Jorge Palácios conhecia muito bem a mulher que guiava aquele carro. O que não conseguia compreender de modo nenhum era o que ela pretenderia fazer seguindo por um caminho que ia dar a uma cabana abandonada existente no sopé das lombas a que se atribula popularmente o nome de «Colinas Pardas». E dispôs-se a averiguá-lo, mordido por compreensível curiosidade.
Finalmente, o carro parou diante da porta da cabana e esta abriu-se para dar saída a um homem de cinquenta anos e rosto de expressão cruel. Dois negros revólveres pendiam-lhe da cintura, um a cada lado, quase a confundirem-se com o negrume da roupa.
Jorge Palácios compreendeu que se tratava de um pistoleiro, mas, por mais que se esforçasse, não se recordava de o ter visto alguma vez em Corrales, ou sequer nas suas vizinhanças.
Ajudada por ele, a mulher apeou-se do carro e entrou na cabana. Palácios prendeu o cavalo nuns arbustos que o ocultavam da vista dos que se encontravam dentro do casebre e, escondendo-se ele próprio o melhor que podia, foi-se aproximando da velha edificação.
De ouvido colado a uma das paredes perto de uma janela entreaberta, pôde escutar com suficiente clareza o que diziam aqueles dois seres tão opostos na aparência.
— Tem de se fazer alguma coisa, Miguel. Não posso nem quero esperar mais. É necessário acabar urgentemente o que principiei há anos.
— Já pensaste em alguma coisa de concreto? — perguntou o homem.
—Pois naturalmente que sim! Acabar com Luis Quintana.
A surpresa quase levou Jorge a dar um grito. Mesmo assim, levou a mão à boca, num gesto instintivo de abafar a voz.
— Não percebo — confessou o pistoleiro.
— Sei o que convém, Miguel. Acaba-se facilmente com ele, de maneira que seja possível atribuir a sua morte a Martin Palácios, ou então dá-se cabo de Martin Palácios em condições de ficar Luís como insofismável culpado dessa morte, levada a efeito traiçoeiramente.
— Não têm lá muitos pistoleiros capazes de o fazerem? — tornou, sacudida, a voz masculina.
— Não. Não há nenhum com cabeça suficiente para realizar esse trabalho. Só sabem disparar em reles emboscadas, ou cara a cara se forem vários, mas nenhum tem a subtileza para uma obra limpa, como convém neste caso. Por isso te chamei, como tive de o fazer quando foi necessário livrar-me de Lorenzo Palácios. Não te lembras? O homem não deu resposta que fosse audível.
—Parece que estás um pouco esquecido, irmão — prosseguiu a mulher. — Convém lembrar-te como as coisas aconteceram. Lorenzo devia muito dinheiro, que tinha perdido ao jogo. Não era capaz de arranjar uma solução para esse problema, porque tinha receio de o pedir ao tio, Juan Palácios. Nesse dia, o rapaz estava bêbado como um cacho. Prometi-lhe o dinheiro. Prometi-lho... se ele me trouxesse o revólver de Martin Palácios. O idiota não compreendeu para que eu o queria. Depois, tive de pagar-lhe para que ele não falasse — riu a mulher com timbres de loucura. — Já te lembras do resto? Encarregaste-te disso. E como o fizeste bem! Pareceu uma espécie de vingança de Quintanas.
Jorge Palácios precisou de fazer um esforço gigantesco para se conter, porque a raiva o impelia a abrir violentamente a porta, entrar na cabana e encher de tiros aqueles dois monstros, mas compreendeu que essa atitude não resolveria nada, pois seria muito difícil, para não dizer impossível, provar os motivos que o impeliram a proceder assim. Por outro lado, ficaria sem saber as razões que levaram aquela mulher a cometer semelhante loucura.
Era necessário regressar quanto antes a Corrales e contar a Larson e Martin o que tinha ouvido.
Pensando em tudo isto, não reparou que se fizera silêncio no interior da cabana. Quando tomou consciência do facto e quis afastar-se, já era tarde. O homem vestido de negro tinha aberto a porta mesmo nas costas dele e apoiava-lhe o cano de um revólver no crânio. Tinha caído numa ratoeira.
Apavorado, compreendeu que não o deixariam sair vivo dali. E ele tinha de o conseguir para poder contar a verdade do sucedido havia dez anos. O pistoleiro riu ferozmente ao perceber, embora só parcialmente, o medo que se apoderara do jovem situado diante dele.
A mulher saiu da cabana quando ouviu rir o irmão, porque essa conduta lhe anunciava não acarretar perigo nenhum o que estava a acontecer cá fora.
— Tens bom ouvido, Miguel — disse, manhosamente. — E muita sorte. Sabes quem é esse? — acrescentou.
— Não — declarou o pistoleiro, com gesto negativo de cabeça a acompanhar a palavra.
— Pois é Jorge Palácios. E vai ser-nos muito útil. Ao falar, tirou da bolsa um relógio de ouro com as iniciais de Luis Quintana. Mostrou-o ao irmão.
— Estás a compreender, Miguel?
— Maldita bruxa! — rugiu Jorge Palácios, cuspindo-lhe para a cara num acesso de raiva.
Os olhos da mulher cintilaram de ódio. Passou a manga pelo rosto, a limpá-lo sumariamente, e berrou, enfurecida:
— Mata-o! Dispara, Miguel! Mata-o!
O pistoleiro encolheu os ombros e apertou o gatilho, disparando para as costas do jovem Palácios. O infeliz foi impelido para a frente e caiu, ferido de morte. A mulher arrancou a arma da mão do pistoleiro, apontou-a à cabeça de Jorge e disparou. A bala desfigurou de modo horrível o rosto do rapaz. E a enraivecida criatura continuaria a fazer fogo se o irmão, enojado com o espetáculo, não tivesse recuperado o revólver, arrebatando-lho com violência.
— Basta! — declarou secamente.
A mulher foi-se acalmando, pouco a pouco. Entregou ao irmão o relógio que tinha fechado na mão esquerda e ordenou:
— Põe-lho na mão, Miguel. Assim parecerá que o arrancou ao assassino durante uma luta. Depois, encarrega-te de fazer que encontrem o cadáver hoje mesmo, falando com quem sabes. Não tardou que ambos se retirassem, deixando o corpo do infeliz Jorge Palácios, que levava para a sepultura o horrível segredo conhecido demasiadamente tarde.
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