Durante muitas horas, o pistoleiro caminhou em silêncio, absorto numa infinidade de pensamentos. Lutava interiormente com a ideia de se afastar para sempre daquela região, de ir procurar, noutra sítio mais longínquo, a tranquilidade que tanto desejava. Mas uma voz interior parecia dizer-lhe que ficasse.
Atraía-o poderosamente a terra que pisava e a missão que o havia levado a Nevada, o resultado de um trabalho, o mais importante da sua vida, em defesa dos interesses de uma mulher só e sem possibilidades de se opor aos seus inimigos. Detinha-o também a lembrança de Bradley. Nunca o capataz dos McCoy teria voltado as costas a um caso daquela importância, quando nele defendia a liberdade, mesmo a vida, de uma mulher. E ele era um parente desta rapariga.
Era certo também que ela, tanto como o pai, se tinham portado com ele de uma maneira ingrata; era certo que ela o odiava, não pela sua pessoa, mas sim pela sua maneira de viver naqueles últimos anos passados. Tinha fama de um brigão, de pistoleiro assalariado, de assassino. Acaso não lho tinha deixado transparecer muitas vezes, falando-lhe de uma maneira depreciativa? Mas, acima de tudo isso, estavam os seus inimigos.
Jamais viveria tranquilo onde quer que fosse, porque a sombra dos últimos Wells persegui-lo-ia com fúria, porque aqueles homens multiplicariam os seus esforços para o matarem. E não era a primeira vez que um pistoleiro morria às mãos de pessoas que eram mais lentas no «atirar», que possuíam menos valor para a luta, que conheciam de uma maneira menos profunda o modo de viver e de se deslocar dos rufiões da fronteira. Não queria que lhe acontecesse o mesmo que àqueles.
Todo aquele dia, a noite e a manhã seguinte, passou-os o pistoleiro deambulando, contemplando a paisagem, fazendo uma infinidade de conjeturas. Quando tudo acabasse, se fosse necessário, partiria dali para sempre, para onde não tivesse ouvido falar dele. Mas, antes disso, ele deveria expor-se por causa dela, defendê-la, sobretudo quando a solidão em que se encontrava era o seu pior inimigo.
Recordou-se subitamente das manifestações de Gregory e Jack quando o levavam prisioneiro. Jim Wells tinha grandes desejos de conhecer a rapariga. Jim continuava a ser o mesmo a respeito do sexo fraco e muitas vezes Bob lhe tinha refreado a sua conduta, em povoações afastadas em que os seus manejos se desenvolviam.
Ao pensar nele, na rivalidade que os unia, pensou também em Nancy McCoy. Continuava com a certeza de que nenhuma outra rapariga da região podia ganhar-lhe em beleza. Era difícil de dominar, difícil de a fazer mudar de ideias, muitas delas erróneas, obtidas através de uma larga existência no meio de homens duros, levando sempre avante a certeza da realização de todos os seus caprichos. Mas talvez a mão firme de um homem a fizesse mudar. Ao chegar a esta conclusão, o pistoleiro sorriu-se.
A tarde declinava. Bob, recostado sobre a manta texana, num pequeno outeiro, distinguiu a silhueta de alguns cavaleiros que avançavam pelo vale dentro. Instintivamente endireitou-se. Aqueles homens caminhavam para o local onde as reses se tinham estendido a pastar, muito mais para além das lombas em que dias antes mantivera uma luta de morte com alguns dos sequazes do bando de Wells.
Ficou sentado por momentos. Viu aqueles homens, com a frente aberta em leque, rodearem em parte o gado impelindo-o para onde o terreno se quebrava em desfiladeiros estreitos muito próximo do rio. Levantou-se então e murmurou entre dentes:
— Gente do bando de Wells.
No entanto, nenhum dos seus músculos se contraiu para correr para o cavalo e montá-lo. Nenhuma ideia súbita o impeliu, como na ocasião anterior, a correr sobre os ladrões.
