sábado, 4 de julho de 2015

PAS491. Encontro com a traição

Alex ouviu toda a história. Era uma história breve, mas horrenda. A história dum crime repugnante, de uma ferocidade animal, selvagem. Na implacável selva do Oeste, um homem inexperiente, jovem e confiante, tinha sido vítima dessa ferocidade sem limites. O seu dinheiro e a sua vida, esterilmente perdidos numa noite de loucura. Vigarice evidente, mas por sua vez diabólica.
— Os seus nomes, Sheylander — exigiu, sem se mover da rocha em que estava sentado, naquele lugar escuro, rodeado de vegetação e onde não era fácil que alguém os encontrasse.
August Sheylander lívido, e tremendo de medo, soluçava diante dele, terminado o relato da noite inolvidável, trágica.
Alex voltou a perguntar:
— Os seus nomes, Sheylander. Esses quatro nomes... a troco da tua vida.
— Meu Deus, matar-me-ão por isso...
— E se não o fizer, mato-o eu. A minha ameaça é muito mais próxima que a deles. Desejo esses nomes acima de tudo. Os quatro nomes. E sem mentir, ou voltarei a procurá-lo, para acabar consigo, onde quer que esteja.
— Não lhe servirão de muito, Brampton — gemeu August. — Dispersaram-se, ignoro para onde foram, nunca mais soube nada deles... E alguns mudaram de nome depois de... daquela noite. Talvez todos tenham outro nome.
— Não importa. Os seus verdadeiros nomes, os que tinham naquela noite, é o que quero. O resto, procurá-los, saber o nome e paradeiro actuais, é tarefa minha. Tenho muitos anos para isso. Muitos. Alex Brampton nunca teve pressa. A minha vida não tem outra finalidade nem objectivo. Não tenho fortuna, nem família, nem casa, nem qualquer pessoa querida, Sheylander. Sou uma máquina... Uma máquina de matar. Quando o último dos quatro tiver caído, então terá acabado a minha razão de viver.
— Nao se pode viver só para isso, Brampton.
-- Eu posso. Vamos, Sheylander, a minha paciência esgota-se. Esses nomes. Os quatro nomes.
August respirou fundo. Era inevitável. Teria de atraiçoar o pacto, dizer os nomes.
Entre morrer daí a uns anos, às mãos dos atraiçoados, se chegassem a ter conhecimento, ou às mãos daquele «Nemesis» terrível e sem sentimentos humanos, que matava para cumprir a sua vingança fria e impiedosa, era melhor saída a primeira. Depois duma pausa, começou:
—Um era Randolph Adams... Louro como você, mas de cabelo muita ondulado, olhos cinzentos, e que tem agora uns quarenta anos...
— Vá: Randolph Adams, o primeiro.
— O outro era... Eli Cripton... Dizem que foi ele quem disparou. — Notou a contracção das faces do jovem Continuou apressadamente: — É muito calvo, cabelo castanho, com uma barba ponteaguda, olhos muito juntos... uns trinta e cinco anos...
— Eli Cripton, o segundo... Com tratamento especial. Continue, Sheylander.
 — Estava também... David Marsh, o jogador profissional. Ele dirigiu tudo... e ganhou o dinheiro ao seu irmão. Um tipo frio e duro. Moreno, de lábios delgados e negros, olhos perfurantes. Jovem, tem agora uns trinta e oito anos...
— David Marsh, o jogador... -- os olhos de Alex brilharam. — Já ouvi falar dele. Esse não mudou o nome, é audaz. Tem também um irmão famoso...
- Sim, Irwin Marsh, o pistoleiro. Na altura não estava cá. Irwin é mais novo e actua longe de Kansas. Mas são irmãos. Bem, não me interessa Irwin Marsh. Quero o outro, o quarto nome.
— Bem, esse... era Sinclair Edison. Não era tão mau como os outros.
— Mas estava ali, assistiu ao crime, e levou a sua parte, não?
- Eh... sim — teve de admitir Sheylander. — Não de boa vontade, mas teve de fazê-lo. Ele era hábil com as cartas, sabia bem como fazer batota. Fez a vigarice final segundo me parece, quando o seu irmão perdeu com um «poker» de ases...
— Um «poker» de ases! — Alex lembrou-se: quatro cartas amarrotadas, sujas de sangue, quatro ases... Era a mensagem póstuma de Garry e não uni talismã de jogador.
— Sim. Mas assustou-se muito ao vê-lo morto, culpou-os disso. Parecia arrependido, sabe?
