domingo, 28 de agosto de 2022

CLF036.01 Baleado à traição em momento de vingança

 Anthony Mills acabou de limar conscienciosamente o ponto de mira de um azulado «Colt» de calibro máximo, e olhou-o de sobrolho carregado. Empunhou outro revólver, exatamente igual, que estava sob uma manta colocada ao seu lado e pensativamente, tomou o peso às duas armas, fazendo-as saltar nas palmas das mãos. 

Os dois revólveres eram novos, de aço azulado e empunhadura de chifre. Armas poderosas de ominoso aspeto e escassa beleza, que não tinham ponto de mira nem guarda-mato. 

— Deixaram-me quase sem um centavo, mas não importa, se servem para acabar com esse asqueroso bicho — disse Tony, em voz baixa e rouca. 

Calmamente, mudou de armamento, substituindo pelos novos, dois velhos e gastos revólveres que quase rebentara durante as últimas semanas, à força de se exercitar e disparar continuamente. Tinha estado apoiado a uma árvore cuja sombra o protegia dos ardentes raios solares, mas agora ergueu-se, elevando sobre a erva os seus bons seis pés de bem musculada humanidade. Era um homem jovem, bem parecido e de soberba constituição, ordinariamente jovial a julgar pelas finas rugas que marcavam pequenos traços pálidos sobre a face, nas comissuras dos lábios e dos olhos, demonstrativos de um riso fácil e frequente. 

No entanto, agora devia haver qualquer coisa que o preocupava profundamente, obrigando-o a enrugar a sua testa alta e turvando a limpidez dos olhos cinzentos e penetrantes. 

Onde se encontrava, na arborizada e acidentada falda do Wheeler Pick, podia ver um amplo semicírculo de terreno, distinguindo manadas de reses, tão espessas e cerradas como o mato. 

Mais longe, em direção a Ely, um grupo de cavaleiros seguia para a pequena cidade. Certamente vaqueiros, embora estivessem demasiado longe para se poder apreciar a sua condição. 

No entanto, o ânimo de Mills não estava para admirativas contemplações da paisagem e os seus olhos procuraram, num rápido olhar, a pequena lata de conservas cujo conteúdo lhe tinha servido de frugal almoço algum tempo antes. 

Não é que estivesse puxando pelas armas enquanto com a vista procurava o pequeno recipiente metálico, mas na realidade pareceu como, se assim fosse. 

Um pequeno fulgor feriu as retinas do jovem, atraindo a sua atenção, e no mesmo instante os azulados «Colts» pareceram surgir por magia, deixando ouvir a sua voz rouca e poderosa entre baforadas de fumo. 

A primeira bala não deu no alvo, porque não era tal o seu destino, mas incrustou-se imediatamente debaixo dele e fê-lo saltar no ar, onde a pequena lata pareceu ficar suspensa um instante, brilhando ao sol, para imediatamente sair violentamente disparada em consequência do rude choque de uma bala que lhe bateu em cheio. 

A lata saltou no solo umas jardas mais adiante, voltou a saltar e rolou de uma maneira incerta e, ainda não tinha parado, quando outro projétil a fez saltar novamente, alcançando-a pela segunda vez, uma terceira bala, quando se encontrava novamente no ar. 

Quatro disparos rápidos, precisos, assombrosos, empregando alternadamente os dois «Colts». Tony olhou pensativo para a lata caída sobre a erva e, guardando um dos revólveres, começou a recarregar calmamente o outro, repetindo a operação, momentos depois, com o que tinha guardado. 

Sentia-se satisfeito considerando alcançado o fim proposto, mas não lhe produzia alegria alguma. Na realidade, não tinha qualquer motivo de prazer. Era certo que acabava de terminar um longo período de constantes práticas, penoso, mas também era certo que já estava em condições de matar um homem, mesmo que se tratasse do melhor pistoleiro da região, mas embora tal fosse a sua firme decisão e para ela se tivesse preparado durante um mês inteiro, não podia chamar-se alegria ao que sentia naquele momento. 

Tony sempre tinha sido um rapaz alegre, brincalhão e aloucado, fonte de todos os motivos de preocupação para o seu irmão mais velho, quem, desde sete anos atrás, ao ficarem órfãos, tinha feito de pai muito mais bondoso que severo. 

Tinham um pequeno rancho que administravam perfeitamente entre os dois, e que lhes dava para viver bem, pensando inclusivamente em o ampliarem. 

O jovem não tinha, portanto, nenhum motivo de desgosto ou preocupação, até que um mês atrás um pistoleiro canalha e ébrio se quis divertir à custa de um verdadeiro homem, crivando-o de balas porque não quis bailar no meio da rua, para ser objeto de mofa por parte dos servis admiradores do notório homem de pistolas. 

Quando Anthony recebeu a notícia em toda a sua crueza, algo se quebrou no seu interior. A reação normal, dado o seu temperamento, devia ser empunhar os revólveres e correr em busca do assassino para o destroçar a tiros e depois espezinhá-lo, mas não o fez. 

