quarta-feira, 28 de julho de 2021

BIS245.09 Estala a violência

O doutor Ezequiel Martinez tratou de Luís Quintana cuidadosamente. Sabendo do poder dessa família em Corrales, esmerou-se quanto pôde em tratar a perna do ferido, de tal modo que as fraturas, uma vez extintas, não deixassem qualquer sinal.

Por seu turno, Luís Quintana foi-se inteirando dos pormenores que se conheciam da morte de Jorge Palácios. Como Martin, não tardou a concluir que alguém se esforçava por lançar uma contra a outra as duas famílias mais importantes da região. Isto levou-o à convicção — tardia, mas segura — da inocência de Martin Palácios no bárbaro caso da injustificada morte do cabeça de casal dos Quintanas.

— Ouça, Adams — murmurou Luís quando ambos saíram da casa do médico — já ouviu o que eu disse há momentos: não matei Jorge Palácios.

—Ouvi. Aonde quer chegar com isso agora? — perguntou o comissário.

— Deixe-me ir a El Robledal para falar com os meus e convencê-los a acabarem de uma vez para sempre com este maldito pesadelo que ameaça aniquilar-nos totalmente, não deixando vivo nenhum Palácio e nenhum Quintana.

— Ouviu o que disse Craig Larson, não é verdade? Tenho de o levar para uma cela. De outro modo, arrisca-se a cometer uma tolice de que nos arrependamos ambos. Venha para a delegacia e convença o xerife a...

— Não o conseguirei — interrompeu-o Luis Quintana. —Larson é mais teimoso que um burro.

A coxear, Luís dirigiu-se para o local onde estavam os cavalos.

— Monte no do xerife, Quintana. Eu vou no meu e levo pela rédea o de Martin Palácios. E não tente nenhum disparate.

—Pode ajudar-me? Não consigo montar sozinho.

Adams acedeu. Auxiliou-o a subir para a sela. Pouco depois caminhavam para o extremo da rua, dirigindo-se à delegacia, que simultaneamente servia de cárcere.

— Olá! — exclamou Quintana ao entrar no corredor das celas. — Parece que se está bem aqui.

Martin Palácios, pensativo, não respondeu. A morte do irmão nas circunstâncias em que sucedera, preocupava-o de maneira obcecante. Hoskins e Adams, que seguiam Luís Quintana, abriram a cela em frente da de Martin Palácios para encerrarem aí o novo detido. Antes, obedecendo ao mesmo que tinha feito Larson com Martin havia pouco, revistaram-no para o deixarem desarmado.

— Que querem para comer? — perguntou Hoskins.

— Eu não tenho vontade. E suponho que Palácios também não. Mas podem trazer-nos cigarros e qualquer coisa que se beba.

Martin Palácios concordou com um gesto, sem levantar a vista, pelo que o comissário não precisou de lhe perguntar a opinião.

 

*

Enrique Palácios não ficou tranquilo quando viu desaparecer na distância, a caminho de Corrales, o irmão com Luís Quintana, ambos montados no mesmo cavalo.

De Alcântara e seus pistoleiros, os dois sobreviventes da luta em campo aberto, não restava o mínimo rasto. Já deveriam ter conseguido chegar a El Robledal.

Dos outros dois pistoleiros, mortos por Martin, e dos três que pereceram aquando da fuga louca do gado, pouco havia de reconhecível. Os seus corpos e os dos cavalos em que seguiam tinham ficado horrivelmente mutilados com a passagem sobre eles daquela onda de reses embravecidas. Ninguém seria capaz de distinguir um dos outros.

Enrique Palácios ordenou que os enterrassem ali mesmo. Ao anoitecer, mandou os vaqueiros levarem a manada para o rancho e dirigiu-se ele a Corrales. Tinha o pressentimento de que sucedera qualquer anormalidade, pelo menos desagradável. Mas receava algo de muito pior. Jorge combinara encontrar-se com ele, essa mesma tarde, na Charca Grande, e não tinha aparecido. Martin, por sua vez, partira com um dos culpados da desgraça que os atingira e até da luta que se travara havia pouco, uma refrega que originou a morte de cinco homens, um ferido e a perda de vinte e duas reses.