— Nancy pôs-me fora, com a simplicidade com que o faria a uma ratazana asquerosa. Por que razão hei de defender o que é seu?
Apesar destas palavras, a sua consciência ditou-lhe procedimento contrário.
—No entanto, ela é uma McCoy. Lutam contra os que são do meu próprio sangue e eles são meus inimigos encarniçados. Porque demónio não hei de fazer qualquer coisa? Porque não me hei de reconciliar com ela, mesmo que seja com o intuito de lhe demonstrar que nem tudo em mim é mau e desprezível?
Estas últimas palavras foram pronunciadas em voz alta. De um salto caiu sobre a sela do cavalo. Colocou a manta atrás de si e esporeou o corcel, descendo vertiginosamente a colina, coberta de árvores.
A linha do vale desenhava-se um pouco mais abaixo da crista das rochas graníticas que bordejavam a ladeira. Estudou com atenção a posição que lhe convinha para cortar o avanço dos seus inimigos. Mas deteve-se. Teria de dar uma volta muito grande para se colocar de forma a aparecer de frente para os ladrões e fazê-los parar quando o gado tivesse atravessado o rio. Oferecia-se-lhe apenas uma oportunidade e esta era atacá-los pelas costas, antes que tivessem conseguido colocar-se entre as quebradas do terreno. Mas também encontrou muitos obstáculos a este intento, pelo que se limitou a segui-los.
Mais para além, onde principiavam os desfiladeiros e os «canyons», as passagens eram muito mais estreitas. Teria de segui-los durante horas inteiras, antes de encontrar o momento propício para castigar a ação que cometiam. E ele estava demasiado ansioso por chegar ao contacto quanto antes...
No entanto, Bob McCoy dominou os nervos. A paciência era uma virtude maravilhosa. Com ela podia procurar o instante supremo e dar uma lição àqueles celerados. Estaria Buck entre eles? E Jim? Considerava Jim muito mais perigoso que o irmão, porquanto ele ardia no desejo de uma vingança terrível. E com ele vinham também Sharp e Drolet.
As reses, impelidas pelos pistoleiros do bando, tinham desaparecido entre as rochas. Os homens, pacientemente, caminhavam atrás delas, fustigando-as continuamente, sem que se afastassem do caminho que cada qual havia traçado, para que nenhum animal ficasse fora da compacta manada.
Estavam agora a menos de um tiro de espingarda do pistoleiro, mas este absteve-se de os atacar. Pelo contrário, fez alto ao chegar ao fundo dos estreitos «canyons».
Sem se apear, Bob permaneceu bastante tempo imóvel, observando como aqueles bandidos desapareciam da sua vista. Pensava nos projetos a seguir para fazer falir os seus propósitos de roubo e calculou que, por muito que as reses corressem, aqueles canalhas acampariam nalguma parte das montanhas até que a luz da lua lhes permitisse prosseguir a viagem interrompida.
«Tenho tempo de sobra — disse para consigo, mentalmente. Apanhá-los-ei quando menos esperem um ataque».
De repente algo o obrigou a erguer-se sobre a sela. Ouvia muito próximo o bater de cascos de cavalos. Apurou a vista, descobrindo, no meio das trevas que o rodeavam, a silhueta de alguns cavaleiros que se aproximavam. Retrocedeu então. Procurou um lugar do qual pudesse contemplar a passagem dos homens sem ser visto. Apeou-se e segurou fortemente o cavalo pelos beiços, evitando que um relincho inoportuno do corcel pudesse indicar àquelas personagens a sua presença. Quem eram? De onde tinham saído?
Estas conjeturas fê-las em breves segundos.
Os cavaleiros passaram.
Bob julgou distinguir entre eles uma mulher e o coração contraiu-se-lhe no peito. A mão dextra daquele famoso atirador pousou sobre a dura coronha do «seis tiros», mas conteve-se naquele instante. Algo mais o havia feito deter-se.
Lá ao longe, para os lados em que ficava o rancho de Nancy McCoy, notava-se uma fumarada avermelhada. Não compreendeu logo o que aquilo significava, até que, passados alguns segundos, pareceu petrificado.