Enquanto tremiam os seus músculos e o sangue lhe fervia nas veias, uma serenidade' extraordinária regia as suas ideias. Nuns décimos de segundo, apenas, um ódio imenso se incubou no seu peito. Necessária, inevitavelmente, tinha de matar a fera que terminara do um modo tão estúpido com o seu irmão, e isso não o conseguiria indo procurá-lo naqueles momentos. 

Mills era um bom atirador, do pulso firme e excelente vista, mas naturalmente, não podia enfrentar-se, com possibilidades de êxito, contra um pistoleiro profissional. 

Tal consideração foi a causa de que, perante a surpresa e desprezo de quantos o conheciam, montasse o seu soberbo e espetacular corcel, dourado e de crinas prateadas, desaparecendo nas Montanhas. Ao princípio, a opinião pública foi contra o jovem, até ao extremo de que, se tivesse então aparecido na povoação. o mais certo seria não se livrar de uma tremenda tareia, mas prontamente começaram a chegar notícias de Veteran, Ruth e outras povoações dando conta de que tinha sido visto adquirindo sempre grandes quantidades de Munições e chegou um momento em que toda a gente esperava vê-lo aparecer para ajustar contas com o assassino. 

Ely adquiriu uma estranha tensão e muitos dos adeptos de Bloody. o pistoleiro, se apartaram, esperando os acontecimentos. O próprio «gun-man» teria abandonado muito gostosamente a localidade. mas era um escravo da sua fama e viu-se obrigado a ficar, muito contra a sua vontade. No entanto, tomou precauções, avisando três sujeitos do seu calibre, que se lhe uniram para ajudar, assim que aparecesse esse atrevido rapazola que ousava desafiar o poder dos assassinos de ofício. 

É certo que se então alguém soubesse o paradeiro de Mills este teria sido avisado. mas isto era algo de que ninguém tinha a menor ideia, pois não o tinham voltado a ver pelo seu rancho, abandonado desde então. 

Por isso, Anthony não tinha o mais ligeiro pressentimento do que o esperava quando, após recolher os escassos utensílios do seu acampamento, apertou a cilha de «Giddy», o seu maravilhoso baio. Tinha soado o momento da vingança e empreendia o caminho, tão inexorável, como a própria morte! 

«Giddy» era inconfundível. As suas cauda e crina prateadas ondulando ao vento tinham toda a arrogância de uma bandeira de guerra antes de entrar em combate, e Tony tinha visto como vários cavaleiros se detinham a distância observando-os durante uns instantes, para acabarem por voltar garupas, encaminhando-se depois para Ely a todo o galope. 

Assim, pois, não se surpreendeu demasiado quando, ao entrar na povoação a encontrou totalmente deserta. Como uma mais das aldeias fantasma abandonadas pelos pesquisadores de ouro um par de centenas de milhas mais ao Sudoeste. 

Visto aquilo, não teve a menor dúvida de que Bloody já estaria avisado da sua imediata chegada e teve a certeza de que o encontraria esperando-o a meio da rua Direita, espinha dorsal da povoação. Aquele tipo tinha sido sempre um fanfarrão espetacular e não deixaria de aproveitar a ocasião de luzir a sua habilidade. 

Não se aproximou demasiado do lugar onde supunha que se produzira o encontro e, detendo o baio, desmontou com a elegante facilidade de um excelente cavaleiro. 

— Fica aqui, «Giddy» —disse. — Espero voltar. 

Esfregou durante um momento o focinho do formoso animal, dando-lhe umas palmadinhas carinhosas e, depois de comprovar que as suas armas saiam facilmente dos coldres, começou a caminhar pausadamente pelo centro da rua. Com ele iam as Parcas e a sua presença invisível era tão real que quase resultava tangível. 

Após a primeira esquina, à esquerda, era já rua Direita, e o jovem avançou com os músculos toamos, prontos para o combate. Ignorando que era do domínio público o que tinha estado a fazer durante o mês decorrido desde ti morte de seu irmão, não podia supor que o assassino tomasse a mais pequena precaução ou abrigasse o mais pequeno reparo em se enfrentar com ele. Pelo contrário, imaginava que o «gun-man» o consideraria presa fácil. No entanto, embora por tal motivo nem sequer lhe ocorresse pensar na possibilidade de uma emboscada, preveniu-se contra qualquer truque sujo, pois sabia que o seu inimigo não era leal e não vacilaria em empregar qualquer má jogada que lhe desse vantagem. 

Não obstante, não havia nada do que imaginava e quando, com os nervos crispados e o corpo tenso ganhou a esquina, pôde ver um vulto maciço cravado a meio da rua a umas sessenta ou setenta jardas de distância. 

Era Bloody! 

Tony deixou escapar um suspiro de alívio. Não o atemorizava nada o facto de se enfrentar com o pistoleiro, mas resultava esgotante não saber onde o iria encontrar; vigiar becos e esquinas por onde podia aparecer a qualquer momento, ou esperar o grito de aviso e desafio que denunciaria a sua presença. Agora tinha-o ali, na sua frente, e avançou firme e seguro.

