terça-feira, 13 de julho de 2021

BIS088.11 Um pistoleiro que parte, uma mulher sozinha

Quando o pistoleiro descobriu ao longe o rancho de Nancy McCoy, o sol estava bastante alto. Cavalgava com os pés fora dos estribos, apoiado com força ao espigão da sela, quase sem se poder manter erguido sobre o cavalo. Também o animal mostrava o seu cansaço com um forte resfolegar e ambos estavam materialmente cobertos de pó e de suor.

A vista da distante construção pareceu trazer ao ânimo de Bob McCoy novas forças. Roçou o ventre do cavalo com as pontas das esporas e fê-lo caminhar lento, mas em linha recta, para o termo ido destino. Tudo quanto o rodeava se mostrava solitário. Apenas lá ao longe, como pontos negros e cor de chocolate se notavam algumas cabeças de gado que ainda restavam aos McCoy. Esta descoberta fê-lo respirar um tanto aliviado. Os bandidos não tinham voltado desde a noite em que matara vários deles, pondo em fuga os restantes. Mas era provável que a sua presença não se fizesse esperar por muito tempo, segundo tinha podido avaliar pelas palavras de Gregory Croak.

Jim Wells tinha desejos de visitar o rancho. Buck, o «assassino de Nevada», aquele depravado canalha que ele não conhecia e que desejava encontrar frente a frente, auxiliaria a ação do irmão por meio dos nus sequazes. Por todos os sítios por onde tinha passado desde que pisara as comarcas de Dayton e Hawthorne, Buck e os seus homens tinham deixado vestígios. A sua fúria era bem conhecida por todos e a falta de sentimentos no coração tão manifesta como a pontaria certeira das suas armas. Mas Jim ainda estava havia pouco tempo na região para que tivesse podido pôr o seu irmão em guerra contra ele. Apenas sabia que o esperava uma prova muito dura, que teria de lutar corno uma fera se quisesse sair ileso.

Todos estes pensamentos se desvaneceram da sua mente atormentada, quando o cavalo, diminuindo ainda mais o passo, alcançou ais traseiras do edifício. Bob sabia que Nancy não estava em casa, que era difícil que a rapariga pudesse ser surpreendida dentro do edifício. Por isso, afastando-se um pouco da parede de troncos do rancho, gritou:

—Eh, Nancy! Sou McCoy!

Tardaram alguns segundos antes que visse a figura da jovem sair de entre as árvores. Depois a sua voz clara e vibrante chegou até ele:

— Estou aqui, Bob!

Dirigiu o cavalo para junto dela. Depois deteve-se a meio caminho, muito próximo do átrio do edifício e saltou da sela, fazendo um esforço para se não deixar cair no chão. Os olhos dela perscrutavam-no de uma maneira penetrante, mas nenhuma pergunta brotava dos seus lábios. Devia estar a contemplar o rosto d primo, duro, de dentes cerrados num trejeito terrível as mãos crispadas ainda sobre as rédeas do cavalo.

— O que... aconteceu... Bob? — perguntou, por fim, entrecortadamente.

— Melhor será que to diga lá dentro, no rancho, Nancy.

Tinha desaparecido por completo a chalaça, ar de troça de Bob para com a prima, de cada vez que lhe dirigia palavra. Agora, para a própria Nancy, era um homem totalmente diferente, um homem como ela havia conhecido poucos, desde que tinha entendimento. Ele permanecia quieto e silencioso, olhando enquanto se aproximava. Quando estava já próximo disse:

— Venho muito cansado, prima, demasiado cansado. Preciso de tomar um pouco de alento antes de falarmos. Perdoa-me se não sou explícito contigo, mas o que tenho para dizer é demorado.

— Que é feito de Bradley? Onde está? Que se passou?

— Queres seguir-me?

— Não compreendes que estou impaciente? Mataram-no, não é verdade?

Bob desta vez guardou silêncio.

— Dize que o mataram, Bob McCoy! Di-lo!

— Se Bradley tivesse morrido que farias tu ...então, prima?

— É verdade... que... morreu?

Desta vez, vendo que era impossível prolongar mais a cena, respondeu afirmativamente, com um sinal cabeça. Viu-a empalidecer então, crispar as mãos sobre a garganta e afundar depois o rosto entre elas. Estremecendo pelos soluços, agitada por uma pena profunda, rapariga não opôs resistência quando o pistoleiro a atraiu contra a peito e a abraçou, acariciando-lhe a loira cabeleira. Mas aquele momento depressa passou. Separando-se dele, Nancy ergueu a cabeça. Deitou para trás, com energia, a loira cabeleira e exclamou com uma voz que quis tornar segura:

— Mataram o meu pai e agora Bradley, Bob! Agora sei que posso dizer que estou só, que não tenho ninguém!

O pistoleiro esteve a ponto de responder àquela explosão de amargura, mas conteve-se, apertando os lábios. Seguiu-a com passo cansado, lentamente, até chegar ao rancho. Ali ela correu para o edifício.

Bob sentou-se nos degraus da escada, olhou para o horizonte infinito e moveu a cabeça indolentemente, mas nenhuma frase brotou dos seus lábios. Não obstante, recostou-se na escada e os seus pensamentos não paralisaram.

