Grande número de candeeiros de petróleo, pendura. dos de arames e de postes, iluminavam a pista ao meio da qual, num alto coreto, cerca de vinte músicos atacavam os instrumentos arrancando-lhes as notas alegres de uma alegre música que urna imensidade de pares procurava dançar.
— Com você, Rob, — dizia mister Kinney que, rodeado pelo rapaz e pelos seus dois inseparáveis colegas, mantinha-se um pouco afastado — fiz uma aquisição muito melhor do que supunha.
— Que quer dizer com isso? — perguntou Rob, um tanto intrigado, pois a afirmação surgira a meio de uma conversa sem importância e que nada tinha a ver com seus méritos.
— Ouvi falar no seu triunfo desta tarde, com palavras de verdadeira admiração da parte de todos os rancheiros, e todos lamentavam eu já haver contratado os seus serviços. Invejam a minha aquisição, e não se poupam a dizer que tudo farão para você mudar de rancho.
—Por esse lado, nada receie! — riu o rapaz que, um tanto vaidoso, ouvia os elogios dos seus chefes. — Ninguém me pode oferecer o futuro que me espera na sua Companhia, de forma que nunca renunciarei a ela.
—O facto é que você se tornou um homem famoso! — prosseguiu o homenzinho. — O salvamento da diligência, o seu triunfo sobre Snell, apanhar um dos magníficos revólveres de Sam Lou, possuir o estupendo cavalo de «Gorila Buck», e fixar em trinta segundos o record da região, tudo isso o torna merecedor dos elogios que lhe dispensam.
— Na verdade esta tarde tive bastante sorte — respondeu o rapaz, sorridente, procurando afastar-se do grupo desde que vira a formosíssima Ketty dançar, nos braços de um homem bastante novo, muito bem vestido de sobrecasaca escura. E continuou:
— Para mais consegui um bom triunfo para a nossa equipa, contratando dois excelentes rapazes, um dos quais é aquele moço que alcançou a terceira classificação, com trinta e três segundos e oito décimos, ficando a seguir a Tom Grant. Deste modo começou a formar-se a equipa do «T-Barra», e, como seu capataz, tenho esperança de que ganharemos os primeiros lugares da classificação.
— Se assim acontecer, a Companhia poderá utilizar esse triunfo para organizar uma grande campanha de propaganda que, sem dúvida, aumentaria o nível de vendas e levaria a equipa a participar nos maiores «rodeos». Com cada novo triunfo, conseguiríamos uma publicidade fantástica, por um preço insignificante.
— Oh! Não me entusiasma nada a ideia de me andar a exibir de feira em feira, à laia de fenómeno!...
— Não é bem assim, meu rapaz! O que tu serias era um ídolo para todas as mulheres, e o vaqueiro mais famoso de todos os Estados.
—Continua a ideia a não me seduzir! De qualquer maneira tenho a certeza de que o rancho vai ser um êxito, que lhes dará enorme quantidade de reses, todos os anos, e que os lucros serão bastante compensadores.
— Já reparei que você é muito otimista — riu o homem gordo, que apreciava a fanfarronice simpática do rapaz, por quem sentia admiração e afeto.
— Também sou da sua opinião, e espero ver os nossos desejos coroados pelo mais belo triunfo. A «fortuna favorece os audazes»! E a si audácia não falta!
— Claro que não — gargalhou Rob. — Pelo menos farei tudo quanto souber e puder, para levar a bom cabo a minha tarefa, mostrando-me digno da confiança que depositaram em mim. E logo que consiga reunir mais seis ou sete vaqueiros, o que espero. antes de findar este rodeo, escolhendo rapazes hábeis e decididos, que não temam as balas dos pistoleiros, trasladarei as mil reses que a menina Power me vendeu, esperando adquirir ainda algumas mais. Para o ano que vem já terei umas três mil cabeças, que serão a base da melhor e mais importante ganadaria de todo o Estado.
