sábado, 11 de julho de 2015

PAS502. A morte em glória do pistoleiro Budy King

— Vou sair e espero-os na rua. Se são homens, aceitarão o desafio. Só os cobardes voltam atrás nestas terras.
— Vou... — gritou, colérico, o violento Grapes.
— Cala-te! — atalhou Luker Farson. — Quero ouvir o que o velhote leva dentro do papo. Para diante. Despeje o saco.
— Luta cara a cara. Estarei no passeio oposto, diante da taberna. Deixarei sair os seis. Então, tratem de vender caro as vossas vidas, porque atirarei para matar.
— Fala a sério?
Budy escorropichou o copo de genebra e deixou-o sobre o balcão. O estupefacto Pitchman recuou, esbarrando numa prateleira que limitava o seu retrocesso.
— Eles... queimar-te-ão, Budy -- balbuciou. — Não poderás com os seis.
— Talvez. Mas o lixo que eu deixar será varrido pelo homem que há-de vir atrás de mim.
— Quem? — gritou Luker Farson. — Não guarde nada no bolso do colete.
— Já lhe disse. Um homem. Só pretendo evitar-lhe um pouco de trabalho... porque não está acostumado a tratar com a escória da humanidade.
Cinco mãos nervosas procuraram as coronhas. Budy não se mexeu, aparentando uma frieza capaz de deixar sem alento o mais valente. Luker Farson, erguendo os braços, evitou que a história do velho pistoleiro acabasse ao pé de um vulgar balcão de taberna.
— De acordo -- disse. — Saia daqui.
— Não demorem — pediu Budy.
-- O tempo apenas para que encomende a sua alma ao diabo.
Já estava feito, simples, primitivo, típico da época e da terra em que viviam. Um duelo ao uso antigo, como tantos outros que se haviam travado para anular rivalidades entre profissionais do revólver. Wess Harding, Ben ThomPson, John Ringo, Wild Bill Hickock, Billy lhe kid e até o ignóbil Jess James, tinham passado pelo crisol onde se fundiam os violentos impulsos do Oeste. Encontros a tiro num «saloon», numa estrada ou numa cidade inteira, como acontecera em Tombstone com os Earp e os Clanton, onde morrera com as botas calçadas o também famoso Doc Holliday. Budy King era um produto dessa época, uma relíquia do passado, que se salvara da destruição e que punha em prática o sistema suicida que nunca falhava.
Aspirou o ar que lhe parecia agora frio, em contraste com o morno que predominava no «County Saloon», e atravessou a rua. Yegua Cily continuava adormecida. Um indício de sol despontava no firmamento, clareando a noite. Amanhecia. O último amanhecer da sua vida. Quando alcançou o passeio oposto, deteve-se em frente da entrada da barbearia de Zachary Castle e dedicou um carinhoso pensamento a Jess Sylvan, que depressa teria notícias suas.
O pensamento não foi limito longo, pois a quietação enevoada do alvorecer foi cortada pelo arrastar de pés e pelo bater da porta da taberna. Um, dois, três... Sim. Ali estavam os seis; separados, vigiando os seus movimentos, as mais pequenas reações de um ancião que nessa altura, inexplicavelmente, se sentia vinte anos mais jovem.
Menos de dez metros constituía a largura da rua, o que vinha a significar, noutros termos, que as balas não seriam desperdiçadas. A conversa na taberna servira-lhe para classificar os mais impulsivos do bando. Neles, especialmente, fixou a atenção. Grapes situava-se próximo de um poste. Westay, apático, tinha um pé apoiado numa travessa do varandim e o cinismo brilhava nas suas avermelhadas pupilas de alcoólico. Estavam ali os escolhidos, para iniciar a luta.
— Vamos, «Noé» — disse Pineshead. — Não vais voltar atrás agora, não é verdade?
— Pronto, Luker Farson? — perguntou Budy King contraindo-se paulatinamente.
— Sim. Garanto-lhe que a luta será nobre. Mas, a atirarei a matar.
— Também eu... Adiante, pois!