— Arrependido! — uma amargura cruel exteriorizava-se na repetição cínica da palavra. — Nenhum deles sabia o que era isso. Como é, fisicamente, esse batoteiro hipócrita?
— É o mais alto de todos. Louro, cor de palha, quase albino, de cabelos curtos, olhos claros e expressão aturdida... É inteligente e sagaz. Coxeia ligeiramente da perna direita. Uma recordação do seu tempo de vaqueiro. Tem agora os seus cinquenta anos, mais ou menos.
— O último da série. Só pela sua batotice final merece a morte, mesmo que não fosse cúmplice de tão repugnante crime. Garry era um adolescente, quase um rapazote...
--- Você não será muito mais velho do que ele era então... — aventurou August.
— Mas sou diferente. Cresci noutro ambiente, com outras ideias... e com uma missão diferente na vida. Bem, Sheylander, deixemos isso. Espero que não me tenha mentido.
— É toda a verdade. E só Deus sabe o que me custou dizê-la... e o que isso me poderá custar.
— Exactamente o que lhe teria custado não a dizer. Alex pôs-se de pé, guardou o revólver e olhou por alto o obeso homenzinho. — Agora, volte para o casino.
—E tenho que voltar a pé para Dodge? -- gemeu August. — São quase três milhas.
— Isso fá-lo-á emagrecer um bocado, que bem lhe faz falta. Adeus, Sheylander. Reze ao céu para que nunca nos tornemos a ver. Seria mau sinal para si.
Separou-se, subiu para o cavalo e afastou-se lentamente, em direcção contrária a Dodge.
Sheylander pensou no mau que poderia ser, no fundo, o homem mais perigoso e duro do mundo, quando uma paixão o cega até ao ponto que cegava aquele homem, o seu ódio implacável contra os assassinos do seu irmão. Nem sequer tinha verificado, enquanto ele fora seu prisioneiro, se ia desarmado. Não tinha prestado atenção a isso... e esse fora o seu grande erro.
August Sheylander não queria matar. Mas pensou na traição que cometera. No resultado que esta lhe traria no futuro, quando eles soubessem... David Marsh viria matá-lo, ainda que fosse a última coisa que fizesse na vida. O próprio Eli Cripton...
O proprietário do casino de Dodge puxou do seu revólver, um pequeno «Cofie» de 38, oculto debaixo do colete de fantasia, estampado. Levantou-o lentamente, até apontar as costas do cavaleiro que se afastava, na senda da sua vingança, bem desenhado pelas estrelas sobre o chão verdejante.
Disparou sem pressa, seguro do alvo. O corpo humano oscilou na sela. Sheylander tinha boa pontaria e Alex Brampton fora atingido. Não obstante, alguma coisa falhou. Talvez a firmeza de pulso, alterada pelo medo animal de August. E a ferida não foi mortal.
Alex sentiu a sua mordedura quente e traiçoeira um pouco abaixo do ombro. Umas polegadas à direita... e teria sido fatal. Raivoso, rodou sobre a cintura, na sela, dominando a dor e a sensação de vertigem que lhe produzia aquela ferida dolorosa. Tinha feito coisas assim, na guerra, em piores condições que agora. A sua mão, empunhando o revólver, voltou-se para Sheylander, que, consciente de ter falhado, voltava a engatilhar desesperadamente a arma, para repetir o tiro, agora sem erros.
Brampton não o deixou terminar. A bala saiu certeira, sem tremores de pulso e sem errar o alvo. Penetrou na testa de August, como antes na de Burt, seu gerente, perfurando-lhe o cérebro e a massa encefálica. Alí, na escuridão do campo, morreu obscuramente August Sheylander, vítima de uma traição que cometera, como tantas outras que esmaltavam a sua vida. Só com a diferença de que esta tinha sido feita a Alex Brampton.
E Alex Brampton não perdoava. O perdão não figurava no seu código de honra. Devagar, sem se voltar para o cadáver estendido sob as estrelas, Alex seguiu para diante, afastando-se de Dodge City, primeiro passo na rota a empreender para vingar Garry.
Aonde e quando seria preciso dar o seu segundo passo?

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