Estendido no chão, de ventre virado para cima, e com os olhos já vidrados fitos no céu, viu-o por fim. Ainda estava vivo, apesar do sangue que copiosamente corria empapando a sua camisa, brotando de dois orifícios. Em frente dele, um pouco mais longe, um homem armado com um largo e afiado cutelo, jazia 'de bruços, com as costas cobertas de pó. Fácil era supor que teria sido outro dos atacantes do homem solitário e que fora este quem, antes de chegar a sua vez de ser banido da luta, devido à superioridade numérica dos adversários, aniquilara aquele homem.
Era loiro, talvez mais até do que Ken. De olhos também claros mas com um matiz esverdeado. Sem dúvida tinham sido sagazes, duros, penetrantes. Agora, porém, pouco a pouco, ficavam velados, privados de toda a expressão e vivacidade.
Ken saltou algumas rochas e inclinou-se sobre ele. Estudou as suas afiladas feições, muito lívidas pela aproximação do fim. A mão crispada., estendia-se ainda segurando a culatra de um revólver preto, de cano comprido.
Olhou para Ken, quase sem o ver já. Balbuciou qualquer coisa, o que fez que da sua boca saísse um fio de sangue. Quis mover-se, erguer o braço direito. Inútil. Só conseguiu agitar-se um pouco, sem provocar receios. Ken, chegando junto dele, pôs um joelho em terra e acalmou-o com voz suave:
— Eh, não faça esforços, amigo... — disse devagar. — Sou dos seus. Não sei se foi boa ou má pessoa, nem me importa. Vi que estava só e que esses malandros o assassinaram. Eu liquidei-os a todos.
Os olhos do ferido, miraram-no. Nuns segundos, ambos identificaram-se. Não importava quem tinham sido, nem se eram de diferente condição. Ambos encontraram uma condição mútua: lealdade e valentia. O ferido «sentiu» que o outro dizia a verdade. E sorriu. Era um sorriso amargo, mas um sorriso.
— Obri..., obrigado — balbuciou. — Vingou-me.
— Não tem importância. Podíamos ambos ser vítimas, mas tive sorte.
— Era o que faltava... foi mais que sorte... Como se chama?
— Ken Millard — fez um gesto, mostrando a sua indumentária. — Como vê, venho do presídio. Não tive ainda tempo de mudar de roupa.
— Escapou?
Ken assentiu. Não se devia esconder a verdade a um moribundo. E, apesar de tudo, teve a sensação de que ele saberia tudo de antemão.
— Não posso... chegar às Tumbas... — sibilou o infeliz. — Não... posso...
— Às Tumbas? Tem de lá ir?
O agonizante confirmou.
— Para quê? — perguntou Ken.
— O... telegrama — gemeu o ferido, levando uma das mãos muito trémula ao peito. Deixou-a cair, antes de lá chegar. Abriu muito os olhos numa repentina expressão de ansiedade, de angústia. E ciciou abrindo muito os lábios: — Devo... chegar!...
Depois a sua cabeça caiu pesadamente, batendo no chão. Ken Millard empertigou-se com expressão aturdida. Já não havia nada a fazer. Deteve-se um bom bocado a contemplar o cadáver. Inclinou-se e fechou-lhe os olhos. Depois, movido por uma curiosidade muito humana, meteu-lhe a mão no bolso sem se preocupar com o sangue que lhe manchava os dedos. Tirou um telegrama da Western Union. O amarelado do papel estava agora manchado de sangue do cadáver.
Desdobrou-o. Ainda era em parte legível. Conseguiu decifrá-lo todo. Texto e destinatário.
Dobrou-o lentamente guardando-o no seu bolso. Tirou da mão do morto o revólver negro, de coronha clara e trabalhada em relevo. Leu as iniciais em cada um dos lados da cobertura da culatra, em osso. P. B.
— «Big» Pete Bartok — murmurou à flor dos lábios. De modo que era ele. E caiu como qualquer outro. Devem tê-lo surpreendido. Matou um... e os outros acabaram com ele.. Talvez ferisse algum outro. Tipos como este não cedem facilmente.
Pensou em que devia ter tido mais sorte. Mas surpreendera também os atiradores, ele, num grande ataque contra Bartok. Os atacantes tinham sido também surpreendidos por um inimigo não previsto. E após a dura energia de Bartok, tinham posto a valentia de parte, ante o novo adversário. Um erro grande para eles.