— São largas as suas vistas, mas estou certo de que conseguirá efetivar esses planos — afirmou mister Kinney, olhando-o afetuosamente. — Mas agora vá dançar e divertir-se, que ainda está em idade de o fazer. E parece-me que vi passar essa encantadora miss Power que tanto simpatiza consigo — terminou, com tom malicioso.
Rob afastou-se, para evitar conversas sobre um as-sunto que lhe era delicado. Abriu passagem por entre a multidão que se aglomerava na pista de baile. De súbito, sentiu-se puxado pela manga, e ao descer os olhos deu com a pequena e gorducha Pam, que o fixava sorridente.
—Viva, Pam! — cumprimentou-a carinhosamente, agarrando-a pelos braços. — A tua mãe? — inquiriu, olhando em redor, seguro de que a encontraria por ali próximo, até que a alegre e picaresca atitude da pequenita fê-lo ter outra ideia. — Fugiste, não?
— Sim — concordou ela, atirando-lhe os braços, ao pescoço. — Ketty convenceu a mãe para que viesse ao baile. Está sempre a dizer-lhe que se deve distrair e refazer a vida. Sabes o que quer dizer isso? Bem — continuou, sem esperar resposta de Rob, que se teria visto atrapalhado a dar a explicação — o caso é que como Snell agora não a pode maçar, ela deixou-se convencer e já a vi a dançar com o terrível Sam Lou. Que emocionante!
A notícia de que Ana dançava com Sam Lou, deixou-o preocupado. Não julgava enganar-se, ao pensar que Sam podia ter sido uma excelente pessoa, se o destino o não tivesse arrastado para maus caminhos, devido em grande parte às injustiças que o tinham ferido. Segundo suas próprias palavras, amava aquela frágil mulherzinha, com uma paixão que muito ajudava a redimi-lo. Mas não o levaria àquela paixão a qualquer violência, se a rapariga não se oferecesse voluntariamente?
—Ketty também anda a dançar com um toleirão de quem não gosto nada. Só a deverias deixar dançar contigo.
—Mas, Pam — protestou Rob, divertido, saindo da sua abstração. — Como vou impedir Ketty de dançar com quem quer?
— Bastaria que tu lhe pedisses para ela não dançar com mais ninguém — afirmou a pequenita, muito convencida. — Ela gosta muito de ti, e fará tudo o que lhe pedires.
Rob ia responder, quando viu surgir Tom Grant que parecia andar a procurá-lo. Recordando-se das palavras de Billy, bem como da promessa que lhe fizera de obter o pagamento dos salários em dívida, pôs a pequenita no chão para ter as mãos livres, se delas viesse a necessitar.
— Vai para casa, Pam, e prometo nada dizer à tua mãe — disse para a pequenita, antes de se endireitar para enfrentar o vaqueiro que se mantinha perto.
—Viva, Rob!
—Que há, Tom?
— Disseram-me que contrataste Billy e Jim. É verdade? — perguntou, olhando-o, ameaçador.
— Não creio que o assunto te diga respeito — respondeu o rapaz, muito tranquilo, com acentuada pronúncia texana. — Mas de facto é exato. Contratei-os!
— Ninguém te disse que detesto que contratem os homens que eu despeço?
— Sim, agora que falas nisso, parece-me que ouvi qualquer coisa a tal respeito. Mas essa tua maneira de pensar, em nada altera a minha vontade.
— Pensas que consentirei que esses dois homens formem equipa contigo, nas provas de amanhã?
— Penso apenas que o não podes impedir, meu caro Tom — respondeu Rob, friamente, a quem a atitude empertigada do outro começava a cansar. — Mas não é só isso o que penso, a teu respeito! Acho que não tens o direito de roubar, que é o termo, uns miseráveis dólares que esses dois rapazes ganharam como seu trabalho; além disso, estou certo de que a menina Power não sabe que os despediste, sem lhes pagar as soldadas, e talvez o não saiba porque tu metes ao bolso o que lhes pertence. Contratei esses homens para o «T-Barra», e vão entrar nas provas de amanhã, porque assim o quero. Agora sou o patrão deles, e eles não tem mais que me obedecer. Tens alguma objeção a fazer? Talvez não te agrade muito saberes que neste momento vou procurar a menina Power, para a pôr em antecedentes do que se passa.
