quinta-feira, 29 de julho de 2021

BIS245.10 A fúria dos Palácios

Enrique Palácios chegou à fazenda em cima de um cavalo derreado, exausto por um dia de quase contínuos esforços, rematado por um furioso galope, durante o qual as esporas do cavaleiro o tinham castigado ferozmente como nunca o fizera, como não era capaz de o fazer em contingências diferentes, em condições normais.

Apeou-se com um salto ágil, quando o cavalo ainda não parara, e subiu a dois e dois os degraus da escadaria. Pouco faltou para esbarrar com a mãe, que aguardava inquieta o regresso dos três filhos.

— Onde estão os teus irmãos? — perguntou nervosamente a senhora, pressentindo urna desgraça.

— Martin no cárcere, e Jorge nunca mais voltará, mãe. Assassinaram-no — foi a brutal resposta do filho, sem medir as consequências que poderia acarretar uma dupla má novidade expressa daquele modo.

Elena Palácios sentiu o mundo voltejar à sua roda e logo o chão subir para ela com rapidez vertiginosa. Antes que Enrique pudesse evitá-lo, a boa senhora caiu pesadamente nas lajes da entrada, com o rosto desfigurado por cerúlea palidez.

Enrique baixou-se, ergueu-a nos seus fortes braços e, entrando com ela no salão, pô-la, desmaiada, no sofá.

Servindo-se da água de uma jarra de flores que encontrou mais à mão, pôde Enrique reanimá-la ao cabo de uns segundos. Ao despertar, os soluços e o pranto acompanharam as primeiras e angustiadas palavras da senhora:

— Mas... que sucedeu? Como pôde... acontecer isso. aos meus queridos... aos meus infelizes filhos?

Enrique, enervado pela impaciência em que se consumia, enraivecido pelo acréscimo de ódio pelos Quintanas e ao mesmo tempo envergonhado e com remorsos pela maneira como tinha transmitido as notícias à mãe, explicou brevemente o pouco de que tinha conhecimento.

A porta mal fechada que havia ao fundo do salão abriu-se repentinamente, por completo, escancarada com violência, para dar passagem a Juan Palácios, que, chorando silenciosa e amargamente, se abraçou à mulher.

— Levantei-me há bocado. Queria falar com os rapazes. Vim para aqui, julgando poder vê-los. Ouvi tudo, por desgraça nossa, Elena. A morte e o ódio andam a cevar-se em nós, os Palácios. Mas não permaneceremos como dantes, quietos e resignados. Lutaremos agora até o fim pela paz que sempre ambicionámos. Ouve, meu filho acrescentou com voz de além-túmulo: Jorge, do outro mundo, clama por vingança, e Martin, mais do que nunca, precisa de nós. Vamos!

— Sim, pai, vamos! Assim te quero ver. Forte na desgraça, toma o comando de todos nós para bem da Justiça. E venceremos, pai. Juro-te que havemos de vencer!

— Não, Juan, não! — implorou a esposa, num murmúrio sacudido pelas lágrimas que lhe brotavam dos olhos sem cessar. — Não os quero perder também! Vamos embora, para sempre, desta amaldiçoada terra! Vamos para onde não chegue esse ódio que ameaça as nossas vidas, as de todos nós! — e abraçou-se com fervor ao marido.

Juan Palácios afastou-a suavemente, mas com firmeza.

— Talvez não o compreendas porque és mulher, Elena. Mas há momentos em que acima de tudo está a noção de hombridade. Não devemos ignorá-la nem desprezá-la.

— Orgulho... sempre e só orgulho, Juan — murmurou a esposa, com o rosto encharcado em pranto.

— Orgulho? Portanto, chamas orgulho ao desejo legitimo de vingar o nosso filho e salvar Martin, esse infeliz já tão causticado na vida? Não, Elena, orgulho não. É o dever, o nosso dever.

A esposa curvou a cabeça e não teve ânimo para retorquir.

— Vamos, pai — rogou Enrique. — Não se perca mais tempo!

— Sim, meu filho, vamos — disse o fazendeiro, afivelando o cinto com munições, de que pendiam dois revólveres em seus coldres.

Elena, com os olhos já inchados pelo pranto, viu-os sair e nada fez para os deter. A sensatez, naquele momento, poderia ser irmã da violência. Dentro de um minuto, doze homens que rapidamente foram informados da situação e do que se esperava deles, ficaram alinhados no pátio da fazenda, a cavalo. Nos coldres pendurados nas selas descansavam outras tantas espingardas. Todos levavam os cinturões repletos de cartuchos e com negros e ameaçadores revólveres cujo manejo conheciam muito bem.

— Vamos! — ordenou com voz firme Juan Palácios.

O filho e os doze homens seguiram-no, mal o fazendeiro se lançou a galope em direção ao arco de entrada, para logo se perder nas trevas noturnas.

— Meu Deus! — murmurou Elena Palácios. — Protegei-os, meu Deus!

E, como desfalecida, deixou-se cair no sofá junto da janela, com o húmido rosto escondido entre as mãos. A fúria dos Palácios galopava, sem freio, para Corrales.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário