segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

VII. Um vestido de noiva para a atriz

Rex Prince foi sentar-se em frente de sua irmã, na sala do sumptuoso teatro «Dalton», em cujo primeiro, andar se encontravam as dependências que eram destinadas a habitação do pessoal, tanto do permanente ao serviço do palco e da respetiva maquinaria, como o do bar e da sala de jogos, — e ainda ao alojamento dos elencos de artistas que por ali passavam.
— Creio saber já o motivo por que nos ofereceram tão esplêndido contrato, e o adiantamento para anulação do de Seattle. O advogado Market, com as suas perguntas sobre o animal prometido que te apeteceu escolher, esclareceu-me completamente. Precisavam de um suicida e já o têm.
Rex Prince explicou tudo quanto se referia ao «trail» e à sua interrupção por três vezes, ao faltar o capataz que soubesse fazer trabalhar os homens, sendo responsável por eles.
— Disseste que são caminhos públicos e embora pertençam a umas quantas pessoas, o governo de Oregon não se apôs a que passasse a linha de vagonetas de Dalton — comentou Olímpia. — Portanto, é um trabalho honrado.

— Também o é fazer de vivo manequim em barracas de tiro ao alvo em que, honradamente, os que experimentam a pontaria empregam balas de quarenta e dois. Mas mudemos de assunto, Olímpia. Esquece-te de Taylor e pensa em homens como Tigger Dalton. Viste como ele te olhava e...
— Tenho visto muitos olhares semelhantes, que me metem nojo...
— Não podes impedir que o desejo seja o primeiro acto de chamar a atenção de Eva para que Adão passe pela licença matrimonial. Taylor terminará mal...
— Pois é ele quem eu amo... De resto, isto é um assunto meu... Quem cozinha esta noite?
— Mary. Eu vou ver o guisado, porque essa doida é capaz de misturar o carvão com a sopa, para lhe dar uma cor original.
Rex Prince saiu, para voltar logo e do umbral da porta anunciar, exasperado:
— Aí tens o teu amorzinho selvagem... Está precioso com os olhos cor de amora e a sua cara de animal.
— De animal... muito homem. Ainda deve estar aborrecido, por que disse à assustada Glória — «Muito boas e agradáveis noites, senhora minha. Tenha a bondade de participar à senhorita Olímpia que um cavalheiro...». Depois mudando a sua imitação do tom áspero de Taylor, acrescentou: — Deu as boas noites e espera no vestíbulo.
— Esta é a minha sala de receção — disse Olímpia a sorrir —. Se ele está amável, Rex trata de sê-lo tu, também.
Prince foi ao encontro de Bart, que esperava na entrada do andar reservado ao pessoal.
— Minha irmã agradece a sua visita, Taylor. Entre e conte seis portas. A sétima é a que corresponde à sala de visitas da primeira atriz.
Bart Taylor apontou o dedo indicador para Rex Prince:
— O senhor sabe que, se cobrei em Oklahoma uma quantia que me ofereceu um madeireiro, não foi um roubo, mas simplesmente uma operação comercial. O senhor disse, então, que eu era um velhaco. Pois fique sabendo, Rex, eu não quero que questionemos.
— Muito menos eu.
— O senhor considera-me um amigo de rixas, contumaz. Tenho o propósito de emendar-me... Prefiro passar por cobarde, se assim conseguir que Olímpia me acredite. Se lhe faço saber isto é para que, se for possível, o senhor não mova mais a língua contra mim.
— Mantê-la-ei quieta, se o senhor não der motivo para o contrário. Confesso-lhe que, neste mesmo instante, estou a suar, não porque faça calor, mas porque me deram mais cérebro do que músculos, enquanto que a si sobram estes. Mas eu quero bastante a Olímpia e ambiciono para ela um bom marido. Ela é atriz e cultivamos um género ligeiro, porque morreríamos de fome se representássemos «Romeu e Julieta». Poderia bem ter casado com algum cavalheiro rico e de génio amável.
— Mas quer-me a mim... é outra coisa —. E noutro tom, perguntou: — A sétima porta?
— Exatamente, Bart. Boas noites!
— Boas noites, Rex!
Rex Prince, na cozinha, notificou a sua esposa Glória:
— O leão já não ruge. Deve acontecer assim, quando lhe cheira a cadáver. — Olhou iracundo para Mary: — E tu, meu diabo, não me deites tanto sal no caldo. — E. voltou-se novamente para sua esposa: — Desculpa, Glória querida. Eu tenho de cear sem me expor a morte macaca... Se Bart Taylor, porque quer, morrer de pé, como os bravos, eu prefiro morrer de velho, chupando um dos teus deditos, meu amor.
Entretanto, na sala de receção, Olímpia Prince alargava a roda da saia em sua volta, ao mesmo tempo que dizia:
— Entra!
Taylor entrou e, descobrindo-se, cumprimentou:
— Olá, minha linda. Como vês, volto a estar aqui, porque tu estás cá. E assim será sempre. Um homem decente pode sentar-se?
— Pode, sim, Bart. Meu irmão Rex explicou-me tudo o referente ao trabalho que te ofereceram em Eagle. E és um homem importante, porque até o advogado fez que nos contratassem, para acabar de convencer-te. As brechas já estão cicatrizadas?
