sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

PAS569. Por que se morre por um foragido

— Já acabaste, filha...?
Martha entrou no quarto de Eleonor. Esta, desde que seu pai morrera, mal saia dos seus aposentos. O golpe havia sido demasiado rude, e por mais que Richard Maloney, Tony Mitchell e a própria Minetake tivessem tentado convencê-la a distrair-se, a fazer a sua vida normal, não o haviam conseguido.
— Ouvi abrir-se a porta da rua. Era Dick?
— Sim, era ele... Esta no gabinete de teu pai... que descanse em paz. Quer que vás ali. Disse-me qualquer coisa acerca de mandar fechar o estabelecimento.
— Por que razão não me veio ver primeiro? Não achas a sua atitude esquisita?
— Eu... não... Sabes que a sua opinião é a de que salas desta clausura... Uma filosofia um pouco estranha, mas... Creio que deves ir... Pode ser que seja importante o que tem a dizer-te.
— Insisto em que devia ter vindo ver-me primeiro...
— Vamos, vamos, não sejas criança...
Sobre uma mesinha, o jantar de Eleonor estava intacto.
— Direi a Susan que retire isso... Quanto a Richard Maloney, que decides...?
Sobre o roupão, Eleonor O'Brien langou um ligeiro casaco de meia estação e dispôs-se a acompanhar a tia. Desceram ambas as escadas e entraram no «saloon» pela porta que Maloney utilizara minutos antes.
Uns segundos depois, as duas mulheres penetravam no gabinete.
A surpresa e o terror deixaram a jovem paralisada. Viu Maloney amarrado a cadeira, recém-recobrado o conhecimento, com claros sinais de haver sido maltratado, e sentiu que o mundo cedia sob os seus pés... Refez-se com grande esforço e olhou fixamente a tia.
— Nunca pensei que a tua maldade atingisse este extremo — recriminou-a.
«Faro» Robinson, sorridente, avançou para ela.
— Perdoa o processo usado para te trazer até aqui. Há pouco tempo e devemos aproveita-lo.
Eleonor aproximou-se de Maloney, ajoelhou a seu lado e começou a limpar-lhe o rosto com um lenço e a acariciar-lhe o cabelo com grande ternura.
— O que tenta agora ? — interrogou.
— O mesmo de sempre — respondeu o cabecilha. — Casar-me contigo...
— Desamarre Dick, desamarre-o e depois falaremos.
«Faro» Robinson fez um sinal a Marty e este libertou o sargento, que tentou levantar-se. Marty encostou-lhe a boca do cano do revólver a nuca.
— Não, continue sentado. Ela só pediu que o desamarrássemos e lhe tirássemos a mordaça. Isto serve como base para as nossas discussões? — perguntou à jovem.
— Pode falar — acedeu Eleonor O'Brien, sem fitar o foragido.
Todo o seu interesse e toda a sua atenção estavam concentrados em Maloney.
— Não, não o escutes! — exclamou este.
Marty golpeou-o na cabeça.
— Cale-se, sargento! — ordenou Robinson. — O meu amigo tem desejos de o matar e eu lamentaria ver-me obrigado a deixá-lo fazer a vontade.
— Sois uns cobardes! — insultou Maloney.
— Prosseguimos, Eleonor ? — interrogou de novo o foragido, fazendo caso omisso das palavras do batedor.
— Diga o que deseja — concedeu a jovem, fatigada.
— Assim está melhor... Trata-se de ti, de mim e do senhor Maloney... Tu virás comigo, apanharemos parte do oiro que tenho escondido nos Termos e partiremos para longe daqui. O meu amigo Marty porá o preso em liberdade logo que tenhamos umas horas de vantagem.
— Não aceites! O teu sacrifício seria inútil. Quando tivesses voltado as costas em companhia desse assassino, o outro liquidar-me-ia. Não o compreendes, Eleonor?
— Eu impedirei que isso aconteça — interveio pela primeira vez Martha O'Brien. — Aceita, se o achares conveniente. O resto podes deixar por minha conta.
— Não; tu não poderás fazer isso, porque acompanharás tua sobrinha — falou de novo Robinson. — Serviste-me bem e penso recompensar-te. Viveremos os três juntos, onde ninguém nos conheça nem saiba do nosso passado. Se ficasses aqui, eles tomariam represálias contra a tua pessoa, Martha.
— Não importa... A minha idade já não me permite andar de um lado para o outro. Se me quiserem enforcar, que o façam. Estou demasiado cansada para desejar viver mais tempo.
— Não digas isso, Martha. Tu viras connosco, e acabou-se... Que decides, Eleonor?
A jovem voltou o seu rosto húmido para o magoado Richard Maloney.
— Que posso fazer, querido? Diz-me, o que hei-de fazer? — perguntou desesperadamente.
— Não podes, não deves aceitar!
— Fecha a boca ou eu fá-lo-ei com um tiro! — ameaçou-o Marty.
— Faz o que ele diz, Eleonor; mas primeiro escuta. Levaremos o teu sargento para longe daqui, despi-lo-emos, untaremos o seu corpo com mel e deixá-lo-emos sobre uma rocha amarrado de pés e mãos. Este é um festim de que as formigas vermelhas gostam extraordinariamente.
— Seria... seria capaz de fazer isso?
— Experimenta recusar a minha oferta e verás.
