quinta-feira, 18 de agosto de 2022

CLF002.08 A «Rainha das Festas» abandona a casa do pai


Todos os que acompanhavam Joan estavam no Saloon de Fairmont.

Bowler, já restabelecido em parte da tareia que lhe tinham dado, dizia que se Chester não aceitara lutar com ele, fora por medo.

— Não sei para que falas assim — disse Joan — se estás certo de que ninguém te acredita. Esse rapaz pode ter os defeitos que quiserem, mas não é cobarde.

— Agora estou convencido de que estás enamorada dele — retorquiu Tracy — e serei eu quem me encarregue desse rapaz.

— Isso quer dizer que vais disparar contra ele de alguma janela ou pelas costas. Não creio que sejas capaz de fazê-lo de frente. És demasiado cobarde — replicou a rapariga, que começava a estar aborrecida. Quando ele souber de quanto vocês são cobardes, não deixará um com vida, e eu terei de aplaudi-lo.

Fairmont abeirou-se dela:

— Não te compreendo, Joan. Tu devias desprezá-lo e, no entanto, aceitaste as fitas que ele te ofereceu.

— Todos sabem que me agrada ostentá-las. E poderia fazê-lo, se não fosse ele? Eu ouvi durante semanas e semanas, todo um ano seguido, que não havia rivais para vocês em nenhum dos exercícios. E o que aconteceu? Duas intervenções, duas derrotas. E sem lugar para dúvidas. E isso não é nada perante a demonstração de cobardia que está dando o grupo que me acompanha, e que espero chegue a ser tão reduzido que eu acabe por andar só com meu pai. E isso porque não o mataram em atenção a mim.

O pai Milnor fez que mudassem de conversa. Bowler, que ignorava a partida dos dois rapazes, juntamente com o xerife, julgando que estavam inteirados do que se dizia em casa de Fairmont, supôs que era verdade que eles tinham medo e que era essa a causa de que não aparecessem por ali. Essa circunstância levou-o a afirmar que iria a casa do xerife para provocar os dois rapazes que não se atreviam a defrontá-lo.

Joan voltou para casa com seu pai e com os amigos deste. Uma vez ali, continuou a defender os dois companheiros e, especialmente, Chester, que era o mais atacado. Estavam todos reunidos para cear. Inclusivamente, os vaqueiros que tinham tomado parte nos exercícios.

— Não há dúvida de que têm medo de Bowler — afirmou Tracy.

— Há algum que acredite realmente nisso? — replicou a rapariga, a sorrir. Nem tu mesmo, Tracy! Se ele não o matou, foi porque eu lho pedi, aproveitando a entrega da segunda fita.

— Pois eu asseguro que ele tem medo — insistiu Tracy — E o que devíamos fazer era obrigá-lo a que saísse da cidade.

— Para não continuar a ganhar fitas, que vocês me ofereceram, não é isso? Se esses rapazes continuam aqui, açambarcarão todos os prémios.

— É preciso obrigar o bêbado do Selby a partir com eles — sugeriu Milnor.

— Porque o velho astuto vos enganou... Fizeram-no xerife na certeza de que ele não deixaria de beber e de que seria um joguete nas mãos de todos. E afinal, toda a gente viu o desgosto que a atitude firme do velho Selby causou na população.

— Cala-te — ordenou-lhe o pai — visto que não odeias a quem tens motivos para isso.

— Começo a estar convencida de que a chicotada que me deu era merecida. Eu sou uma rapariga caprichosa e mal-educada. Só ele me tratou, como tu devias ter feito.

— Prometeste que o matarias, por causa disso...

— Ele avisara-me nobremente, mas eu julguei que era como todos estes. E enganei-me. Agradam-me os homens de carácter firme e ele é um desses homens.

— Começo a compreender que estás enamorada dele — disse o velho Milnor. — Mais vale que eu não me convença disso, porque então, matá-lo-ia eu...

— Todos falam do que não são capazes de fazer. A discussão cessou, mas a rapariga não ficou diminuída.

Só então ela compreendeu que não contava com amigos por ter tratado toda a gente com um absurdo despotismo e uma dureza incompreensível. Agora lembrava-se das raparigas com quem tinha brincado em pequena. E na solidão do seu quarto, dizia para si que retificaria o seu procedimento, pedindo perdão pela sua cobarde atitude anterior.

Ansiou por isso que chegasse o dia seguinte. E caminhou sozinha, pelas ruas, parando diante de uma dessas amigas, a quem falou com tanta nobreza e sinceridade, que esta a acompanhou no passeio e pouco depois eram já quatro amigas que iam com ela.