O «assassino de Nevada» procedia como era natural nos seus manejos. Aquelas chamas que se elevavam no espaço provinham de um incêndio, de um rancho envolto pelas chamas. E não havia em cinquenta milhas em redor nada que queimar, senão as instalações do rancho da sua prima.
Calculou o tempo que os cavaleiros deviam ter levado a chegar àquela parte do vale e o tempo que as chamas de um incêndio, tendo em conta a velocidade do vento que vinha das montanhas, precisavam para se atear e propagarem.
Se fossem aqueles indivíduos que tivessem deitado fogo aos edifícios, era evidente que o clarão ter-se-ia visto antes. Portanto, outros homens daquele bando teriam ficado com a missão de incendiar o rancho.
Ainda mal havia chegado a esta conclusão e já se encontrava montado. Já não ouvia as passadas dos cavalos montados pelos seus inimigos, os quais, entretanto poderiam ter-se afastado mais de trezentos metros entre as pregas do terreno. Fez girar o cavalo esporeou-o, lançando-o como uma flecha para o centro da planície verdejante.
Olhava, quase sem ver por causa da semiobscuridade que reinava, procurando a maneira de descobrir algum inimigo que avançasse. Atingiu em muito pouco tempo as proximidades das lombas e alcançou em breve espaço a parte Oeste do local onde o rancho se situava.
Os palheiros e a cavalariça ardiam por todos os lados. As chamas progrediam furiosamente, lambiam agora o madeiramento do edifício principal. Bob descobriu vários homens que com grandes feixes de ramos secos se encaminhavam para o edifício maior do rancho, que servia de domicílio à rapariga. Viu-os amontoar a lenha junto ao átrio e um deles, retrocedendo, acendia uma espécie de tocha, para regressar aonde os outros se encontravam.
Levantou então a espingarda, apontou rapidamente e fez fogo. Uns passos antes que chegasse ao seu destino, aquele canalha caiu no solo, com o crânio desfeito. Os outros voltaram-se.
Um tentou levar a mão à arma, mas não teve tempo para disparar, nem sequer para acabar de tirar do coldre o seu «Colt». Bob irrompeu como um raio e matou-o acto contínuo. Os três restantes detiveram-se na sua ação defensiva. Viram o homem saltar agilmente para o chão e ficar parado diante deles, numa atitude terrível, com um revólver na mão. Os olhos de McCoy percorreram à luz do incêndio o rosto de cada um. Reconheceu imediatamente Sharp e um sorriso cruel apareceu nos seus lábios.
— Atira, Sharp! — gritou.
Mas o bandido nem se mexeu. Apenas moveu os lábios num trejeito estúpido antes que algumas palavras incoerentes lhe brotassem da garganta.
— «Saca» a arma antes que eu dispare contra ti, Sharp! Não é essa a oportunidade que desejas?
—Podes matar-me se o desejares. Não «sacarei».
A indignação do pistoleiro subiu de tom e avançou alguns passos para aqueles três homens, dois dos quais pareciam já contar-se entre os mortos. A mão do vaqueiro descarregou uma pancada formidável no rosto de Sharp, que rolou contra a parede do edifício que tentavam incendiar. Mas levantou-se vagarosamente. Aquilo nem sequer foi o suficiente para lhe inflamar o sangue e para o fazer levar a mão ao revólver e lutar.
— Súcia de cobardes! — troou McCoy. — Tirem as cartucheiras. Não merecem trazer armas.
Os bandidos obedeceram sem replicar, nervosamente, como se imprimissem aos dedos uma velocidade vertiginosa. Sharp, contudo, com um joelho em terra, olhava fixamente para o seu adversário. Foi tirando o cinturão que deixou cair junto dele.
Do outro lado dos currais, Clarck McCoy tivera a lembrança de abrir um largo poço, no qual descobrira uma boa nascente. Bob tinha-se maravilhado com aquela obra e com o belo serviço que aquele poço prestava ao gado e aos habitantes da fazenda. Agora ocorria-lhe uma boa ideia.