Seis contra um e falava-se em nobreza! Nem ninguém contava com ela o o grito de Budy foi o clarim que decidiu a batalha. O mesmo clarim, nefasto, que soara em Tascosa, Dodge City, Tombstone, Abilene e Paso, quando a violência saturava as históricas povoações. As enormes mãos de King agarraram as coronhas e os compridos «44» vomitaram um jacto ardente por cada boca. Dois tiros, não teve tempo para mais, porque uma erupção de chumbo chegou do passeio defronte enquanto a cortina de pólvora rivalizava com as brumas matinais. Foi uma salva atroadora, de bateria artilheira, que abalou Yegua City como um tremor terra, mas marcou, paradoxalmente, o primeiro para a sua libertação.
Grapes era tão rápido que o seu tiro atingiu o velho por cima do coração e não teria feito falta
Mais nenhum para o eliminar. O projétil cortou a artéria e Budy quase estava morto quando os seus indicadores apertaram os gatilhos. Mas, também Grapes, apesar da rapidez, recebeu um chumbo idêntico, mas que em, vez de ser por cima, se cravou no centro da sua víscera. O impulso empurrou-o contra o poste, permanecendo de pé uns segundos, embora cata o olhar perdido no infinito.
Cinco metros à sua direita, dobrando-se sobre o varandim, Westay gemeu e deixou sair o revólver que empunhava. O sangue gotejou junto das suas botas em grandes manchas, desiguais e vermelhas, quando caiu de joelhos. Depois, sem mudar a cínica expressão que a sua última careta tinha exteriorizado, estatelou na rua poeirenta o seu corpo sem vida.
No passeio, os quatro homens que engatilhavam fumegantes revólveres voltaram a disparar contra a massa de carne que se negava a cair, a terrível anão chamado Budy King, e a mão direita assinalada pelo tufo de pelos afrouxou os crispados dedos, soltando o «44». A esquerda, apertada, reteve a coronha apesar de o seu pequeno corpo se ter precipitado de bruços no portal da casa de Castle e a sua alma, odiada por todos os habitantes de Yegua City, voara já para a terra da verdade.
— Toma, toma, toma... — gritou o texano Pineshead, disparando a arma até esvaziar o tambor contra a encolhida figura. — Maldito velho intrometido!
— Já basta! — rugiu, pálido, Luker Farson. — Estás esburacando um morto, Pineshead!
— Ele despachou-os, chefe! Não reparaste ainda? Westay e Grapes perderam a vida!
— Já sei! — Luker enxugou a testa com uma manga. — É inacreditável o que se passou! Um homem só... por pouco acabava com metade do nosso grupo.
— Era Budy King — murmurou Kinglatt, guardando o «Colt.». -- Tinha ganhado bem o seu prestígio. E cometemos o erro de vender a pele antes de matar o bicho.
— Preciso de beber qualquer coisa — disse Luker.
—  Sim, chefe. Necessitamos de nos tonificar — acrescentou Collier. — Estou gelado. Pobre Westay! Não voltará a chamar-me imbecil...
— Que fazemos aos cadáveres?
— Mais tarde se pensa, Kinglatt -- respondeu o chefe. — Agora, tenho de refletir... e beber uns copos. Não quero acreditar que seja verdade.
Pineshead carregava de novo a arma olhando de modo assassino o fardo crivado de tiros que formava Budy, ao pé da barbearia. Realmente, teria decorrido apenas um minuto? Luker deu meia solta e penetrou no «County Saloon», afastando o trémulo Pitcheman com um empurrão. Collier e Kinglatt seguiram-no imediatamente. Só o texano, proferindo blasfémias, se entreteve a contemplar os rostos lívidos de Westay e Grapes. Por último, aborrecido, entrou também de rompante na taberna.
Havia já amanhecido. O sol luminoso e áureo vertia o seu calorzinho inicial por sobre Yegua City. Um novo dia. Três vítimas para o começar, como simples amostra do que se seguiria depois. As janelas Abriam-se caras sonolentas espreitavam, receosas, uma após outra. Budy King, ou antes, o seu cadáver, continuara a sorrir. Era o sorriso plácido e feliz de um homem liberto de dívidas.

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