Os quinze carromatos, carregados até às lonas, puxados por seis machos, foram evolucionando pesadamente até que, na esplanada neutra, deixando na retaguarda os pastios pertencentes a Ruby Cardingan, formaram um retângulo parecido com um acampamento de caravana, prevenindo-se contra um possível ataque de índios. Mas as tribos do Oregon e do Idaho há muito que estavam pacificadas.
Começou a descarga do material e das ferramentas. Os trabalhadores foram agrupados por especialidades, sendo cada grupo chefiado por um capataz. Fora do retângulo, num amplo círculo, encontravam-se seis cavaleiros armados.
Bart Taylor, a pé, percorreu os postes que assinalavam o traçado do agrimensor. Começava a brilhar, no alto, sem demasiado ardor, um sol ainda primaveril.
Ao lado de Taylor, o capataz dos brocadores (1) caminhava esperando ordens. E, meia hora depois, começava o concerto de vozes dos que conduziam os animais, arrastando o material até à linha. Outros especavam as vigotas, e os que aparafusavam as barras de distensão entre as travessas lançavam exclamações que ritmavam cada movimento da alavanca.
As breves indicações verbais, ou a própria participação de Taylor, corrigindo uma ou outra manobras, demonstravam os traçadores que não eram mandados por um novato.
Estalou o primeiro tiro de barreira, deslocando um bom número de pés cúbicos de pedra, e até às quatro horas da tarde cada homem cumpriu bem o seu dever. Aqueles que os substituíram olhavam de vez em quando o que comia, sentado a poucos passos do sulco recém-traçado, de umas trintas jardas de comprido.
Ao escurecer, acenderam-se as lanternas mineiras e os seis cavaleiros estreitaram o círculo vigilante, diminuindo-o. Às duas da madrugada, havia já uma, extensão de oitenta e duas jardas, solidamente traçada e, esgotados pelo constante e rude exercício, dormiam todos — salvo os de turno de guarda, descansando nos enxergões dos carros entre as quatro da tarde e as duas da madrugada.
Ao terceiro dia de trabalho, sem incidentes, por volta das onze horas da manhã, um dos seis cavaleiros chegou a galope. Vários traçadores levantaram-se, mas voltaram logo ao trabalho ao verem o chefe da equipa fazer um gesto simples: inclinou a cabeça e olhou a paralela dupla de ferro. Nesse momento, o cavaleiro apeou-se:
— Vem aí Lang, do «Triple Star»... Mas sozinho.
— Esta terra é livre. Volta para o teu lugar.
Depois de dizer isto, Taylor notou um rebitador que, apoiado no seu martelo, olhava na direção donde Wilburn Lang se aproximava.
— Como te chamas, amigo? — perguntou Taylor ao capataz dos rebitadores.
— Anderson.
— Então, primeiro aviso, Anderson. Se um dos teus homens perde tempo com a mais pequena coisa, tu perderás um dia de jornal.
— Sim, senhor.
Wilburn Lang desmontou do seu cavalo e prendeu-o num poste indicador do traçado. Era um homem alto, delgado, mas poucos vaqueiros com temperamento recalcitrante resistiam vivos no seu rancho. Wilburn Lang quando se aproximou de Taylor cumprimentou-o:
— Bons dias. Eu sou um homem de rancho e não percebo nada de vias. Mas julgava que as vias iam de uma estação à outra.
— Esta via senhor Lang, vai desde os terrenos de pasto de Leste até o limite daquela propriedade.
— A minha. Não lhe disseram que nenhum chefe de equipa colocará um parafuso no meu caminho?
— Disseram-me, sim. Fostes vós, amigo...
Wilburn Lang comentou amavelmente:
— Você traz aterrorizados os rapazes. Os pobres têm de ganhar o pão de cada dia. Como se chama o amigo?
— Bart Taylor.
— Não gosto do seu nome. E, se calhar, o meu também não lhe deve agradar.
— Estamos a perder tempo, Lang. Esta terra é livre e eu tenho de fazer.
— Emprega esse tom para os teus trabalhadores, amigo. Comigo todos me falam com respeito.
Bart Taylor foi buscar um martelo e assestou uma pancada num rebite. Depois, tocou levemente no ombro de Anderson, e advertiu-o:
— Esta escora não está bem enterrada, Anderson. É preciso examinar bem o trabalho.
