sábado, 14 de dezembro de 2019

XII Saudade das amadas

Roscoe Mollison, xerife de Eagle, não conhecia Bart Taylor, pessoalmente, e sentia curiosidade em vê-lo. Agora, porém, já havia um motivo que justificava a sua visita ao acampamento. E no «carricoche» (1), a seu lado, a senhora Virgínia Mollison, que à medida que via desfilar o duplo sulco de ferro, se agitava satisfeita, ao mesmo tempo que emitia a sua opinião:
— Não é que me deixe levar pelo meu sangue «mineiro», mas agradar-me-ia que se saísse com a sua, o senhor Taylor. Luther Dalton, dirás. Mas são homens como o senhor Taylor os que convertem a nossa comarca em futuro Estado, tão habitado como New York. Não sou eu quem deva aconselhar-te, mas é melhor que sejas comedido no que tens de dizer ao senhor Taylor.
— Taylor para aqui, Taylor para ali... — resmungou o xerife de Eagle.
Um trabalhador indicou-lhes o lugar onde se encontrava o chefe da equipa. A senhora Mollison pestanejou, vendo o barbudo e magro rosto daquele, que, torso nu, requeimado pelo sol, os calções sujos de gordura e pó solidificados, o couro das botas estalado, se ia chegando para o tílburi. do qual, a autoridade de Eagle se aproximou.