Guardou a arma de Bartok. Já era um revólver histórico e sê-la-ia ainda mais no futuro. Era um «Peacemaker», como competia a «Big» Pete, «Colt» 45. Negro, com adornos brancos. Não era arma de luxo„, pois que Bartok jamais fora um pistoleiro, mas antes um «Pacificador», comissário honorífico em muitos lugares do Oeste. Aquele «Colt» ditara muitas sentenças de morte, executadas por ele mesmo logo a seguir. Valia a pena conservá-lo, disse para si, ao pendurá-lo junto ao seu. Depois contemplou o morto. Pensativo, com uma ideia bailando no cérebro.
— Bartok, não te ofendas com o que vou fazer — disse, como se o morto o ouvisse. Mas, para o sítio onde vais agora, de nada te podem servir as tuas roupas. Para mim, porém, podem representar muito. Façamos uma troca. É certo que a tua camisa está bem suja. Mas lavando-a o sangue sairá. Ficam os buracos, esses ficam. Mas serão a lembrança constante de alguma coisa que é honroso: como morreu um valente. Bartok, tu e eu sempre estivemos em campos opostos, divididos pelo que chamam a Lei. Mas há qualquer coisa que une e irmana os homens, acima da Lei. Não sei o que seja, mas há. Agora, Bartok, perdoa-me também que leve o teu revólver e te deixe o meu. Tirei-o a um carcereiro da Prisão Territorial. E é uma pena que uma arma como a tua fique enterrada para sempre. Obrigada, Bartok. Sei que ma davas, se te fosse possível. O que te não tiro é as botas. Mereces levá-las contigo para o Além. Os homens como tu morrem sempre com elas...
E não disse mais nada. Tempo depois cavava uma cova na terra. Mais tarde uma cruz tosca e um montão de terra, assinalavam o ponto onde jazia «Big» Pete Bartok, o «Pacificador» aguardado nas Tumbas para resolver os seus conflitos.
Ken Millard, já de roupa mudada seguiu o seu caminho pouco depois. Largou uma última olhadela para trás, para o coval recentemente aberto. Depois, acariciou a culatra do seu «Colt», o «Colt» de Pete Bartok.
Havia coisas que sobreviviam ao homem: a sua lenda, as suas armas, 'da sua lembrança...
— Adeus para sempre, Pete Bartok disse em surdina. — Adeus, valente...
Era loiro, talvez mais até do que Ken. De olhos também claros mas com um matiz esverdeado. Sem dúvida tinham sido sagazes, duros, penetrantes. Agora, porém, pouco a pouco, ficavam velados, privados de toda a expressão e vivacidade.
Ken saltou algumas rochas e inclinou-se sobre ele. Estudou as suas afiladas feições, muito lívidas pela aproximação do fim. A mão crispada., estendia-se ainda segurando a culatra de um revólver preto, de cano comprido.
Olhou para Ken, quase sem o ver já. Balbuciou qualquer coisa, o que fez que da sua boca saísse um fio de sangue. Quis mover-se, erguer o braço direito. Inútil. Só conseguiu agitar-se um pouco, sem provocar receios. Ken, chegando junto dele, pôs um joelho em terra e acalmou-o com voz suave:
— Eh, não faça esforços, amigo... — disse devagar. — Sou dos seus. Não sei se foi boa ou má pessoa, nem me importa. Vi que estava só e que esses malandros o assassinaram. Eu liquidei-os a todos.
Os olhos do ferido, miraram-no. Nuns segundos, ambos identificaram-se. Não importava quem tinham sido, nem se eram de diferente condição. Ambos encontraram uma condição mútua: lealdade e valentia. O ferido «sentiu» que o outro dizia a verdade. E sorriu. Era um sorriso amargo, mas um sorriso.
— Obri..., obrigado — balbuciou. — Vingou-me.
— Não tem importância. Podíamos ambos ser vítimas, mas tive sorte.
— Era o que faltava... foi mais que sorte... Como se chama?
— Ken Millard — fez um gesto, mostrando a sua indumentária. — Como vê, venho do presídio. Não tive ainda tempo de mudar de roupa.
— Escapou?
Ken assentiu. Não se devia esconder a verdade a um moribundo. E, apesar de tudo, teve a sensação de que ele saberia tudo de antemão.