Joan sentia-se tão feliz e contente com essa companhia, que não podia esconder. Todas falavam com elogio dos dois rapazes que haviam enfrentado corajosamente os amigos e apaniguados de Fairmont e do pai de Joan.

Para Milnor era uma surpresa desagradável encontrar sua filha assim acompanhada.

Tracy foi ter com ela para lhe dizer que todos os vaqueiros estavam à sua espera, para começarem os exercícios do torneio. Mas ela respondeu que iria com as suas amigas, que eram agora a sua corte de honra, como Rainha da festa.

O capataz partiu, contrariado e enfurecido, amaldiçoando tudo e todos. Entrou no Saloon de Fairmont para verter o seu ódio, numa linguagem brutal, ameaçando sempre, é claro, os que não estavam ali.

Um dos vaqueiros que por ali andava tratou de chamar-lhe a atenção e, para agradar a Tracy, fez sinal a outro cow-boy do rancho de Joan para que disparasse sobre o vaqueiro que discutia com o capataz.

Chester e Pete encontravam-se no escritório do xerife, quando chegou ali a notícia dessa morte no Saloon de Fairmont.

— Não te incomodes! — disse Chester para seu tio -- Nós já vamos esclarecer o que se passou.

— Tens que deixar que seja eu! — disse o xerife.

E pôs-se a caminho, com os dois jovens. Quando os três entraram no estabelecimento, o vaqueiro que disparara pôs-se de parte, olhando com medo para os dois rapazes.

Pete dirigiu-se para um canto do balcão e Chester para outro. Foi então que o xerife disse:

— Sabem perfeitamente que não se pode utilizar o «Colt», quando se está em festa. E aquele que o faz, incorre num grave delito, contra a lei do Oeste. A lei é inexorável e condena à forca quem a infringe.

— Seu sobrinho também matou quando se considerou em perigo — objetou o vaqueiro. — Foi o que aconteceu comigo. Antes de que ele disparasse contra Tracy, fi-lo eu, contra ele.

— Isso quer dizer que a discussão não era contigo e tu surpreendeste-o. Não é isso? Quem estava aqui?

— Não pergunte nada, xerife — disse Pete — Veja o cadáver. Nem fez menção para puxar da sua arma. É claro que se trata dum assassínio.

— Estou de acordo — disse Selby. — Uma corda e não fales mais nada.

— Escutem — retorquiu o ameaçado, procurando justificar-se. — É certo que estava discutindo com Tracy e eu evitei que ele disparasse contra o capataz.

— Não deites a culpa sobre mim — disse Tracy, com cinismo.

— Foste tu quem afirmou que matarias estes dois quando os visses na tua frente. E agora, deixas-me só, depois de eu matar, para te salvar a pele!... És um cobarde, Tracy I Joan tinha razão, quando to disse, ao defender estes dois rapazes.

— A verdade é só uma — disse Chester. — Cometeste dois delitos, pelos quais mereces a corda: utilizar o «Colt» em dia de festa e matar à traição quem não fez nenhum gesto para disparar sobre alguém. Chester falava com um copo de «whisky» na mão.

— Tu não deves falar — disse o vaqueiro — porque há algumas horas que procuras evitar Bowler. E não creio que sejas tu quem me castigue.

E considerando-se com vantagem, procurou surpreendê-lo. Mas foi uma surpresa para todos que algumas armas trepidassem ao mesmo tempo, escolhendo os braços do vaqueiro que começou a gritar. Pete e Chester haviam disparado, ao mesmo tempo.

— Agora, vamos pendurar-te — disse Pete.

Nesse momento, entrou Joan com as suas amigas.

— Tem de ajudar-me, patroa. Vão enforcar-me. Eu disparei sobre um vaqueiro, em defesa do capataz. E Tracy nem se atreve a fazer nada para me defender e a senhora sabe que ele tem andado a dizer que mataria estes dois rapazes.

Joan olhou Chester. Mas Pete disse:

— Não perca tempo. Não farei caso das suas palavras. Enforcarei este cobarde, quer queira ou não...

Joan não se atrevia a dizer nada. Os olhos de Chester revelavam tanta firmeza, como os de Pete.

— Tem de impedir que me enforquem, patroa!

— Creio que eles têm razão — disse ela por fim — e tu mereces o castigo. Mas agora que estou despertando para a realidade e vejo a vida, tal como ela é, será uma desilusão comprovar que são como eu era antes. Se o enforcam, embora o mereça, mostram que são iguais a ele; se lhe perdoam, demonstrarão que há uma grande diferença de corações.