A rua principal de Corrales estava muito iluminada, como sempre, e, até ele, chegaram as alegres e brejeiras canções que se entoavam nos salões e nas cantinas. Apesar disso, em breve notou haver um desacostumado movimento por toda a parte, com grupos comentando fosse o que fosse. Num desses aglomerados distinguiu Lloyd Cormon e dirigiu-se-lhe, como a pessoa que sabia tudo quanto sucedesse na povoação.

— Olá, Cormon! — saudou-o Enrique, sem desmontar do cavalo.

Percebeu Lloyd imediatamente, pelo sorriso do jovem Palácios, que ele devia ignorar o acontecido. Mastigou em seco, antes de corresponder ao cumprimento.

—Olá, Enrique. Anda daí, a beber alguma coisa ao saloon. E no entretanto conversaremos.

«Blackie» Marquês viu-os entrar, com profunda amargura. Apreciava os Palácios, e a morte de Jorge, que já era do domínio público, desgostara-o de modo incalculável.

— Dois copos do teu «veneno», «Blackie» — pediu Cormon.

O taberneiro limitou-se a obedecer, em silêncio, servindo, contudo, do seu melhor uísque.

— Ouve, Lloyd, tu que sabes tudo em Corrales, não me irás dizer o que se passa? — perguntou Enrique Palácios, visivelmente interessado.

—Pois... Enrique... eu não queria... — titubeou.

O jovem Palácios instigou-o a falar:

— Diz depressa do que se trata, Lloyd!

— Bem... como o pedes e como tens de o vir a saber... O teu irmão Jorge morreu.

A crueza das palavras de Lloyd feriu profundamente Enrique Palácios, que estava muito longe de pensar ser aquela a novidade em causa. Num acto reflexo, estendeu os braços e puxou para ele Lloyd Cormon, agarrado pelo peitilho da camisa.

—Não, Lloyd! Isso é impossível!

— Segundo consta para aí, foi obra de Luís Quintana — tornou Cormon.

— Tens a certeza? Eu vi-o quase desde o começo da tarde. E Martin trouxe-o para aqui, ferido.

— Falo pelo que ouvi dizer a Craig. Não sei mais nada ao certo. A verdade é que Luís Quintana e o teu irmão estão detidos na delegacia.

— Os dois? — perguntou incrèdulamente Enrique. —Mas porquê os dois?

— Luís Quintana, acusado de assassínio, e Martin para se evitarem violências da sua parte.

Enrique Palácios bebeu de um só trago o conteúdo do copo, sem poder evitar uma careta de repugnância. Embora do melhor da casa, aquilo era mais álcool puro que uísque de Kentucky.

— Vou falar a Larson. Vens comigo, Lloyd? Se Quintana for culpado...

— Pois vamos. Também quero saber ao certo o que se passou.

Larson tinha saído. Adams e Hoskins estavam de serviço e de vigilância na sala que dava para o corredor das celas.

— Quero ver o meu irmão! — exigiu, mais que pediu, o jovem Palácios, contrariado pela ausência do xerife, depois de o terem informado do que se sabia acerca da morte de Jorge.

— Não é possível — disse Adams. — São ordens perentórias de Larson.

— Martin e Luís Quintana estão incomunicáveis —esclareceu Hoskins. — Volte amanhã quando Craig estiver.

— Vamos, Lloyd — cedeu Enrique.

Seguiu-o Cormon, adivinhando que a aparente calma do outro era como a que muitas vezes precede a tempestade.

— Vou ao rancho. Voltarei a Corrales, mas com mais gente. Esta noite mesmo, os Palácios farão justiça ou serão exterminados.

— Não sejas louco, rapaz! Terias de enfrentar os Quintana que não devem ficar quietos quando souberem da acusação feita a Luis... e as forças da lei. Juntos, são demasiados.

— Obrigado pelo conselho, mas preciso de homens e não de palavras.

Antes que Lloyd pudesse tentar detê-lo ou pelo menos dissuadi-lo, Enrique picou de esporas o cavalo e partiu a galope, desaparecendo na noite. A violência não tardaria a fazer a sua entrada em Corrales. Se Lloyd soubesse onde encontrar Larson...

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