quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

PAS573. Uma história para o filho do mistério

— É uma história muito curiosa, Fixer. Se quiseres posso contar-ta.
— Claro que quero. Não tenho nenhum sono, e a tua história sempre nos ajudará a passar o tempo.
Carrigan encheu de novo o cachimbo, acendeu-o e deu duas ou três chupadelas nele antes de começar a falar, divertido pela expectativa que lia nos olhos do companheiro.
— O princípio remonta talvez a uns vinte e cinco anos. Então tinha eu pouco mais de vinte. Era alto, forte, e tinha muita sorte com as mulheres.
Carrigan falava em voz baixa e suave, com os olhos fixos na fogueira, como se naquela dança das chamas se viessem refletir as imagens de um longínquo passado, que o ajudavam a recordar. A sua entoação tinha uma cadência atraente, que obrigava a escutá-lo. Danne reparou que até a arisca rapariga parecia suspensa das suas palavras.
— Tinha um amigo, cujo nome não interessa. Um dia estávamos a caçar nas Montanhas do Sangue, quando encontrámos um velho caçador, bastante ferido.
«Levámo-lo à sua cabana, que se erguia no meio de um pitoresco e solitário vale e tratámos dele o melhor que pudemos.
«Eu e esse meu amigo revezávamo-nos no seu tratamento e quando se curou tinha-se estabelecido entre os três uma sólida amizade. O velho caçador chegou inclusivamente a tratar-nos como filhos. Eu e esse meu amigo éramos dois rapazes novos, estarolas, que só pensávamos em jogar, beber e entrar em quantas lutas se travavam.
«O velho Danne Lindsball reprovava constantemente o nosso procedimento, mas não fazíamos o menor caso das suas recriminações. 
«Um dia chamou-nos à sua cabana e disse-nos que tinha encontrado um tesouro, num lugar pouco menos que inacessível. Segundo constou tinha sido lá escondido no tempo da dominação espanhola. Ele não tinha outras ambições do que acabar a sua vida caçando no seu formoso vale e disse-nos que aquele tesouro seria para o primeiro de nós que tivesse um filho, pois isso para ele era uma prova de que tínhamos ganhado juízo. Toda a sua ilusão era ver-nos convertidos em homens na verdadeira aceção da palavra e o tesouro seria para o primeiro de nós que o conseguisse.
«Eu não fiz muito dano das suas palavras e continuei na mesma vida, mas a partir daquele momento, o meu amigo começou a afastar-se de mim. Uns meses depois casou. Mas dois longos anos decorreram e a sua mulher não lhe dava aquele ambicionado filho que tanto esperava. Entretanto o seu rancho ia de mal a pior e sobre ele avolumaram-se um sem-número de hipotecas.
«Por fim, um dia apresentou-se muito contente na cabana do caçador e comunicou-lhe que sua mulher lhe tinha dado um filho. Depois de se certificar que o não enganava, o velho caçador entregou-lhe o mapa do local onde estava guardado o tesouro, pondo-lhe como única condição que o menino se chamasse Danne, como ele».
Danne teve um sobressalto ao ouvir as últimas palavras de Carrigan. Também ele se chamava Danne. Seria uma simples coincidência? Não estaria Carrigan contando um capitulo da vida de BOXer, no qual ele tinha um papel primordial? Entretanto o bandido continuava a falar.
— Eu não senti o menor rancor por ele. Tinha tido um filho? Bom, pois que fosse para ele todo o ouro. Eu já começava então a ser famoso e tinha todo o dinheiro que queria.
«Uns dias depois, o velho Danne foi encontrado morto na sua cabana. Tinha sido estrangulado e nunca se conseguiu saber quem o tinha feito. O meu amigo empregou bem o dinheiro recebido e em pouco tempo levantou o rancho, que se converteu na mais famosa fazenda dos
arredores».
Fixer e a rapariga seguiam fascinadas o relato da história, mas o seu interesse nada representava comparado com o de Danne. Algo lhe dizia que Carrigan ia pôr ante os seus olhos o mistério que envolvia a sua chegada ao rancho de Boxer. .,
-- Continua, Carrigan. A tua história é muito interessante — disse Fixer.
— Incomodo-a, menina? — perguntou o bandido solicitamente, e pela primeira vez a jovem não lhe respondeu agressivamente, fascinada pelo interesse que a história lhe proporcionava.
— De modo nenhum. Continue, por favor.
Era um elogio aos dotes de narrador de Carrigan e este sorriu, satisfeito com o seu triunfo.
— Passaram vários anos e um dia chegou aos meus ouvidos um estranho rumor. Não lhe prestei muita atenção, mas chegou a tal grau de insistência que não tive outro remédio senão fazer umas quantas averiguações. Com efeito, cheguei à conclusão de que esse meu amigo tinha enganado o velho caçador, como também me enganara a mim. O rapaz não era seu filho. Tinha-o roubado e apresentou-o ao velho como seu filho, para conseguir o dinheiro que tanta falta lhe fazia.
Danne sobressaltou-se, emocionado pelo que acabava de ouvir. A história ajustava-se perfeitamente ao que ele pensava e sem se poder conter moveu-se inquieto no seu esconderijo, atrás de uns arbustos.
— Quem está aí? — perguntou Fixer, levando a mão ao revólver.
— Deve ser algum animal, Fixer, não te assustes —interveio Carrigan. — Bom, parece-me que os estou a aborrecer com a minha história, e por conseguinte é melhor calar-me.
Danne esteve a ponto de sair do seu esconderijo de revólver em punho para o abrigar a continuar, pois agora tinha a certeza que a história que Carrigan contava se referia a Boxer e a ele próprio.
— Não, não, Carrigan. Peço-te que continues.
Carrigan não se fez rogado e de novo tomou a palavra.
--- Fui visitar esse meu amigo e reprovei-lhe a sua conduta. Tivemos uma azeda discussão e chegámos inclusive a vias de facto. Consegui deixá-lo sem sentidos com uma coronhada e revistei toda a casa procurando o plano do esconderijo do tesouro. Pensei que talvez ele não tivesse tirado todo o dinheiro. Seguindo as suas instruções, não me foi difícil encontrar o esconderijo, mas o tesouro tinha desaparecido. Esse meu amigo —continuemos a chamar-lhe assim — tinha retirado tudo.

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