Tom estava intensamente pálido. Pensava intimidar aquele homem, confiando na sua própria fama de atirador, mas, ao ver falecidos os seus propósitos ante a atitude enérgica de Rob, recordou o que ouvira da luta com Snell. A situação tornava-se difícil para Tom.
Ao tropeçar com um homem que não só o não temia, como não admirava, e que ainda o tratou com desprezo, viu que fora demasiado longe do que lhe consentia a boa prudência, encontrando-se ante o terrível dilema de manter a sua atitude de desafio, jogando a vida numa cartada, ou perder por completo o seu prestígio, recuando de maneira indigna, e expondo-se a que Rob mantivesse a sua ameaça de informar Ketty acerca dos seus turvos manejos. Em tal caso, não deixaria de perder o lugar de capataz, e, o que mais lhe importava, também a sua estima.
Com desespero, procurava uma forma conciliadora, quando esta chegou a correr, na forma da pequenita Pam, que acabava de chegar ao pé deles, terrivelmente assustada, abraçando-se, a chorar, aos joelhos de Rob. Este pegou-lhe ao colo, com ternura, esquecendo por momentos a sua questão com Tom.
— Que te aconteceu? Porque choras?
— Oh! Rob! Esse homem mau e feio, o gorila Buck, vai lutar com Sam Lou.
—E porque vão eles lutar? — perguntou Rob, surpreendido de que o acontecimento, só por si, fizesse chorar a pequenita.
— A Ketty não quer dançar com esse gorila, e ele quer obrigá-la!
Ao ouvir aquelas palavras, o rapaz esqueceu-se de que ele mesmo acabava de manter uma discussão nada amistosa. Dada a sua estatura invulgar, pôde ver como as pessoas se amontoavam num dos extremos da praça. E pondo a garota no chão, encaminhou-se naquela direção, em grandes passadas, sem notar que Tom Grant, de quem já nem se lembrava, seguia-o pálido como um morto, mas com expressão absorta no seu rosto agradável.
Também ele amava Ketty, e estava disposto a lutar por ela, ainda que fosse contra o gorila Buck, vencendo o terror que o nome do feroz foragido lhe causava.
Pam seguiu os dois homens, correndo ligeiramente para os poder acompanhar. Rob abriu passagem por entre os curiosos, de certa maneira violenta, e encontrou-se no meio da cena. Sob um dos grandes candeeiros de petróleo, pôde ver Ketty que, altiva e pálida, enfrentava sem medo o gorila Buck, atrás do qual se agrupavam quatro dos seus homens, cujas caras patibulares já encontrara no grupo que, naquela mesma tarde o rodeara, enquanto adquiria «Raio».
Ao lado da rapariga, disposta a defendê-la, a esbelta e galharda figura de Sam Lou, mantinha-se serena e fria, escorrendo perigo, mais atento aos gestos dos satélites de Buck do que a este, sabendo que dali poderia vir qualquer traição.
Atrás dele, a loira Ana sustinha com as suas pequenas mãos a agitação do peito, abarcando a cena com os seus grandes olhos verdes, muito abertos pelo terror, demasiado apavorada para se poder mexer o abandonar a sua perigosa posição. primeira vista percebia-se que ninguém se atrevia a intervir naquela escaramuça, cujos contendores pareciam ser os dois capitães de bandidos que se mantinham frente a frente, rígidos, com as mãos muito perto dos revólveres, enquanto os cúmplices do simiesco patife observavam Sam, dispostos a intervir assim que o chefe lhes ordenasse, ou quando uni descuido de Sam lhes permitisse actuar sem grande risco.
— Já ouviste o que disse a senhora — proferiu Sam Lou. — Não quer dançar contigo, e parece-me que não a podes obrigar a que o faça.