— Sim, senhor.
Taylor encaminhou-se para o barril com água e molhou o rosto. As mãos não lhe tremiam pela vigorosa martelada que acabava de dar, mas porque estava passando pelo pior dos momentos.
Ele via que Lang ia conseguir uma coisa: ridicularizá-lo. Mas apenas, pois não podia exercer os seus dotes de atirador contra um homem, sem mais armas do que a paciente renúncia a dar-se por ofendido. Mas ao seu génio custava bastante suportar uma provocação sem fazer calar contundentemente o provocador. Quando se endireitou, depois de molhar o rosto, Lang, a seu lado, inquiriu:
— Quando chegar aos limites da minha propriedade, que pensa fazer?
— Seguir com todos os meus homens para o outro lado da sua propriedade e colocar outro lanço de via até ao barranco.
— Mas, homem de Deus! Você é técnico em «trails» ou um idiota? Qualquer pessoa de senso comum compreende que, para que as vagonetas passem de Eagle a Elkhorn, tem de ligar este troço de via com o que pensa estender do outro lado do meu rancho.
— Estamos de acordo, Lang.
— Então, pretende desafiar-me ao dizer-me que meterá as suas mãos sujas nas minhas terras?
— O senhor está a perder o seu tempo, Lang... Eu não ganho para discutir nem para brigar, mas para montar uma via férrea. Bons dias.
— Fique onde está, amigo. Ë preciso que saiba que ninguém faz pouco de mim...
— Ouça, Lang... Como vê, eu não trago pistola e o senhor, sim. O melhor é ir-se embora.
As marteladas e as vozes dos trabalhadores soavam com muito menor ruído. Cada um trabalhava, mas nenhum dos mais próximos queria perder uma só palavra da primeira demonstração de quem era Bart Taylor. Wilburn Lang comentou, desdenhoso:
— Na minha região, aquele que não traz pistola é porque cobardemente procura uma defesa que não sabe manter como homem. Ouve o que eu digo, Bart Taylor? Nesta região, um homem que dirige traçadores e não usa pistola, não deve ofender. O senhor pretende mandar-me embora, cobardemente.
— É isso mesmo. Despeço-o cobardemente. E... pronto, Lang.
Umas gotas de suor perlavam a testa de Taylor que, dando meia volta, pôs-se a caminhar apressadamente, pois receava que Wilburn Lang lhe tocasse com um dedo que fosse. Mas, depois de dar alguns passos, deteve-se ficando imóvel. De cada lado das suas botas, levantou-se uma pequena nuvem de poeira, produzida por dois balázios que Lang havia disparado. Cessou todo o ruído e o trabalho paralisou. E logo, Wilburn Lang gritou para o chefe da equipa:
—É assim que eu despeço os cobardes, Bart Taylor. E se você põe os pés nas minhas terras para cravar carris, eu cravarei chumbo no seu corpo cobarde.
Depois de dizer isto, Lang esperou a réplica; Taylor, porém, em vez de responder-lhe, advertiu os seus capatazes:
— Os senhores ficam avisados de que responderão com um dia de multa por cada homem que não cumprir. Vamos! Toca a trabalhar.
Guardando a arma, Wilburn Lang encaminhou--se para o seu cavalo, desprendeu-o e, depois de montá-lo, partiu a galope. Taylor imergiu, de novo, a cabeça no barril da água; depois, secando-a com as mãos, avançou para o cavaleiro que viera avisá-lo da chegada de Lang:
— Tu mandas nos outros e vais levar as armas. Quando trabalhar nas terras de Lang, creditareis a vossa féria. Vocês devem impedir que me atirem de longe... e de perto. Fica ou não fica entendido?
O interpelado titubeou; mas devia ter adivinhado qualquer coisa naquele chefe de equipa, escolhido por Dalton, porque replicou:
— O senhor manda. Mas como disse que...
— Que não dispararão contra mim, de longe ou de perto, porque vocês é que trazem armas. E venha Lang ou mesmo cem Langs, não devem deixar disparar. Segundo parece, vocês sabem muito bem o que é uma arma de fogo, não é verdade? Pois bem. Da próxima vez que, estando eu de frente ou voltado de costas, alguém pretenda disparar, vocês devem evitá-lo.