— Tenho a cabeça rija, mas se resiste a golpes, não é tão rija que não compreenda que seria para mim um aborrecimento seguir-te, sem te dar provas de que não sou o que pareço. Agrada-me pelejar, porque nestas terras todos pelejam. Agora é diferente. Vou pelejar por alguma coisa: por ti, para te dar um lar e porque, se consigo acabar o primeiro trabalho de que Luther Dalton me encarregou, serei chefe de uma equipa permanente, com um ordenado que nos permitirá viver como quero. É este o meu contrato, é este o dinheiro de sinal pela assinatura, e tu guardarás todo quanto eu for ganhando.
— Eu... tenho de responder-te que, segundo Rex me disse, em Eagle não te dão muitos dias de vida.
— Para apanhar flores no prado não se paga o que Luther Dalton oferece. Mas se estás disposta a acreditar em mim, não te inquietes. Mataram os meus três antecessores, porque se deixaram provocar. Digam-me o que me disserem não brigarei.
Olímpia fez um gesto de dúvida com a cabeça. Ele, porém, prosseguiu secamente:
— Necessito desta prova e saberei dominar-me, se tu me ajudares. Viste bem que eu não aludi ao que se passou ontem à noite. Suponhamos que houve um lanço que começou bem e que se truncou quando tu saíste de Oklahoma. Aqui volto eu a retificar o lanço.
— De acordo, Bart. Houve lá um erro e agora queres emendá-lo. Mas existem outras minas, outros «trails», onde um homem como tu é necessário.
— Luther Dalton oferece-me uma fortuna e um trabalho firme...
— Onde os outros três morreram a tiro.
— Em outros «trails» tenho visto homens terem mau fim, apenas por causa de um ás que lhes fez perder um bom ganho. Se eu não soubesse assistir à colocação do rebite final, não valeria o que presumo. E presumirei bastante, se tu fores a minha permanente «parada».
— Mas, que é isto? — perguntou Olímpia.
— Lê e saberás.
Quando ela acabou de ler o documento de pagamento de trinta mil dólares, perguntou:
— Que te propões fazer, Bart?
— Que tu saibas que tudo quanto eu quero conseguir é por ti, para ter-te como esposa. E mesmo que falhasse, serias minha, porque não morrerei em pendência inútil, mas para te demonstrar que valho o que tem de valer aquele que souber reconquistar-te... Tenho sede.
— E eu também. Podemos cear aqui mesmo, Bart... E assim de cada vez que estivermos juntos. — E noutro tom, acrescentou: — Assim não. És um bruto...
Mas, no forte abraço com que ele a enlaçou, quando se pôs de pé, ela, no seu primeiro forcejo de resistência, devolveu-lhe o beijo. Depois, colocou a mão entre os seus lábios e os do seu noivo.
— O senhor Taylor prometeu dominar-se. Um beijo para selar a nossa reconciliação e... nada mais.
Taylor afastou-se, crispando os punhos e disse, sorrindo forçadamente:
— Primeira prova infalível de que sou outro, minha formosa!... Quando ela regressou, dispondo, com a ajuda de Mary, a toalha, os pratos e os resultados da intervenção culinária de Glória, Bart Taylor experimentou a agradável sensação de que já existia uma antecipação do sonhado lar, embora o futuro fosse incerto. A meio da refeição, ele exigiu:
— Eu suarei seis dias por semana, mas tu ficarás à minha espera sem apareceres no palco... Entendido?
— Eu tenho um contrato, como tu, embora seja diferente...
— E este é o dinheiro que o anula. O próprio Luther Dalton não acha bem que a minha futura esposa incendeie o sangue de qualquer asno. E, por isso mesmo, me sobra alegria. Posso, portanto, pedir-te que não saias a mostrar o que é meu e muito meu.
— E eu muito contente. Mas há um ajuste melhor. Não saio, não. Poremos Mary no meu papel e este dinheiro é teu...
— Nosso, senhora Taylor. E a propósito... Por que não vamos esta noite visitar o xerife?
— Porque quero verificar se mudas realmente. E, além disso, ao terminar o «trail», terás de pedir quinze dias de repouso para a nossa lua de mel... Para trás, leão. Tens de ir aprendendo a dominar o teu génio. Apenas um dia à ida e outro à volta. Depois, treze dias para ambos. E... já vês, eu sou menos honrada do que tu, Bart. Eu estava pensando que com este dinheiro poderíamos ir para longe, e...
— Eu também pensei nisso dois segundos. Isso na tua boca feiticeira é demonstração de que me queres. Mas querer-me-ás ainda mais, se cumprir como homem decente.
Rex Prince tentou protestar, quando Olímpia lhe falou da substituição por Mary. Mas fitou Bart Taylor e decidiu:
— Combinado. Mudarei nos cartazes o número das três «bayaderas». Contentar-se-ão com duas apenas e Mary ficará encantada por exibir o seu pouco talento, que suprirá reduzindo os vestidos. O dinheiro era para anular a tua atuação. Eu falarei com Tigger Dalton.
Rex Prince saiu logo, porque não podia acrescentar que era questão de mais ou menos dias, pois Olímpia voltaria a actuar, quando já não existisse o vivo obstáculo de Taylor. Quando, por volta da meia noite, enlaçadas as mãos, os dois se despediram, a atriz tentou por todos os meios e recursos não exteriorizar as suas lágrimas. Só chorou depois de ter ouvido a despedida:
— Um homem decente e de génio tranquilo que já sabe dominar-se, minha formosa. Vai preparando os vestidos para a noiva mais preciosa do Mundo inteiro — a noiva do chefe de equipa que acabará o «trail» das minas Dalton.
Procurando debalde uma posição que lhe desse o sono, Olímpia Prince tentava afastar a visão de um branco vestido de noivado, que tinha também a alvura do sudário.

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