— Enganas-te, Lou — respondeu o outro, com um sorriso repugnante que lhe pôs a descoberto os dentes grandes e amarelos, que mais o assemelhavam a um antropoide. —Apetece-me dançar com a senhora, mesmo que isso seja contra tua vontade.
— Já te disse que desistas dessa ideia!
—Repara que estou bem acompanhado — limitou-se a responder o bandido, tranquilamente, certo da sua superioridade, assim como da não intervenção de nenhum daqueles que os rodeavam. — Basta-me dar-lhes uma ordem, para que te liquidem. Quantos poderias abater, antes que eles te transformassem num passador?
—A essa pergunta eles é que podem responder — retorquiu Sam, com um sorriso gelado. — Se eles se atreverem a iniciar a festa, já poderás ver…
—Acabarias por sucumbir, e apenas derramaríamos sangue sem qualquer utilidade. Depois de teres morrido, mais ninguém se oporá a que eu dance com quem me apetecer. Embora Rob sentisse o sangue ferver-lhe nas veias, não pôde deixar de admirar a calma e correção com que se expressava o famigerado criminoso, cujos instintos eram bem conhecidos, e de cujo aspeto apenas selvajaria se podia esperar. A voz e maneiras contrastavam estranhamente com a sua figura.
—Enganas-te! — As palavras claras e arrastadas do texano, pronunciadas no meio do mais profundo silêncio, desviaram a atenção de todos os assistentes para a sua figura imponente. — Há aqui alguém que no caso de Sam Lou não poder, sozinho, contigo e com a tua seita de criminosos, terminará com os teus e contigo mesmo.
Aquele desafio arrancou todos da sua imóvel expetativa, produzindo uma debandada de homens e mulheres procurando afastar-se da possível trajetória das balas.
Ketty sentiu o coração minguar-se, ao ver aparecer em cena o homem a quem amava, censurando-se amargamente de não haver cedido às exigências do ascoroso bandido, evitando o perigo que cada vez mais ameaçador se tornava.
Ao mesmo tempo, porem, não podia deixar de admirar a sua arrogância, a sua indiferença pelo perigo, ao insultar friamente o terrível cabecilha e os seus homens. E ainda aquele seu privilégio de aparecer sempre nos momentos mais dramáticos, chamando para si todas as atenções e tomando a chefia dos acontecimentos.
Ao lançar o desafio, Rob adiantara-se de maneira a ficar de frente para Buck e para os seus homens, sem que ninguém se interpusesse entre eles. Procurou ter os movimentos livres, nada deixando escapar aos seus olhos vigilantes. Ao mesmo tempo, dividia as aferições dos cinco homens que de igual modo precisavam de manter-se cautelosos com Sam Lou.
Tom Grant chegara Jogo a seguir ao jovem gigante, aproveitando o caminho que ele abrira no apertado círculo que os rodeava, disposto a ir em seu auxílio se se tornasse preciso. Inquieto, procurou ver Ketty para se aproximar dela e também a defender. Esperava-o uma cruel desilusão, um rude golpe, que até então nada lhe fizera prever, e que, por isso, mais doloroso lhe foi.
Claro como a luz, leu nos formosos olhos da rapariga uma expressão de amor dirigida ao vaqueiro, quando este surgiu ao lado de Sam. Parecia que o olhar de Ketty se incendiava de ternura pelo grandalhão. Terríveis ciúmes estalaram-lhe no peito, ao pensar que aquela cabecinha dourada poderia encostar-se no peito de outro, ouvindo o bater de um coração que não seria o seu. Aqueles lábios de coral seriam beijados por uns lábios diferentes dos seus, e pronunciariam cálidas frases de amor que ele jamais escutaria. Sentia-se estrangulado pelo desespero, ao ver que outro lhe levara o amor daquela mulher a quem ele tanto queria, pelo qual tanto havia lutado, e com que sonhava noite após noite. Jamais aquele amor seria seu... Coberto por um suor gelado, a sua mão trémula agarrava a coronha do revólver que, quase inconscientemente, ia puxando do coldre.
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