— Não posso... chegar às Tumbas... — sibilou o infeliz. — Não... posso...
— Às Tumbas? Tem de lá ir?
O agonizante confirmou.
— Para quê? — perguntou Ken.
— O... telegrama — gemeu o ferido, levando uma das mãos muito trémula ao peito. Deixou-a cair, antes de lá chegar. Abriu muito os olhos numa repentina expressão de ansiedade, de angústia. E ciciou abrindo muito os lábios: — Devo... chegar!...
Depois a sua cabeça caiu pesadamente, batendo no chão. Ken Millard empertigou-se com expressão aturdida. Já não havia nada a fazer. Deteve-se um bom bocado a contemplar o cadáver. Inclinou-se e fechou-lhe os olhos. Depois, movido por uma curiosidade muito humana, meteu-lhe a mão no bolso sem se preocupar com o sangue que lhe manchava os dedos. Tirou um telegrama da Western Union. O amarelado do papel estava agora manchado de sangue do cadáver.
Desdobrou-o. Ainda era em parte legível. Conseguiu decifrá-lo todo. Texto e destinatário.
Dobrou-o lentamente guardando-o no seu bolso. Tirou da mão do morto o revólver negro, de coronha clara e trabalhada em relevo. Leu as iniciais em cada um dos lados da cobertura da culatra, em osso. P. B.
— «Big» Pete Bartok — murmurou à flor dos lábios. De modo que era ele. E caiu como qualquer outro. Devem tê-lo surpreendido. Matou um... e os outros acabaram com ele.. Talvez ferisse algum outro. Tipos como este não cedem facilmente.
Pensou em que devia ter tido mais sorte. Mas surpreendera também os atiradores, ele, num grande ataque contra Bartok. Os atacantes tinham sido também surpreendidos por um inimigo não previsto. E após a dura energia de Bartok, tinham posto a valentia de parte, ante o novo adversário. Um erro grande para eles.
Guardou a arma de Bartok. Já era um revólver histórico e sê-la-ia ainda mais no futuro. Era um «Peacemaker», como competia a «Big» Pete, «Colt» 45. Negro, com adornos brancos. Não era arma de luxo„, pois que Bartok jamais fora um pistoleiro, mas antes um «Pacificador», comissário honorífico em muitos lugares do Oeste. Aquele «Colt» ditara muitas sentenças de morte, executadas por ele mesmo logo a seguir. Valia a pena conservá-lo, disse para si, ao pendurá-lo junto ao seu. Depois contemplou o morto. Pensativo, com uma ideia bailando no cérebro.
— Bartok, não te ofendas com o que vou fazer — disse, como se o morto o ouvisse. Mas, para o sítio onde vais agora, de nada te podem servir as tuas roupas. Para mim, porém, podem representar muito. Façamos uma troca. É certo que a tua camisa está bem suja. Mas lavando-a o sangue sairá. Ficam os buracos, esses ficam. Mas serão a lembrança constante de alguma coisa que é honroso: como morreu um valente. Bartok, tu e eu sempre estivemos em campos opostos, divididos pelo que chamam a Lei. Mas há qualquer coisa que une e irmana os homens, acima da Lei. Não sei o que seja, mas há. Agora, Bartok, perdoa-me também que leve o teu revólver e te deixe o meu. Tirei-o a um carcereiro da Prisão Territorial. E é uma pena que uma arma como a tua fique enterrada para sempre. Obrigada, Bartok. Sei que ma davas, se te fosse possível. O que te não tiro é as botas. Mereces levá-las contigo para o Além. Os homens como tu morrem sempre com elas...
E não disse mais nada. Tempo depois cavava uma cova na terra. Mais tarde uma cruz tosca e um montão de terra, assinalavam o ponto onde jazia «Big» Pete Bartok, o «Pacificador» aguardado nas Tumbas para resolver os seus conflitos.
Ken Millard, já de roupa mudada seguiu o seu caminho pouco depois. Largou uma última olhadela para trás, para o coval recentemente aberto. Depois, acariciou a culatra do seu «Colt», o «Colt» de Pete Bartok.
Havia coisas que sobreviviam ao homem: a sua lenda, as suas armas, 'da sua lembrança...
— Adeus para sempre, Pete Bartok disse em surdina. — Adeus, valente...
Sem comentários:
Enviar um comentário