Sem largar o revólver, postou-se junto de Sharp, que fez levantar com um brusco puxão.
— Há baldes nesse curral, Sharp. Apaguem o incêndio que atearam. Também vocês, rapazes! Ao trabalho!
O medo parecia ser o melhor conselheiro para aqueles malvados. Sharp, convencido de que a sua vida já não perigava, dedicou-se por completo a um trabalho exaustivo. As chamas tinham pulverizado quase por completo os palheiros, e as madeiras que serviam de sustentáculo da cavalariça crepitavam sob o voraz efeito das chamas. Uma ala do edifício do rancho ardia também, mas neste local o incêndio não parecia ter-se propagado muito.
McCoy contemplava-os sem se afastar um instante sequer de ao pé deles. Os três celerados formavam uma cadeia entre eles. Os baldes entravam e saíam do poço com vertiginosa rapidez, de tal modo que o incêndio que lavrava na ala do edifício em pouco tempo ficou sufocado, extinguindo-se as chamas.
Foi muito mais dura a luta contra as outras edificações, mas, ao cabo de algumas horas, o incêndio desaparecia. Os três pistoleiros estavam esgotados pelo esforço, mas McCoy não lhes deu sequer tempo para descansar e ordenou a um deles que se munisses de cordas. O bandido regressava pouco depois para junto dele trazendo dois laços, com os quais Sharp atou os companheiros. Estes foram depois encerrados numa das dependências do edifício.
— Teria um grande prazer em te esmagar como a um sapo venenoso, Sharp — disse Bob em tom rouco e com os olhos injetados de sangue — mas sempre me causou repugnância matar um cobarde. Vou dar-te uma oportunidade; duas, se o desejares. A primeira consiste em lutares comigo, agora mesmo e neste sítio, mas cara a cara, como poucas vezes o fizeste na tua vida; a segura é mais fácil para ti, porque basta que me leves até ao acampamento de Wells.
Sharp tinha a cabeça inclinada e não respondeu rapidamente. Levantou os olhos para o seu inimigo disse:
— Queres lá ir, McCoy?
—Levaram a minha prima, não é verdade?
— Sim, levaram-na.
—Com que fim?
— Jim Wells quere-a para ele.
—Levas-me lá?
— Sim, embora cometas uma tolice inexplicável. Os Wells, ali no seu covil, são fortes e duros de mais para os venceres.
— Isso não importa.
— Vais expor a tua vida por essa mulher? Sabíamos que tu e ela não andavam de muito boas relações. Disseste-nos uma vez que o seu pai te expulsou deste rancho.
— Questões de família, que não te dizem respeito Sharp. Vai buscar o teu cavalo e vamos!
— Como quiseres. Julguei que não estavas tão louco.
—É possível que o esteja, uma vez que não te crivei de balas. Mas continuo a ter em conta que os malandros têm sempre sorte. Andando!
Sharp regressou em seguida com o cavalo. Bob montou o seu e juntos, apenas separados por uns escassos metros, empreenderam a marcha. Naquela mesma noite seguiram o caminho que levava ao bando.
Bob reparou como Sharp, embora sendo um terrível assassino, um renegado, punha os seus cinco sentidos em cada passo que dava, quando o acampamento dos bandidos já estava próximo. Uma ou duas vezes se deteve, dizendo:
— Wells costuma colocar um homem à entrada do acampamento, mas o que procuras não pode estar lá. O que queres dizer?
— Jim, logo que chegou, mandou fazer uma cabana a um quarto de milha mais abaixo do acampamento, virada para os grandes desfiladeiros. Lembras-te de que ele sempre teve uma, quando nos detínhamos mais de que um mês num local?
— Lembro-me. Mas não quererás dizer que esse canalha...
—É a sua maneira de viver e Buck consente em tudo o que Jim quer. Julgo, rapaz, que não chegaremos a tempo.
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