quarta-feira, 3 de agosto de 2022

CLF048.12 O segredo de uma mulher

Duas semanas depois voltou a si. Junto do leito, a figura pálida de Marah.

Mac Gregor contemplou aqueles olhos. Depois olhou à sua volta, como um homem que acaba de chegar de muito longe e não acredita encontrar-se entre o número dos vivos.

Ela também o observava atentamente; por isso quando ele abriu a boca para falar, a rapariga tapou -lha com a mão, dizendo:

— Cale-se, senhor Mac Gregor! Ou vou-me embora daqui.

O tom da sua voz podia dizer-se que era duro, mas o seu sorriso desmentia-o. Mac Gregor calou-se quando ela lhe retirou a mão da boca. Mas os seus olhos continuaram a fazer um mais não acabar de mudas perguntas.

Então Marah Stivens contou-lhe tudo o que acontecera na cabana. A morte de Kennedy às mãos de Pancho Suárez e por sua vez a morte deste às mãos do cacique. Depois a intervenção final de Burton e Marty. De como o retiraram da cabana meio agonizante para o transportarem para o «Três Barras», lugar onde se encontrava havia duas semanas, para acabar dizendo:

— Foi..., foi qualquer coisa de horrível quando o... levaram. No peito..., seis tiros senhor Mac Gregor. E... era uma mulher..., querido.

A última palavra escapou-se-lhe da boca, e ao dar por isso afogueou-se-lhe o semblante. Mac Gregor fingiu não reparar. E como nada dissesse, Marah continuou:

— Eu... Oh! E o senhor... O senhor sabia-o!

Com aquela afirmação a rapariga levantou-se olhando-o intensamente. Parecia ter esquecido os seus primeiros propósitos de o não fazer falar. Agora a expressão dos seus olhos delatava uma curiosidade sem limites. O seu desejo de saber imperava nela mais do que qualquer outro sentimento. Voltou-se para perguntar num sussurro, como temerosa de alguma coisa que não podia definir em concreto e que, no entanto, pressentia.

— Sabia, não é verdade? Por isso não a quis matar? Mas... porquê?

Mac Gregor fechou os olhos. O ricto da sua boca juntamente com a palidez do seu rosto ressaltavam por demais dolorosos para a rapariga, que continuava a olhar para ele. E ao verificar isso, Marah inclinou-se sobre a cama a fim de evitar agora qualquer resposta. Mas não chegou a tempo! Mac Gregor respondia:

— Sim, Marah. Uma mulher. Katty Kennedy de solteira. Katty Mac Gregor, de casada. Era minha mulher, Marah Stivens!

O esforço realizado para falar, pareceu deixá-lo completamente esgotado visto que cerrou os olhos. Mas Marah não via agora nada disso; com as mãos sobre o busto trigueiro e juvenil, como querendo abafar o descompassado latejar do seu coração, o rosto lívido como de uma morta, retrocedeu de costas.

Junto da parede continuou a olhar para Mac Gregor Depois falou com voz conturbada pela comoção:

— Oh! É... horrível!

Cambaleou preste a perder os sentidos. É que ela acabara de compreender de um instante para o outro todas as coisas que até então se lhe deparavam inexplicáveis!

Mac Gregor não respondeu e ela saiu da dependência. Voltou no dia seguinte. Mas não pôde saber mais coisa alguma. Pelo contrário. Teve de se desfazer em explicações contando ao jovem o que acontecera no rancho da agora Katty Mac Gregor. De como nem um único dos peões oferecera resistência assim como os empregados dos estabelecimentos de Cheyenne.

Relatou que os dois últimos pistoleiros às ordens desta, tinham sido mortos por Sutton e Sinclair. Que estes tinham ficado feridos com alguma gravidade, mas que se restabeleceriam depressa.

Quinze dias depois, Marah não sabia ainda daquela estranha e incrível história. Foi precisamente naquela tarde ao regressar de uma das suas viagens a Cheyenne.

Chegou até junte do alpendre do «Três Barras» conduzindo o ser lindo «Sulky».

Mac Gregor estava sentado sob c alpendre numa atitude de quem a estava a esperar. Apressou o passo até chegar junto dele, que se levantou para a saudar. Um estranho e incrível muro parecia ter-se entreposto entre os dois visto que as primeiras palavras saíram frias, como as que tinham dirigido um ou outro depois que Mac Gregor tivera aquela confissão.

Depois do cumprimento, Marah relatou como marchavam os negócios em Cheyenne. Mac Gregor escutou-a atentamente até ela acabar. Depois pediu-lhe um tanto secamente.

— Acompanhe-me ao escritório, Marah.

Ela seguiu-o sem dizer palavra, mas adivinhando que o momento crucial chegara. Já dentro, Mac Gregor apontou uma cadeira e a rapariga sentou-se olhando para ele.