Uma luta terrível desenrolava-se no seu cérebro e no coração. Milhares de ideias desencontradas queriam saltar para o espaço. Ideias que se abatiam logo que outra surgia. Apesar de tudo o pistoleiro foi traçando o seu caminho. Chegou a uma conclusão que o espantava a ele próprio, que lhe parecia tão impossível como chegar às estrelas com as mãos. No entanto, um pouco de razão penetrava na sua mente e também um pouco de sentimentalismo que parecia ter-se perdido para ele renascia de novo na sua alma.

Sentiu-se mais alegre que nunca e até mais homem que em outras ocasiões. Mas não se lhe ocultaram as dificuldades daquela determinação que tomava nem os enormes perigos que daí resultavam. Quando a jovem apareceu diante dele, Bob tinha-se lavado e mudado de roupa. Também o cavalo estava na cavalariça, gozando de uma abundante ração. Nancy olhou-o por um segundo e disse:

— Lamento ter-me esquecido de que estás cansado e faminto. Queres vir à cozinha?

— Não deves preocupar-te comigo, querida prima.

Ela não fez caso algum da graçola, da troça daquelas últimas palavras. O seu ânimo não estava como das outras vezes. As suas feições denotavam muito do estado de alma em que se encontrava. Bob comeu abundantemente e depois deitou-se entre as árvores.

Já a tarde estava bastante adiantada quando., regressou ao rancho. A prima, sentada numa cadeira perta das árvores próximas do pátio, passava em revista o livro das contas. Fechou-o quando o pistoleiro se aproximava.

— Vim despedir-me — disse secamente McCoy.

— Partes? — perguntou ela, no mesmo tom olhando-o fixamente.

— Sim.

—Melhor seria que não tivesses vindo.

— Vou com o gado, Nancy. Não pensei abandonar o meu trabalho.

— Depois do que se passou com... Bradley?

— O que aconteceu a Bradley foi um acidente. Um homem pode viver uma época turbulenta, pode assistir a uma guerra terrível e sair ileso. Mas num dado momento vem a morte, sem dela se aperceber, da maneira mais idiota, como se ela quisesse rir-se do homem que se tinha julgado, invencível. Bradley tinha triunfado aqui, ao lado do teu pai, ao teu lado e dos vaqueiros do grupo. Sei que tinha lutado muito e bem, em duelos de morte quase todos os dias. E agora mataram-no quando ele...

— Porque paras? Como o mataram, Bob?

— Não sei. Apenas me disseram que se defendeu até à morte.

Foi uma mentira que fez iluminar o rosto da rapariga.

— Sempre disse que não o apanhariam com as mãos paradas. Sempre tive a certeza de que o matariam a combater, como combateu tantas vezes por ele e por nós. Mas isto não tem nada que ver contigo. Bob McCoy. O meu pai foi morto, assassinado, e Bradley seguiu-lhe a sorte. Agora toca-te pela porta... se ficares. Há cavalos na cavalariça... e podes levar o que desejes. Levar-te-á para muito longe deste lugar. Disse tudo isto com lágrimas que teimavam em brotar dos seus olhos.

— Se eu partir, que farás tu?

— Não deves preocupar-te comigo. O essencial é que não exponhas a vida, que não te aconteça nada. Ao fim e ao cabo, tu és um empregado que esperava cobrar um bom prémio. Esse prémio é agora muito difícil de pagar, não poderei pagá-lo nunca mais. O melhor é que te vás, que não voltes aqui.

— Mandas-me embora?

— Tu és como eles.

— Obrigado pelo cumprimento, prima. Mas fui contratado para...

— Para matar -- atalhou ela. — Para matar, como eles matam. Eu não pago a assassinos, compreende, Bob?

— Logo, portanto... sou um assassino.

—És um bandoleiro como eles, um ser cruel. Não quero ficar a dever a minha fortuna nem a minha salvação sequer a uns revólveres manejados como num jogo. O meu pai, Bradley e os vaqueiros, que durante anos nos serviram, lutaram com honradez. É isto que marca sempre no rancho dos McCoy: honradez. E tu não és um homem honrado.

— Talvez possa ainda sê-lo algum dia, querida prima.

—Nunca o serás, Bob.

— Conheço os homens. Conheço os rufias.

Bob conservou-se silencioso. Aquela pequena estava maravilhosa. Aferrava-se-lhe a ideia de combater contra os seus inimigos, sem necessidade de deitar mão das baixas manobras utilizadas pelos seus adversários. E queria que o homem que a ajudasse fosse como ela.

Começou a andar para a cavalariça. Estava quase em perfeita condição física, depois daquele descanso de muitas horas entre as árvores e não o atemorizava a ideia de cavalgar novamente.

Penetrou no recinto destinado aos cavalos. Procurou entre todos um branco, de formosa estampa, que já tinha montado noutras ocasiões e de que conhecia a velocidade e grande resistência física. Aparelhou-o convenientemente e depois saiu com ele seguro pelo freio.

Nancy viu-o montar o cavalo e afastar-se alguns metros em direção à grossa paliçada. Ela levantou-se então, tentando chamá-lo. Mas o orgulho, aquele orgulho duro que sempre apagava nela as suas melhores ideias e sentimentos, venceu-a. Bob esporeou o cavalo quando entrou em terreno livre, lançando-o a galope. Um pouco mais tarde, desaparecia atrás das pequenas elevações de terreno que bordejavam o vale, deixando atrás de si -uma espessa cortina de fumo. Nancy cobriu o rosto com as mãos. Alguns soluços oprimiram-lhe o peito. Mas logo se refez, lutando contra a sua brandura e exclamou:

— O meu pai não teria necessidade de ninguém! Nem eu tão-pouco!

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