Pete fitou Joan, surpreendido, porque não havia nela nem altivez, nem orgulho.

— Está bem. Ganhaste outra vez. Podes marchar.

Chester acercou-se dele e estendeu-lhe a mão.

— Obrigado!

— Sei que terias feito o mesmo — retorquiu Pete.

— São admiráveis os dois! — exclamou Joan, beijando os dois rapazes, ante o assombro de todos. — Isto, sim, é que é ter coração de valentes.

— Vamos! — disse Pete, para Chester.

Os dois amigos saíram. As opiniões dividiram-se, sendo mais os que se mostravam de acordo com a atitude de Pete. O xerife encarou Joan para lhe dizer:

— Não sei o que te propões com meu sobrinho... Mas tem em conta que ele não é como os outros!...

—Eu já sei que não é e por isso me encanta... Já me conhece e sabe que eu digo sempre o que penso. Parece-me que vou apaixonar-me cegamente por ele...

O xerife acabou por sorrir e saiu do Saloon. Entretanto, Fairmont disse para Tracy:

— Deves a vida a Joan...

— Porquê?

— Ter-te-iam enforcado, atrás do outro...

— Tê-los-ia matado, porque estava pendente deles...

— Eles é que te matariam. — retorquiu Joan — Não sejas fanfarrão! Bem vi como estavas aterrado.

— Crês que sou tão lento como esse que eles inutilizaram?

— És um garoto comparado com eles.

— Se teu pai te ouvisse defendê-los!...

— Bem sabes que o fiz, mesmo na sua frente. E começo a compreender que meu pai é que é o culpado de tudo isto.

— Não deves falar assim de teu pai. Ele nunca se meteu em nada — interveio Fairmont.

— Já não me enganam, como dantes. Abri bem os olhos. Fizeram algumas tolices, que me permitiram ver o que antes não via. A maior foi nomearem Selby, xerife. E afinal, saiu um verdadeiro xerife, o que ninguém esperava. Com a chegada do sobrinho, tudo se complicou ainda mais.

Não julguem que Selby é tolo. Agora, está tratando de averiguar quem matou o outro xerife e já sabe quem matou o forasteiro pelas costas...

Fairmont empalideceu:

— Não sabes o que dizes...

Interrompeu-se ao ver Pete e Chester à porta. Os dois companheiros tinham-nos ouvido e riam. Foi Chester quem se dirigiu a Joan:

— Não devia falar-lhes assim, «miss» Milnor. Assustou-os!...

— Viemos ver esse valente capataz — disse Pete –Sou eu quem vai encarregar-se dele. Não quero que dispare pelas costas. Tem de demonstrar que não é tão cobarde como se assegurou.

Tracy estava aterrado.

— Não devem tomar isso em conta. Eu não queria que ela fizesse uma ideia exata do meu medo — desculpou-se — Tens de convencer estes rapazes, Joan... Podem matar-me. Ajuda-me...

— Não penso fazê-lo. Disseste que ias matá-lo. E sabes o que disse aquele a quem eu salvei a vida? Que tão depressa se cure, os matará! Assim, já não intercedo por ninguém

. — Tens de fazê-lo por mim...

— Não insistas! — interrompeu Pete. — Ouviste que ela não quer. — E aconteceria o mesmo desta vez.

— Cansei-me de implorar perdão...

As mãos de Tracy moveram-se com rapidez. Muito embora conseguisse ainda empunhar a arma, demonstrando ser rápido, caiu morto, sem ter disparado. Pete avançou.

— Não há meio de saber qual dos dois é mais veloz e certeiro — disse um dos assistentes.

O xerife entrava com um «Colt» na mão. Mas ao ver seu sobrinho e Pete, a sorrir, meteu a arma no coldre, dizendo:

— Receei que esta rapariga lhes pedisse perdão para outro e que os tivesse atraiçoado.

— Não pedirei mais — disse Joan — São todos uns cobardes.

— Agora o que tens a dizer a teu pai é que não cometa a tolice de lançar sobre nós os pistoleiros que se refugiam no teu rancho — disse Selby — porque os enforcaremos e faremos depois o mesmo com teu pai.

Deu ordem para que retirassem dali o cadáver, e Joan partiu com as suas amigas, para regressar a casa. Seu pai fitou-a com o cenho carregado e começou a falar do sucedido no Saloon de Fairmont, mas a seu modo.

— Enganaram-te. Não faças caso do que digam aqueles que não querem reconhecer que temem esses rapazes...