Não tranquilo, porque isto era impossível no seu primeiro duelo de morte, mas perfeitamente senhor dos seus nervos. O pistoleiro esperava-o a pé firme, sem dar um passo ao seu encontro, e a distância foi-se encurtando lentamente. 

Aquele homem não muito limpo, que cada vez via com maior clareza, vestido de escuro, forte e de mediana estatura, era o canalha que tinha assassinado o seu irmão. 

Uma onda de ódio inflamou o sangue de Mills, que apertou os dentes e teve de se dominar para não empunhar os revólveres e correr para o assassino. 

A distância era ainda excessiva e para avançar loucamente fazendo fogo, tinha bastado o mês decorrido, entre constantes e esgotaduras práticas, pois o mesmo poderia ter feito desde o primeiro dia. 

A razão venceu o instinto e o jovem continuou a avançar lenta e inexoravelmente. Para quê precipitar-se? O homem estava ali, esperando-o, e não escaparia. Não o podia fazer. Tinha uma reputação a manter, vivia dela e não podia voltar-lhe as costas porque então teria acabado o Oeste. 

O pó quente rangia sob as suas botas de «cow-boy» e aquele ligeiro som, unido ao leve tilintar das esporas, eram os únicos ruídos que se ouviam em toda a povoação. Por isso, o grito de aviso ecoou com uma claridade desconcertante: 

— Cuidado, Tony! Nas tuas costas! 

O rapaz saltou para um lado, voltando-se como um relâmpago, justamente a tempo de ver a branca fumarada que brotava de uma janela baixa, apenas a quinze jardas de distância. 

Tinha caído numa armadilha! 

Raivosamente empunhou os revólveres e no movimento, sem sequer apontar disparou as armas contra o tipo que meio oculto continuava a apontar-lhe para repetir o disparo falhado pelo brusco movimento da sua presumível vítima. 

O homem soltou um grito e desapareceu com um movimento estranho, violentamente empurrado pela grande bala de máximo calibre. 

A falta de prática naqueles transes fez então que Mills tivesse um descuido que lhe poderia ter resultado fatal. 

Entreteve-se uns instantes a olhar para a janela onde tinha estado o homem a quem tinha ferido ou morto, quando se devia estar movendo vivamente para evitar os tiros do seu cobarde inimigo.

Efetivamente, Bloody não era um mero espectador, e quando o jovem se voltou para repelir a agressão, empunhou velozmente o seu longo «Colt» de calibre trinta e oito, e efetuando cuidadosamente a pontaria, fez fogo, ao mesmo tempo que outro dos seus homens vinha correndo desde mais atrás para se reunir com ele. 

Afortunadamente para Tony, a distância era ainda de mais de quarenta jardas, e embora o chumbo tivesse mordido a sua carne, fê-lo um pouco desviado, na parte carnosa do lado esquerdo, junto do sovaco. Eram apenas uns poucos centímetros, mas houve a enorme diferença que existe entre a vida e a morte. 

O rapaz revolveu-se como um lobo ferido, mas não pôde disparar contra o pistoleiro, porque então viu outro sujeito que saindo de uma taberna próxima procurava refúgio atrás do grosso poste, que por estar interposto na sua linha de fogo, o tinha impedido de tomar parte na refrega. 

O novo contendente apontava-lho a arma ao ir avançando e Mills apenas teve tempo de se atirar de lado e rodar pelo pó até encontrar o alto rebordo do passeio de madeira, enquanto o chumbo o procurava uivando ferozmente. 

Só três segundos e Tony já estava novamente de pé protegendo-se atrás de uma cortina de fogo que obrigou os seus inimigos a procurarem refúgio. Tinham-no alvejado novamente, agora numa perna, e coxeou penosamente, retrocedendo até se refugiar atrás de outro poste que sustinha os alpendres. 

O sequaz de Bloody saiu então detrás do seu poste e tentou atravessar a rua numa corrida, para o flanquear, mas um rápido disparo atirou-o de bruços sobre o solo. 

Por um instante o homem ficou imóvel e Mills apontou-lhe firmemente, resolvido a terminar, mas, ao apertar os gatilhos das suas armas, apenas se produziram uns secos estalidos. 

Tinha esgotado as munições! Bloody e o tipo que se tinha reunido com ele ainda se encontravam longe, enquanto o outro sujeito estava ferido e demasiado assustado para se tornar perigoso nos primeiros instantes. 

Mordendo os lábios para conter a dor, Tony abandonou o seu refúgio correndo penosamente para a esquina por onde entrara naquela rua um momento antes. Ali estava «Giddy» e a salvação. 

Atrás dele troou uma arma e começou a ziguezaguear ao mesmo tempo que ouvia um penetrante assobio. Um momento depois, por sobre o rouco troar dos revólveres, chegou-lhe o relinchar do seu baio que respondia à chamada. 


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