— Sim, senhor. E atiramos a matar?
— Basta que atirem para o braço armado. Sobrarão testemunhas de que eu... não trago pistola.
Às quatro horas da tarde, os traçadores foram substituídos. O capataz Anderson, em vez de se dirigir para os carros, começou a caminhar para Oeste, observado dissimuladamente pelos outros. Se ele tivesse tomado outra direção, teria explicação porque podia alegar que abandonara o acampamento para tomar banho nas águas do Ceddar. Taylor, que notara isso, chamou-o:
— Anderson!
O interpelado deteve-se e, voltando-se, retrocedeu com passo lento. Ao capataz de rebitadores, o voltear do martelo havia desenvolvido nele uma volumosa musculatura.
— Se te deu o sol no crânio, Anderson, orienta-te melhor. O acampamento está ali e o rio naquele lado.
— O senhor compreende. Como no acampamento não se pode beber um gole de qualquer coisa, pensei que no rancho poderiam facilitar-me isso.
— Faz o que os outros fazem.
— Eu não infrinjo o regulamento, visto que não beberei aqui...
Haviam-se aproximado alguns trabalhadores. Então, olhando para todos, Bart disse-lhes:
— Uma vez que se aproximaram para ouvi melhor, podem já ir formando o círculo de espectadores. Escuta, capataz. Cada um de nós tem o seu trabalho e quanto mais depressa ele for executado, mais depressa acabaremos. Do que suceder fora dos «trails» não se envergonhem por minha causa. Que um rancheiro me apalpe as costas e eu aguente a vontade de rir... é coisa que só a mim diz respeito. Que pretendes saber, capataz Anderson? Se eu admito desplantes, a ti, que ganhas como eu para formar uma equipa unida? Eu mando em vocês porque assim tem de ser. Aquele que pensar que eu me curvo e me agacho diante de um rancheiro, armado de pistola, e cresço ante aqueles que me devem obediência, basta que façam uma coisa bem simples: colocar-se a uns passos de distância atrás de Anderson. Os outros, que andam no traçado da via, ponham-se do outro lado.
Ele conhecia bem a mentalidade dos traçadores. Houve um movimento geral para o outro lado do traçado, enquanto quatro dos rebitadores foram pôr-se a cinco passos de distância do capataz.
— Bem. Tudo em ordem. Recuperaremos o tempo que se perder agora, com duas horas mais nos dois turnos. — E apontando os que se tinham posto do lado do capataz, disse-lhes —. Vocês quatro esperam saber quem manda aqui: se eu ou Anderson. Eu não me conformo com dois ou três socos. Primeiro, eu...
E Bart Taylor encaminhou-se para o local onde estavam as ferramentas e pegou num martelo de rebitar. Depois, inclinou-se, apanhou a barra de ferro que servia para escorar as vigotas. Quando tornou a enfrentar Anderson, disse-lhe:
— Agora tu, capataz. Aquele que ficar inteiro é que passará a mandar aqui. Mas, por enquanto, como sou eu quem manda, estás despedido, e terás de ir para Eagle ou para os quintos dos infernos, que tanto se me dá!... Por que esperas para apanhar as tuas ferramentas?
Anderson, lívido, argumentou:
— Eu não quero expor-me a matar, por uma tolice.
— Por uma tolice, não. Por um sulco que há de ser traçado custe o que custar. A tua vida ou a minha, Anderson. E tem presente que tens de aceitar o convite, porque, se o repeles, esses quatro que estão aí atrás de ti tomarão parte, por ordem, um a um, na festa.
Anderson dirigiu-se para onde estava o seu martelo e apanhou também a barra, da grossura de duas polegadas e do comprimento de dois pés. Era um duelo, de morte, por ofensas graves: a barra parava as pancadas do martelo, tentando partir-lhe o cabo; e o martelo, só com um golpe, podia acabar com o adversário. Dos quatro rebitadores, um avançou para dizer:
— Eu não estou de acordo com Anderson, senhor.
— E os outros que lá estão também não pensam, como Anderson, que eu sou um boneco de trapos. Vai-te e repara bem no que vai seguir-se.
