domingo, 12 de julho de 2015

PAS504. Os três ensinamentos de Budy King

Na rua, atento ao menor indício, Jess Sylvan ergueu a espingarda e aguardou. Tinha a certeza de que aqueles canalhas faziam combinações. A um lado da taberna, presos à barra de madeira, os cavalos escarvavam empurravam-se mutuamente, tornados pela inquietação Eles representavam a grande chave da luta e tinham o papel mais preponderante se os forasteiros tinham pensado em os utilizar para fugir.
De repente, fazendo fogo da janela e por cima das portas batentes, os revólveres enviaram um jato avermelhado de chumbo. Jess sabia que ainda tinha quatro cartuchos no depósito e que, quando a luta se reduzisse a um encontro cara a cara, a espingarda só poderia servir-lhe de estorvo porque a mobilidade teria tanta importância como a própria pontaria.
Levantou a «Henry» e respondeu ao pistoleiro que defendia a janela. A bala aqueceu o ar junto ao rosto de Collier, que retrocedeu, gelado de espanto. Em seguida, Jess gastou dois tiros para manter quieto o da porta, mas Kinglatt, mais endurecido, aguentou a carga e não cessou de premir o gatilho.
Tinha disparado onze vezes e só um cartucho estava agora introduzida na câmara. Pensava nisso, casualmente, quando unia espécie de bólide humano saltou para debaixo do alpendre e se escondeu com o varandim. Era Pineshead, que acompanhou a sua presença com uma salva de balas.
Luker Farson, como um raio, saiu atrás dele. Dois homens na rua! As coisas mudavam de aspecto!
Luker Parson disparava também, mas a sua maior preocupação consistia emi encontrar um abrigo seguro. O vão de uma porta, a falta de melhor, serviu as suas aspirações. O texano Pineshead, pelo contrário, tinha sangue de lutador dentro das veias e fez frente a Jess com inaudito arrojo. Os «Colts» calibre 45 cantaram uma ruidosa melodia atrás do varandim. Sylvan apontou a arma e disparou para o estômago, porque aos seus ouvidos parecia ecoar, persuasiva, a voz pausada de Budy King:
#1
«— Pensa no coice quando disparares com arma comprida. Aponta ao peito se queres atravessar a cabeça e aos joelhos se te interessa o estômago. É simples, Jess. Basta calcular o impulso que obriga o cano da arma a levantar.»

Budy estava morto, sim, mas os seus sábios conselhos ainda continuavam latentes. Como teriam sido inúteis as armas de Jess sem as suas pacientes lições! O velho pistoleiro de Yegua City soubera inculcar os conhecimentos, fruto da experiência, no discípulo que o Destino pusera no seu caminho e, agora, precisamente então, davam a justa recompensa. Quando apontou a Pineshead, consciente de que ia disparar o último tiro da espingarda, fê-lo apontando ao estômago.
Devia, em boa teoria, meter-lhe o projéctil no peito. A «Henry» encabritou-se, expeliu um penacho de fumo e Pineshead, inclinando-se para o lado, tombou com o coração perfurado por uma bala demasiado dura para se achatar contra o palpitante e frágil órgão. A morte foi coisa tão instantânea que não deu tempo a lamentar-se por ter seguido as ordens do chefe ao pé da letra.
— Matou Pineshead! — arquejou Colher, empalidecendo. — Isto é um desastre!
— Deixa de grunhir! — replicou Kinglatt, apontando o revólver e reatando o tiroteio de proteção. Faz qualquer coisa prática, em vez de te lamentares como uma mulher.
Luker Farson, agachado no vão da porta, sentiu imenso ódio pela sorte imprevista que acompanhava Sylvan. As suas armas despejavam torrentes mortíferas e Jess só teve tempo para se ocultar atrás da parede dos Correios. Ouviu assobiar as balas mais próximo do que nunca, ávidas de se cravarem em carne humana. A 'emoção dominava-o e teve a certeza 'de que o espírito de Budy continuava a seu lado, aprovando a temerária tática, no estilo do Oeste selvagem. Em Kansas, já não se atreveriam a dizer que Yegua City era uma terra de cobardes. Pousou a espingarda no solo e puxou, rápido, do «Colt» de seis tiros.
— Kinglatt! — gritou Luker Farson, com voz de comando. — Preciso de ti!
Sim necessitava de ajuda. O odioso salteador, proscrito e assassino, quo se julgava poderoso, reclamava a assistência de outro dos seus esbirros. Um a um, apagados do número dos vivos, iam desaparecendo todos aqueles que o haviam ajudado a prolongar o seu poder. Porque os malfeitores precisam de mais ajuda que qualquer homem honrado, para manter a sua auréola de terror. Westay, Crapes, Pineshead.... metade do invencível bando derrotado pelos inofensivos habitantes de Yegua City! Uns «novatos» mais experimentados que pistoleiros profissionais! E isso sem contar com Hammer, que fora a primeira baixa!
Jess carregou no gatilho e fez girar o bem oleado tambor. Uma bala arrancou estuque da parede e Luker começou a perceber que o seu abrigo não oferecia segurança. Os cavalos, relinchando e dando coices, apenas a quinze metros de distância, pareciam mais longínquos o inacessíveis que nunca. Saltou de lado e procurou alcançar a esquina oposta.
Na rua, havia probabilidades de se esconder, até poder responder à ofensiva do adversário. Outra bala riscou a fachada, perseguindo-o atrozmente. Jess Sylvan, empunhando o revólver na mão direita e escutando as instruções de Budy, que ressoavam no seu espírito, abandonou os Correios e colocou-se, desafiante, no meio da rua.
#2