— Vou-me embora de Cheyenne, Marah —começou o jovem — na gaveta do meio da secretária encontrará amplos poderes no que a si se refere. Em Cheyenne e no «Três Barras» porá e disporá com a mesma liberdade como se fosse eu. Pode... pode vir viver para aqui... se assim quiser.

Mas tudo aquilo não interessava à rapariga. Mas sim apenas que ele se ia embora.

— É... é muito trabalho para uma mulher — respondeu — e... quem é que o senhor julga...

— Por favor... — interveio Mac Gregor — não discutamos, Marah. Pelo menos agora que me vou embora. Eu... compreendo-a... você já deu provas de quanto vale. E eu...

Compreendia-o muito bem! Mas, era compreensível também que ela estivesse prestes a perder o controle dos nervos. Não obstante conseguiu dominar-se para dizer num fio de voz:

— Aceito. Mas viverei onde sempre vivi. O avô quer que eu...

Olharam-se os dois nos olhos sem se atreverem a dizer nada mais. E foi só um momento depois que Mac Gregor falou novamente:

— Burton e Marty devem andar por aí. Quer fazer o favor de os chamar?

A rapariga pôs-se de pé e saiu acto contínuo. No entanto, Mac Gregor começou a passear de um lado para o outro, evidentemente nervoso. Estava de costas para a porta quando esta se abriu para dar passagem aos três. Sem se voltar disse:

— Sentem-se. Tenho alguma coisa para lhes dizer.

Obedeceram enquanto Mac Gregor ia até à janela. Esteve a olhar para o exterior com o olhar perdido ao longe, durante um momento. Tentando coordenar os seus agora díspares pensamentos. Voltou-se depois e encarando-os, a sua primeira pergunta surpreendeu-os a todos por igual:

—Como sabia Pancho que «Kennedy» era minha... mulher?

O primeiro a sair da sua estupefação foi Marty, que replicou falando rapidamente:

— Não sei se sabia, senhor Mac Gregor. Mas pôde suspeitá-lo quando a viu… tomar banho num ribeiro. Pediu perdão nas suas últimas palavras. Disse... que tinha de o fazer assim. De alguma coisa desconfiava quando o seguia como se fosse a sua sombra. Depois avisou-nos no caminho. Os rapazes foram à procura de Sutton Sinclair e Sullivan. Nós fomos atrás do senhor, mas chegámos atrasados... foi... foi tudo muito rápido...

Calaram-se novamente durante um momento. Por fim Mac Gregor quebrou o silêncio. Ao voltar a falar fê-lo olhando para os dois vaqueiros, mas Marah sabia que as palavras lhe eram dirigidas.

— Conheci-a em Des Moines no Estado de Iowa quando era um simples caixa do «Banco Ganadeiro». Estava numa casa de jogo na povoação. Era filha de um jogador... andava vestida de homem... mas formosa a mais não poder ser... e perdi a cabeça. Casei-me com ela sem escutar certos rumores. E... foi a primeira vez que a vi vestida de mulher. Depois... desde o primeiro dia, comecei a compreender o meu erro. O pai era um arruaceiro, um ladrão, um batoteiro... para o qual as cartas e o «Colt» não tinham segredos. Ela era isto... só... isto. Uma noite não foi a casa. Procurei-a. Como sempre, vestida de homem, ao lado do pai, servindo de isca para depenar os ricos fazendeiros das redondezas. Saí dali..., e em casa censurei-lhe a sua conduta escandalosa... e o seu vestuário. Riu-se de mim. Falou dos acampamentos mineiros rindo como uma louca... e eu calei-me... pensando porque é que ela se teria casado comigo. As coisas foram de mal a pior. Quis separar-me.., mas ia ter um filho... aguardei e aquilo foi a minha ruína. Uma noite, quando o meu filho tinha poucos meses... o «sheriff» e os seus auxiliares prenderam-me. Ela estava na cama junto de mim, embora as suas roupas cheirassem ao «whisky» e empestassem tanto a minha cabeça que pesava como chumbo. Nos meus bolsos havia cerca de quinze mil dólares que eu não tinha visto nem em sonhos. Tinham assaltado o Banco e culparam-me a mim. Duas pessoas tinham as chaves da caixa e da porta deste. O diretor e eu. Assaltara-o um homem que vestia o meu fato! E eu... não bebera naquela noite nem saíra de casa. Mas no tribunal Katty declarou o contrário. Segundo ela dizia tinha-me visto sair às primeiras horas da manhã e regressar de madrugada completamente ébrio. Interrogaram-me... mas nada disse, visto que nada sabia. E... com seiscentos diabos! Cinco anos é muito tempo para um delito que se não cometeu. Mas isto não tinha acabado ainda. O meu ódio cresceu de dia para dia quando soube que ela tinha partido de Des Moines deixando abandonado o filho. Tinha partido com o pai. Parti também... e fui-os seguindo. Mas não pude matar o velho. Já o tinham morto. Depois o caminho de ferro da Union de Pacific. Pus muitas traves para poupar o primeiro dólar... depois vieram as ações... e tive uma sorte louca. Vim... porque já não era ela... mas sim «um louco assassino». Queria a sua ruína. Depois... qualquer médico atestaria que ela estava doida. Não... não era preciso abatê-la. Era... a mãe do meu filho. Mas eu... nunca acreditei, apesar das suas ameaças. que fosse capaz de disparar contra mim. O seu rapto, Marah, classifiquei-o de simples desejo ou ameaça para que eu abandonasse Cheyenne. Pela sua própria mão... com pistoleiros pagos era outra coisa. O resto... já sabem.