-- Verás o quê, Robinson?
A voz havia soado na porta do gabinete. Todos voltaram a vista para ali e contemplaram a arrogante e ameaçadora figura de Tony Michell, que se encontrava no umbral.
— Chego a tempo, não? Susan, a criada, contou-nos que se estava a passar aqui qualquer coisa esquisita. Ela pensava que eram os demónios e as bruxas, mas eu, menos supersticioso, adivinhei a verdade.
Marty continuava com o revólver na mão e tentou usá-lo. Tony Mitchell apertou o gatilho, e o bandido ficou de revólver no ar, com os olhos fixos no homem que o havia matado.
— Quieto, «Faro» Robinson! — ordenou Mitchell, cobrindo-o com a arma. — um único movimento e corres a mesma sorte do teu companheiro.
O jovem foragido afastou a mão do coldre e olhou de soslaio para o divã onde descansava a carabina que pertencera ao caçador. Este adivinhou as intenções do assassino, e avisou-o:
— Não penses nisso, Robinson. Um passo para a «Winchester» e és um homem morto.
Sem deixar de apontar a arma ao peito do bandoleiro, Tony Mitchell aproximou-se de Richard Maloney e de Eleonor.
— Já estamos frente a frente, Robinson — prosseguiu Tony Mitchell, encarando o assassino de seu irmão. — Tu e eu temos uma conta pendente, e para a saldar não vamos precisar de dinheiro. Esta conta especial será paga com sangue... com o teu sangue, canalha.
— Não dispares, Tony — interveio Richard. — Entrega-o à lei para que pague através de um julgamento imparcial todos os seus delitos. A Lei não o deixará escapar, Tony.
— Não, meu amigo. Lamento, mas desta vez desobedecer-te-ei. Os tipos da sua laia devem ser eliminados a tiro. Não merecem sequer o tempo que se perde com um julgamento. Vivem como as feras, não vivem? Pois que morram com elas!
Meteu o revólver no coldre e avisou:
— Vou contar ate três, «Faro» Robinson. Não mereces nenhuma vantagem, mas dar-to-ei, permitindo que saques as tuas armas. Dois...!
Antes de que a palavra «três» saísse da boca do caçador, «Faro» Robinson deu um salto de pantera e refugiou-se atrás das duas mulheres. Martha havia retrocedido com ele até à porta, escudando-o com o corpo.
— Miquel! — gritou Martha. — Salva-te, filho!
Robinson disparou por entre o braço de Martha e bala assobiou por cima da cabeça de Mitchell, que se agachou instintivamente. O jovem caçador não se atrevia a disparar por medo de ferir a mulher.
«Faro» Robinson apertou o gatilho de novo e o candeeiro que pendia do teto saltou em estilhaços.
— Corre, Miguel! Corre! Estes homens não to perdoarão!
Tony Mitchell saiu para o corredor e Martha abraçou-se a ele desesperadamente. Enquanto o jovem tentava desenvencilhar-se da mulher, esta prosseguiu:
— Não tem o direito de o matar! Prendam-me a mim, que sou a culpada de tudo!
— Afaste-se, Martha, por favor! Que interesse tem você em salvar a vida desse individuo?
A mulher, soluçando histericamente, continuou agarrada com força sobre-humana a Mitchell.
— É meu filho...! Não quero que mo matem!
Na luta surda que travavam, Martha O'Brien e Tony Mitchell chegaram ao cimo das escadas. O jovem acabou por se desenvencilhar e começou a descer os degraus. A mulher, no seu decidido propósito de impedir que saísse atras do fugitivo, langou-se, louca, sobre Mitchell.
 Não pôde agarrá-lo de novo e rolou pelos degraus de modo grotesco e trágico. Eleonor desceu a correr e pôde comprovar que estava morta. Havia partido o pescoço.
— Deus tenha piedade da sua alma! — murmurou.
Tony Mitchell desapareceu na porta que dava para a rua. Richard Maloney, ainda não recomposto do ferimento nem dos golpes recebidos, surgiu no corredor. A jovem voltou os olhos para ele e em seguida correu a ajudá-lo. Olharam-se serenamente e ela esboçou um suave sorriso.
— A tua tia devia ter enlouquecido... Disse... disse que era seu filho! — murmurou Maloney, assombrado.
— Creio que não mentiu... Sempre o suspeitei, mas não me atrevi a falar nisso a ninguém, nem sequer a ti. Há anos, durante umas férias, surpreendi a tia Martha a falar com um hércules de barba loira. Segundo parece, haviam-se casado muitos anos antes, mas o casamento falhara e meses depois estavam separados. A minha tia, agora o compreendo, reclamava o seu filho e o homem recusou-se a dizer-lhe o que havia sido feito dele.
— Tens... tens a certeza do que dizes ?
— Quase o podia jurar. Anos depois, «Faro» Robinson, na realidade Miquel Robinson, apareceu aqui convertido em foragido. Havia abandonado seu pai. A minha tia, que pelos vistos não se atrevia a declarar-lhe o seu parentesco, contou-me tudo casualmente. Desde então, pobre mulher, viveu apenas para o filho e acabou por morrer por ele...

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