«— Há uma forma de matar pássaros a tiro — dizia a voz. — É fingir atacar o que foge... Mas, recebendo de surpresa o que chega em seu socorro. Pensa nisto, Jess. Parece difícil, mas a prática o ensina. O que foge não vai causar-te dores de cabeça. É o que chega quem tem mais oportunidades. E também o que foge confia no que chega. Um jogo duplo, percebes? Agora, Jess, volta-te! O outro deve vir aí!»

Budy King tinha razão. Era velho e todos sabem que o diabo dá mais que pensar por ser velho que por ser diabo. Jess Sylvan voltou-se, velocíssimo, e desco-briu o encolhido Kinglatt, com um revólver em cada mão, surgindo do «Countv Saloon» e procurando loca-lizar Luker Farson. Esperava tudo, absoluta-mente tudo, excepto um inimigo a dez metros dele, atento à sua sa ida.
Um cálculo lógico obrigava-o a pensar que Jess cor-reria atrás de Luker Farson. Mas, a lógica de Budy não se cingia a padrões e por isso chegara a pentear os seus cabelos brancos, enquanto outros pistoleiros que se julgavam mais inteligentes, tinham morrido novos, quase sem se aperceberem.
— Já aqui estou chefe!... — começou imprudentemente a gritar Kinglatt.
Pum!...Pum!... O «Colt» de Jesse Sylvan chamejou duas vezes uma apontando alto e outra baixo. Se alguma das históricas celebridades no manejo das armas tivesse podido vê-lo, teria sorrido de satisfação, porque aqueles tiros infalíveis possuíam o selo do pistoleiro exemplar. A primeira bala despedaçou a testa de Kinglatt, atirando-o de cabeça para trás, e a segunda, diabólica, atravessou-lhe o peito do lado esquerdo. Qualquer das duas era definitiva. Kinglatt tropeçara no invisível fio da morte e apenas pudera dar-se conta de que morria às mãos de um homem mais novo que ele, mais neófito no ofício e mais, muito mais digno em todos os aspetos. O homem que estava a vingar a humilhação sofrida por toda a cidade!
#3
«— Olha o que foge, Jess! — avisou a voz interior. — É a altura de te lembrares dele! Repara que volta confiadamente a cabeça! Já mordeu a isca!».

Sim. Budy King era o mestre perfeito, o catedrático que ensinava e preparava para o triunfo, porque a sabedoria colaborava solidamente com a sua intuição. Luker Farson acabava de atingir a rua quando os estrepitosos tiros soaram aos seus ouvidos como música celestial. Tinha ouvido a advertência de Kinglatt, o matreiro bandido pouco falador, e não teve a menor dúvida de que eram os seus revólveres e não o de Jess que tinham disparado a matar. Era um equívoco que precisava de retificação.
— E caçaste-o, Kinglatt - suspirou, entusiasmado.
Ao voltar-se para contemplar à vontade a obra do outro, seguro de que nada podia temer, só viu, muito direito sobre o pó da rua, um sujeito alto, de chapéu branco e safões de vaqueiro. Os dois antagonistas, como que pondo em prática urna cena muito ensaiada, descobriram-se ao mesmo tempo e, também simultânea-monte, dispararam as armas.
Jess fez fogo uma vez, só uma. Luker Farson, pelo contrário, queimou vários cartuchos... embora nenhum projétil chegasse bastante perto para inquietar o rancheiro. Foi um duelo frente a frente, nobre, digno remate de uma luta sustentada em desiguais condições. Mas, ganhou o melhor, o mais certeiro, o que defendia a justiça contra a violenta injustiça da barbárie irreprimível. Um tiro seco, matemático, que entrara por um pulmão e saíra pelas costas.
Luker, abraçado a si mesmo, enroscou-se no ar e disparara para o chão, erguendo nuvens de poeira. Depois, muito devagar, interminavelmente, caiu de joe-lhos, abrandou a queda com os cotovelos e chocou com o solo. Ali, agonizando, crispou as mãos e ainda disparou nova bala desorientadora que singrou em ziguezague até junto das espantadas montadas, que ferviam de impaciência.
Luker Farson, o chefe, estava morto. Yegua City tinha ganhado a batalha!
— Obrigado, Budy, — sussurrou Jess. — Obrigado por tudo.
Um silêncio irreal, após a tormenta ensurdecedora, caiu sobre a rua. Relinchos de cavalos, coices, sol e pólvora dançando no ar. Sim, era este o panorama, não obstante o qual reinava o silêncio como jamais Jess Sylvan o conhecera no povoado. Tinha ganhado a luta e o seu espírito acabou por se convencer.
 

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