— Bons dias, Taylor. Sou Mollison e apraz-me conhecê-lo. Igualmente, Mollison.
— Irei direto ao motivo que me traz aqui. Eu sou respeitado por Luther Dalton, porque o respeito e, portanto, sou livre no exercício do meu, cargo, para o qual fui enviado da capital do Estado. Particularmente, junto-lho as minhas felicitações à de todos os mineiros de Eagle! Quando há dias foram ter comigo Jerry Garfield e John Maldonado testemunhar o que se passou entre você e Lang, assinei. com eles o relatório, para o remeter à capital. Hoje, recebi uma resposta clara: «Se o chefe de equipa em questão tornar a incapacitar qualquer ganadeiro o Estado intervirá». Eu quis comunicar-lhe isto, porque, se outro ganadeiro ficar maltratado e apresentar queixa na capital, ver-me-ei obrigado a expulsá-lo da comarca, Taylor.
— Concordo, xerife. O senhor cumpre a sua obrigação e eu a minha.
— Obrigado, senhor Taylor. Mas pode ficar certo de que notificarei também os interessados, a quem aplicarei com idêntico rigor o castigo que lhes corresponder. Naturalmente, eles levam vantagem... O que provocar é uma coisa aceite como corrente e, por exemplo, se o senhor trouxesse pistola e matasse em luta leal, seria uma peleja, como tantas outras, sem responsabilidade.
— Se eu trouxesse comigo uma pistola, xerife Mollison, a cada hora se apresentaria aqui um brigão. Não sou manco a disparar. Aos quinze anos já manejava o martelo e havia mais de dois anos que gastava a palma da mão com a culatra. Eu poderia ir alternando o martelo com a pistola e assim passar algum tempo, até chegar o dia em que ficasse estendido e rígido. Para a próxima vez, procurarei limitar-me a aguentar e, quando já não for possível conter-me, sair da dificuldade com algum soco bem assente. Sim, porque também não é possível evitar a contenda.
— Enquanto não causar lesões que invalidem, de acordo, Taylor. Lang tardará ainda alguns dias sem poder levantar-se e tirar a mão do aparelho, uma mão disforme, com os dedos rígidos.
— São os dedos que iam apontar o caminho ao chumbo...
— Além disso, tem a cara cheia de cicatrizes... Será inútil ocultar que, mais tarde ou mais cedo, Lang tentará matá-lo. Mas... falemos de outro assunto. Creio que a senhora Olímpia, sentindo--se, embora, muito orgulhosa do senhor, está um pouco ressentida. Por certo, minha esposa, Vir-ginja Mollison...
Taylor inclinou a cabeça numa reverência e Virgínia, interrompendo seu esposo, disse com grave expressão:
— O senhor está extenuado e não devia tomar o seu trabalho tanto a peito. Um homem que só dorme quatro horas seguidas e...
— Senhora Mollison — interrompeu, por sua vez, seu esposo —. Era da prometida do senhor Taylor que falávamos.
— Olímpia e eu damo-nos muito bem. Visitamo-nos frequentes vezes.
— E não se cansam de dar à língua — retorquiu Roscoe —. Sobretudo, a senhora Mollison...
— Há já duas festas em que a pobrezinha espera por si. E afirmou-me que se o senhor não aparece lá no próximo sábado ela virá instalar a sua tenda aqui... Não é verdade, xerife?
— Nós nunca mentimos — disse Mollison — E a sua noiva também não mente, amigo Taylor. E agora deixo-o entregue ao seu trabalho.
— Sou um seu servidor, senhora Mollison, e muito obrigado pela sua mensagem. Eu voltarei a escrever a Olímpia.
Mas a esposa do xerife soltou uma risada, antes de replicar:
— Receio bastante, senhor Taylor, que Olímpia já não se contente com ler as suas lindas frases de amor.
Quando subia para a carruagem, o representante da lei, em Eagle, agitou a mão num gesto de despedida, e, pouco depois, Virgínia Mollison suspirava:
— Se nós fossemos eles, xerife! Ainda não saborearam o delicioso mel do himeneu...
— E o que não haverá quando o ramal chegar ao barranco de Chet Muldorf!...
— Lagarto, lagarto! — murmurou a senhora Mollison, formando com dois dedos, sobre a boca, a cruz de exorcismo, ao recordar os estranhos olhos de Muldorf.
***
No sábado, pelas quatro horas da tarde, partiram os que não estavam de turno. Anderson e a sua renovada equipa continuavam o trabalho na direção de Rogue, a três milhas donde avançava o iniciado por Taylor.
Percy Descamps viu o mudo combate que Taylor sustentava, olhando-se no espelho, que pendia da lona do carro. A destra, ao acariciar a emaranhada pilosidade que povoava o seu rosto até os pómulos, tinha um leve tremor.
E Percy Descamps tentava, mentalmente, enviar o fluído telepático ao indeciso entre barbear-se ou partir a galope para Eagle, ou permanecer obstinadamente na sua obsessão de superar o imprevisível.