— Qualquer deles é perigoso, mas não são maus. Foi Tracy quem os provocou.,. Sei o que disseste, mas esqueces o essencial: é que são nossos inimigos.

— Porquê? Porque nos ganharam no torneio? O ano passado ganharam os nossos rancheiros e nem por isso considerámos nossos inimigos os dos outros ranchos.

— Não é por isso! — gritou o velho Milnor — Sabes para que Selby mandou chamar seu sobrinho?

— Para o ajudar na sua missão.

— Para me prender.

— Isso é uma tolice. Se nada fizeste, não creio que possa prender-te por capricho...

— Cada vez que penso que fui eu o principal promotor da sua nomeação para xerife..., desespero.

— Eu sei — disse Joan, a rir. — Desesperas-te porque te saíste mal, porque ele deixou de beber, e quis demonstrar a todos que era ele quem se ria. Por isso, estás assustado.

— Não acho graça a que o defendas assim...

— Creio que Joan — disse um dos elegantes convidados — por ser Rainha, há-de fazer o que quer...

— O que acontece é que está apaixonada por esse rapaz — disse Milnor. — A maior vergonha para mim é terem matado Tracy. E vai ser difícil conter os rapazes.

— Selby advertiu-me de que se mandasses os «pistoleiros» que estão escondidos no nosso rancho, os enforcaria — disse a rapariga, com coragem — E a ti, também...

— Julgas que todos vão deixar-se surpreender, como Tracy?

— Agora, não podes alegar ignorância. E se os impelires a procurarem vingar-se, serás responsável pela sua morte.

— Porque não escutas tua filha, que deve estar bem informada por esses dois rapazes — interveio ironicamente Ipsurlch, que regressara com os seus amigos.

A rapariga olhou-o com indiferença e não respondeu. Um grupo de cavaleiros parou em frente da casa.

— São os rapazes! — disse Milnor — Já esperava isso.

— Eu vou falar-lhes — disse Joan.

Ela foi ao seu encontro, falando-lhes com sinceridade no sucedido e afirmando que presenciara tudo.

— Não foi isso que nos disseram — retorquiu um.

— Falaremos amanhã, no rancho, depois do enterro. É preciso ter em conta que minha filha está enamorada do sobrinho do xerife.

— És um embusteiro, que queres enviar estes rapazes para a morte, porque não te atreves a enfrentar os que odeias.

Os vaqueiros partiram, convencidos de que o seu patrão não tinha razão. Conheciam Joan e sabiam que ela nunca mentia. Quando eles partiram, o velho Milnor disse:

— Não me agrada que fales assim. E não me agrada também que andes pelas ruas com essas raparigas que dantes odiavas.

— É que voltei a mim. Elas são da minha idade e divirto-me com elas. Perdoaram as minhas tolices.

— Mas não me agrada. Já sabes. E não irás com elas.

— Pois irei, porque assim lhes prometi. Vêm buscar-me para nos divertirmos, o que nunca fiz, porque estava cega pela minha soberba e orgulho.

— Suponho que será com esses dois rapazes... Tu, com o sobrinho de Selby, o traidor que nos enganou.

— Pois... se o encontrarmos, sentir-me-ei feliz, porque é mais nobre do que todos aqueles com quem tenho conversado até agora.

— Já te disse que não sairás com elas nem passearás com esse cobarde.

— Não me agradaria ter de recordar-te, papá, que sou maior.

Sem poder conter-se, Milnor bateu ferozmente na filha que, apesar de sangrar pelos lábios e pelo nariz, não derramou urna só lágrima.

Os amigos intervieram. Assim que pôde, Joan saiu, para ir encontrar-se com as amigas, a quem contou o que se passara.

— Não deves voltar para casa — aconselhou uma.

— Não penso fazê-lo.

— Podes ficar na minha. Já todos te apreciam, porque deram conta da tua mudança. E quando esses rapazes souberem...

— Não quero que eles saibam. São capazes de matá-lo...

— Era o que ele merecia — disse outra.

Mas o desejo de Joan ia ser difícil. Alguns vaqueiros que se juntaram às raparigas souberam do facto e, minutos depois, todos o conheciam.

— Sabem o que se diz na cidade? — perguntou o xerife a Pete e a seu sobrinho.

— Não.

— O pai de Joan bateu nela por defendê-los. E parece que pensa não voltar a casa. É certo que a rapariga mudou radicalmente.

— Alegra-me que tenha mudado. No fundo, não é má rapariga.

E acrescentou, fitando Chester:

— E parece-me que está apaixonada por ti.

Os dois puseram-se a rir.

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