei a pescar. Faremos grandes excursões e passaremos ótimos dias!

— Oh! Maravilhoso! — respondeu Pam, batendo palmas, e saltando nos braços de Rob --. Iremos até àqueles montes azuis que se vêm lá ao longe? — acrescentou, com os seus grandes olhos verdes brilhantes de excitação —. Ali, é onde Ketty diz que se escondem os bandidos, como esse terrível Sam Lou e o gorila do Buck Russell, que todos dizem ser muito mau.

— Quem é Buck Russell? — perguntou Rob, que ainda não ouvira falar naquele nome. —É outro chefe de quadrilheiros — elucidou Ana — de quem se contam façanhas horríveis. Sam Lou, por exemplo, não maltrata nem assassina ninguém, se não lhe oferecerem resistência, e nunca ultrajou uma mulher; limita-se a apoderar-se do dinheiro e das reses alheias, o mais pacientemente possível. «O gorila Buck», como lhe chama toda a gente, não é assim. Se assalta uma diligência, mata quem encontra, condutores e passageiros, e, se há mulheres, coitadas! Leva-as para o seu covil, e nunca mais se sabe delas.

— Que rico patife! — exclamou Rob —. Como é possível que se não faça uma batida para o exterminar?

— Fizeram-se várias, chefiadas pelo «sheriff», sem qualquer resultado. Há quem afirme que ele tem o cuidado de levar os homens por lugares onde nunca encontraria o «gorila Buck». Vai ter ocasião de o ver, dentro de alguns dias. Por altura das festas, amnistiam-se todos os salteadores foragidos, os quais, por sua vez, concedem tréguas durante esse período. Deste modo poderá vê-los passear, como honrados e pacíficos cidadãos, e até são capazes de tomar parte nos concursos, levando os melhores prémios!

— Bem, de qualquer maneira — continuou o rapaz, dirigindo-se à pequena Pam, com um encolher de ombros, pois de momento aquele assunto não lhe dizia respeito, — segundo nos disse o sr. Kinney, as terras do rancho chegam até aos montes Mogollones. Assim, poderemos alongar as nossas excursões até lá, logo que aprendas a montar!

— Claro que sim! — afirmou Pam, com entusiasmo, — Será estupendo! A mamã e a Ketty podem acompanhar-nos?

— Se elas quiserem, naturalmente que sim! — concordou Rob, animando-se ante aquela possibilidade que lhe dava novas esperanças.

-- Quando iremos, mamã? — perguntou, impaciente, a pequenita.

— Então não queres ficar para a festa? — sorriu a mãe feliz com a alegria da filha que quase desaparecia nos braços daquele mocetão; apesar de ter perto de trinta anos, Rob não se importava de brincar com a pequenita, conquistando em poucos minutos a sua confiança e carinho. Tão amável com as crianças, como duro e perigoso com os inimigos... — Mas recordo-me que, há menos duma hora, andavas entusiasmada com a proximidade da festa! Já não te interessa?

—E tu ficarás? — perguntou a pequena para Rob, intranquila ante a possibilidade de ter de escolher entre o perder os festejos que anualmente se realizavam na cidade, ou deixar partir o seu amigo.

— Ficarei e, depois, iremos todos juntos -- sossegou-a o vaqueiro, rindo com a graciosa careta da preocupada Pam.

— Rob tomará parte nos torneios, para levar todos os prémios! — interveio, com ironia, o alegre senhor Kinney, lembrando-se que o rapaz revelara ser essa a razão da sua viagem a Sunshine.

— Claro que vai ganhar! — garantiu Pam, virando--se furiosa para Kinney, ao notar o seu ar de troça.

— Tu atraiçoavas-me, Pam! — interveio Ketty que se conservara calada, aborrecida com a aparente indiferença do rapaz —. Até hoje, sempre estiveste ao lado dos meus vaqueiros, alegrando-te com os seus triunfos e penalizando-te com as suas derrotas.

—É verdade, Ketty. E se fosses tu quem interviesse nos jogos em lugar dos teus vaqueiros, permaneceria fiel. Apesar de que ficarei muito contente que eles ganhem, sempre que Rob tiver de perder.

—Já é alguma coisa... — riu Ketty, pretendendo magoá-lo de qualquer forma. — Esperemos que a generosidade de Rob lhes dê uma oportunidade. Peço-lhe em nome dos meus «cow-boys», que vão ficar muito tristes se não os deixa levar um prémio, por insignificante que seja.

— Procurarei satisfazê-la, Ketty! — concordou Rob, sentindo despertar, no íntimo, o azedume que no seu carácter voluntarioso provocava o velado ataque que a rapariga lhe dirigia, desfrutando-a chocarreiramente. Sentiria muito ser o responsável pelas lágrimas que os seus homens derramassem!

— Obrigada, — respondeu ela, trocista. — Compreendo o sacrifício que tem de fazer para renunciar aos seus louros.

— Mau — interveio Ana — querem deixar de brigar como o cão e o gato?

 

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