«Vamos, rapaz! Agarra bem a navalha. Zás, zás! Rapa os cabelos! Um mergulho de cabeça no rio, roupa limpa e... Olímpia a comer-te com beijos».
Mas o fluído não exerceu resultados positivos. Bart Taylor voltou as costas ao espelho e limitou a sentar-se sobre uma travessa.
— Podes ir a Eagle, Percy. Aos casados toca irem ver suas esposas, uma vez, pelo menos, em quinze dias.
— Dezoito, chefe... Mas eu, se o senhor não vier comigo, fico aqui. Oiça... Não nos ficaria mal um gole, e depois iria dar duas mordiscadelas a minha esposa.
— Selvagem! — observou Taylor, a rir.
Estendeu os braços, fazendo retesar os deltoides, e acrescentou:
— O pior já passei: os primeiros dias, amigo. Agora já posso aguentar uns dois meses.
— E as nossas Evas aguentarão?
— Por quem estamos nós a suar as estopinhas, Percy? Por elas. Se não tivéssemos mulher, à nossa espera, tu serias um vagabundo e eu um vulgaríssimo brigão.
— Sim, sim! Mas o senhor é um cordeirinho sem bigode, e... Galopa, bronco... que estás a mais.
A brusca exclamação do calmo Descamps fez que Taylor se pusesse em pé, de um salto. Rex Prince puxou as rédeas, o carro passou e, quando se apeou aquela que o acompanhava, levantou o seu elegante chapéu de copa cinzenta e retirou-se discretamente até ficar à distância de uns cem passos. Olímpia Prince correu para Taylor e este, abraçando-a, disse com a voz entrecortada:
— Tão primorosa, minha bela! E sujaste o teu vestido. Como um anjo que caísse do azul para me dar mais uma ilusão...
— Vim disposta a não sair daqui, Bart! Queres ser o orgulho de Eagle? De acordo. Mas eu quero ficar aqui. Não é vida ouvir só falar de ti, que houve pólvora, e que o sulco segue... Eu já odeio o sulco, odeio-o!
— E eu adoro-te, minha formosa! — replicou Taylor, a rir, enquanto lhe pegava na mão. E caminhando ao longo do troço, acrescentou: — Mandaria o sulco ao diabo, se tu não me esperasses até ao fim.
— Eu quero um marido, senhor Taylor, e não um prometido, de quem todos falam com orgulho, mas apostando se durará um dia ou uma semana! Enquanto tu fores a minha boa estrela, eu durarei o que durará o ferro do sulco. — Depois, voltando-se para Percy, disse-lhe —. Oiça, senhor Descamps, aproxime-se. Apresento-lhe a obra de arte mais acabada, que a Natureza criou. A minha futura esposa, Olímpia Prince.
Desmontando de um salto, Descamps aproximou-se, de chapéu na mão:
— Para mim, é já a senhora Taylor, e beijo-lhe a mão. Não duvide, nem um instante, de que o «trail» chegará ao fim. Porque por uma esposa, como a senhora, Taylor fará não este, mas cem «trails» piores... Bem! Piores não há. Quanto ao senhor, chefe, pode orgulhar-se de tão linda esposa. Beijo a sua mão, senhora Taylor.
Quando Descamps já se afastava, Olímpia, disse, sorrindo:
— Este homem é o terror dos meliantes. E chama-te «chefe».
— E eu apresentei-lhe a primeira maravilha do Mundo. Agradou-lhe a prova de amizade. Há dezoito dias que se encontra a meu lado.
— E eu espero-te, também, há dezoito dias. Ora isto não pode ser. E, por isso, vou ficar aqui, chefe.
— A mulher quer-se em casa. Se eu sucumbo, será permitido aos outros que suas esposas venham reunir-se a eles. O lugar da mulher é sozinha em casa, esperando o marido, a sua glória. As senhoras aqui, seria o inferno. Escuta. A verdade é esta: se eu vou um sábado para Eagle, nem com uma grua me trazem para aqui. Aguentarei até ao fim e, então, serão quinze dias seguidos, tenho-te entre os meus braços e...
Quando, meia hora depois, ela partia, depois de obter a certeza de que, no dia seguinte, Bart Taylor dedicaria o meio-dia a almoçar com ela, nos arredores, sem perder de vista o traçado, e passar com ela uma tarde agradável, Descamps comentou:
— O senhor é um herói, chefe. Uma tarde assim, luminosa, fresca à sombra, com uma senhora tão... tão senhora será uma tarde deliciosa.
— Mas o «trail» segue e assim acabará depressa. Tu julgas que eu só vejo pedras, madeira, ferro, barbas, machos, sol e sombras? Vejo, também, os lábios vermelhos, suaves, de Olímpia. Vejo os olhos celestes amorosos da minha Olímpia. E vejo... o que estás imaginando, meu velhaco. E, por isso, continuo firme na minha decisão. E vão sendo horas de sermos amigos, gun-man.
— Vejo que tens nervos e coragem e sabes dominá-los. Que importa já se nos «cascam»? A glória na terra conquistaste-a, ao beijar uns lábios que serão sempre teus. A senhora Taylor nunca poderá conhecer outro Bart Taylor.

(1) Carro coberto, com a caixa como a de um coche. (N. do T.).

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