Mac Gregor calou-se. Marah olhou-o pondo nos seus olhos toda a paixão da sua alma. Mas o jovem parecia não notar. Embrenhado, Deus sabe em que estranhos pensamentos, de tal modo que Burton e Marty não se atreviam a respirar, impressionados pela estranha e curta história.

Foi Marah, precisamente, quem quebrou o silêncio.

— Como é que ninguém tinha reparado que ela era formosa?

Spencer franziu o sobrolho antes de responder:

— Suponho que a sua vida... não foi um atestado de perfeições... e isso... modifica muito as coisas, Marah.

— Sim — replicou ela pensativa — estava louca. Iria jurá-lo. O seu rir... o seu olhar... eu... não sei o que se passava comigo sempre que a via. Depois... a cabana... aquela sensação... era isso... estava louca e era uma mulher...

Fez-se novo silêncio entre eles. Marah tencionava perguntar-lhe pelo filho. Mas não se atreveu, visto que ele nada dissera. Depois, repentinamente, reparou como ele, em duas passadas alcançava a porta abrindo-a de par em par. Mas Mac Gregor não saiu nesse momento. Com a mão sobre a ombreira voltou-se para Burton e Marty.

— Vocês... — disse — como capatazes do «Três Barras», dependerão da menina Stivens. Isto é...

— Mas, senhor Mac Gre... Não tenciono perder tempo, rapazes!

E ao sair, Marah compreendeu no mesmo instante que ele voltava a ser o homem dos primeiros dias. Sem dizer nada a ninguém, três dias depois foi-se embora. Não passou por Cheyenne. Não queria ver os olhares das pessoas que seriam contrárias aos dois primeiros dias da sua estadia ali. Tão pouco foi à cabana nem Marah se aproximou do «Três Barras» para se despedir. Mas Mac Gregor sofreu um violento choque quando distinguiu atravessado no meio do caminho o «Sulky» que agora esta conduzia.

Ao aproximar-se, viu-a tensa e pálida. Com os olhos encovados e com olheiras. Mac Gregor não desmontou nem falou. Marah pela sua parte também o não fez. Era uma despedida silenciosa, na qual ambos temiam dizer uma única palavra.

Ela viu-o afastar-se a passo, para depois, quando os separava umas quinze jardas, lançar-se para a, frente num galope desenfreado. Muito lentamente, com a cabeça baixa, regressou a sua casa.

Mas Mac Gregor voltou precisamente quando fazia um ano. Trezentos e sessenta e cinco dias durante os quais ninguém soubera nada dele!

Como da primeira vez, também não passou por Cheyenne nem foi diretamente ao rancho.

Era domingo e de antemão sabia onde encontrar a pessoa que procurava. Sobre a sela de «Thunder», na parte da frente, levava um menino de uns sete anos. Já a avistava quando a porta da casa se abriu.

Junto ao marco de pedra apareceu a grácil silhueta de Marah que se dirigia para o poço, levando um balde na mão. Ia buscar água e, por acaso, olhou para o caminho.

A sua comoção foi grande ao reparar no cavaleiro. No mesmo instante, levou as mãos aos olhos a fazer de pala. Depois... ficou imóvel, como se se tivesse convertido numa estátua de pedra, olhando com os olhos muito abertos a silhueta de Mac Gregor que se ia aproximando devagar.

Mac Gregor, como da vez anterior, não falou. Desmontou de um salto dirigindo-se para ela. Na garupa ficou o pequenito olhando-os sem estranheza alguma. O jovem também não disse uma única palavra, quando a abraçou pela cintura.

Marah deixou-se apertar. Instantes depois rodeava com os seus braços o pescoço do homem que a beijava, correspondendo à carícia com toda a paixão do amor que por ele sentia.

Depois olharam-se bem nos olhos. Talvez tivessem alguma coisa a dizer. Mas o «rapazinho» que se encontrava sobre a cela antecipou-se perguntando:

— É a mamã?

Mac Gregor não teve tempo para responder. Marah correu para o pequenito tomando-o nos braços e beijando-o.

— Sim, meu filho — disse meigamente — sou a mamã.

Do interior da cabana chegou a voz senil:

(falta o que disse o avô)

— É Spencer, avô, o meu noivo.

E pela primeira vez Marah Stivens viu sorrir o homem que comprara Cheyenne.

FIM

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