O presídio de Yuma era um dos mais desumanos de toda a União. Nele tratavam os presos com crueldade que muito se aproximava de vergonhoso sadismo. Assassinos e criminosos de toda a natureza expiavam os seus delitos, no mais amplo sentido do verbo, por trás dos altos e grossos muros de Yuma, calcinados pelo ardente sol.
Só homens excecionalmente fortes fisicamente conseguiam resistir aos trabalhos forçados, nus da cintura para cima, desbravando pedreiras, debaixo de um sol abrasador, vigiados atentamente por guardas que, na sua maioria, apenas tinham de humano a configuração exterior.
Martin Palácios tinha sido um desses cativos, durante dez anos, dez longos anos, que pareciam pretender igualar a eternidade. Agora, faltavam escassos minutos para alcançar a liberdade definitiva. Olhou a nesga de céu compreendida entre os varões da cela e julgou-o, naquele momento, de um azul mais límpido, mais puro. Depois, com a sensação oposta, olhou, enojado, para as sórdidas paredes do calabouço.
Ao princípio, a um canto, começara a gravar, com o cabo da colher, uns riscos para assinalar os dias que decorriam. Não chegou à centena. Preferiu esquecer, não dar conta da lentidão com que eles iriam fatalmente deslizando por trás daqueles horríveis muros. Dez anos em Yuma, no presídio, é alguma coisa de indescritível.
Um guincho da porta e um escorregar de ferrolhos chamou-o de novo à presente realidade, a que significaria o futuro. Esboçou um sorriso, difícil, apesar de tudo. A liberdade chegava, finalmente.
— Olá, Palácios! — saudou-o um dos guardas. — Anda comigo. O governador espera-te. Chegou a tua hora. Contente, não?
Martin mal conseguiu mover, afirmativamente, a cabeça. Profunda emoção embargava-lhe a voz. Seguiu pelos corredores, acompanhado pela gritaria ensurdecedora dos presos, que, desse modo, saudavam o mais feliz, o que ia em breve conhecer o ar puro da liberdade.
Por fim, ao cabo de um percurso que lhe pareceu interminável, chegaram à porta do gabinete do homem que dirigia o presídio. O guarda bateu com os nós dos dedos e deu passagem ao preso, quando uma 'voz ordenou:
— Entre.
Martin Palácios empurrou a porta. Avançou.
— Bons dias, senhor — balbuciou, com dificuldade, sentindo um nó na garganta.
— Senta-te — disse o homem que se encontrava sentado à secretária.
Martin Palácios obedeceu, em silêncio, depois de fechar a porta.
— Não vou fazer-te um discurso para despedida. Mal o ouvirias. Faço uma ideia do que deve sentir qualquer pessoa num momento desta natureza. Só queria reconhecer, frente a frente, que, nestes dez anos, tivemos em ti um preso verdadeiramente exemplar. Por isso te recomendei ao governador do Estado e fiz o possível para te concederem a liberdade. Se, como disseste sempre, estavas inocente, lamento que tenhas sofrido o mesmo que essa escória humana albergada aqui para expiar os seus crimes. Seja como for, espero nunca mais te ver por cá. Se, entre estes muros, sonhaste com uma vingança, esquece-a. Esquece-a, ou ela dará cabo de ti, de qualquer modo.
Palácios escutava-o de cabeça em baixo e o olhar fito no chão. — Neste embrulho tens a roupa, o dinheiro que entregaste, as coisas que trazias quando para aqui vieste. Suponho que nada faltará. Podes verificar.
Martin Palácios levantou a cabeça para dizer, com um gesto, que não era preciso.
— Então... adeus.
O governador pôs-se de pé. Estendeu a mão. Palácios apertou-lha com vigor.
— Adeus e obrigado por tudo, senhor. Garanto-lhe que nunca mais me há de ver em Yuma.
Pegou no embrulho, saiu e fechou delicadamente a porta. O guarda que o tinha acompanhado esperava-o à porta.
— Vai ali mudar de roupa, Palácios. — Apontou-lhe uma outra porta, quase em frente.
Poucos minutos depois, Martin Palácios experimentava a agradável e indizível sensação de se ver novamente um homem normal, sem o degradante uniforme de presidiário.
— O meu cunhado espera-te lá fora, com o cavalo e o mais que pediste, Palácios. Podes pagar tudo a ele.
Palácios agradeceu, com um gesto, e meteu na mão do guarda urna nota de cinquenta dólares.
— Para beberes à minha saúde, Foreman!
Volvidos segundos, as portas do presídio de Yuma fechavam-se nas suas costas. Mas, dessa vez, com ele na parte de fora, em liberdade. O seu passado esperava-o em Corrales. Aí, tinha de encontrar alguém — uma pessoa que lamentaria o seu regresso à povoação. Esta era a sua meta.
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