Anderson apoiando a cabeça do martelo no solo e mantendo sobre o ombro esquerdo a barra, arguiu:
— O senhor desafiou-me a matar, Taylor.
— Eu não, Anderson. Tu é que quiseste ver se eu tinha capilé nas veias e, afinal, não tenho. O que fizeste, ao incitar os outros a tomar-me por um cobarde, só tem uma solução: ou apanhas as saias e desapareces daqui, para nunca mais te assomares onde eu estiver, ou manejas bem as tuas ferramentas. Quando quiseres, Anderson.
Encorajado, o capataz brandiu o martelo, fazendo-o oscilar um instante, como se lhe tomasse o peso. E avançou, descarregando ao mesmo tempo uma martelada na barra. Esta ressoou contra a que apresentou, de lado, Taylor, o qual, com os calcanhares fincados no Solo, volteou o martelo a meia jarda do solo. Anderson saltou para trás, volteando sobre a sua cabeça o pesado e comprido martelo, enquanto projetava para diante a barra, como se fosse um estoque. O selvagem duelo, lento nas suas evoluções, lentíssimo nas ruidosas paradas a que as ferramentas obrigavam, ao chocar-se, era seguido com ansiosa expectativa pelos traçadores.
À distância, os seis cavaleiros de guarda presenciaram com assombro aquela luta, cujo final era mais do que certo. Um dos dois Hércules cairia, com o crânio esmagado ou o peito aberto por qualquer daquelas arrepiantes pancadas. Uma martelada que Anderson parou no alto, com a barra, fê-lo ajoelhar, sob a violência da pancada, cobrindo-se com o cabo de ferro do seu martelo. Nesse momento, Taylor recuou, soprando. Alguém gritou:
— Pede perdão, Anderson! Pede desculpa, estúpido!
Anderson tinha visto também, através do suor que cobria o seu rosto, velando-lhe os olhos avermelhados pela congestão do brutal exercício, que, ao ficar de joelhos, o martelo do adversário poderia ter caído sobre a sua cabeça ou esmagado a sua caixa torácica. Então, levantou-se pesadamente, deixando cair no solo o martelo e a barra.
— O senhor manda — disse, arquejando.
— Eu já sabia isso, capataz. Descansa e apanha outra vez as ferramentas.
— Peço... perdão. O senhor poderia ter-me deixado... esticado.
— Também sei isso.
— Juro-lhe que, se o senhor não me puser fora, não me despedir, nunca mais darei lugar a tolices destas. Fui um verdadeiro idiota que não soube compreender que o senhor é valente, e que nem Lang nem os outros são tão homens como o senhor.
— Também já sabia isso, Anderson. Mas acabou a «festa». E o dito, dito: duas horas mais em cada turno. E que metam isto na cabeça, rapazes: se no nosso sulco houver sangue, não será derramado entre nós. Mas ouve, Anderson. Não querias ir beber um gole?
— Já não, Taylor. Já não.
— Vês como és um bruto? Temos muita sede, Anderson... Mas, de água pura. Os que estão no turno de... suar, toca a andar. Quanto aos outros, toca a beber... água. Se cada sábado e domingo nos lavamos com whisky, a água fortifica e desinfeta.
Quando, depois de tirar a camisa, lavava o rosto e o peito com água fresca, Bart Taylor estava contente consigo mesmo. Como cobarde, tinha saído vencedor no primeiro assalto da luta contra os proprietários das terras vizinhas. E com as próprias ferramentas havia cravado um sólido rebite, ao fortalecer o espírito de união entre os traçadores.
A meio da tarde, ao verificar que quase não era preciso inspecionar o trabalho que todos tinham executado com entusiasmo, ele calculou que a propriedade de Lang dava o percurso mais difícil e comprido.
Já não levaria o material para outra zona neutra. Prosseguiria em frente com o traçado. Se conseguisse terminar as sete milhas através do rancho de Lang, não tinha dúvidas de que haveria sulcos de sangue; mas aquele era também o troço mais comprido e além disso conhecia já pessoalmente Wilburn Lang.
Se este lançasse os seus vaqueiros contra os trabalhadores, perderia terras e vida, pois teria de fugir das represálias da própria justiça de Oregon. Portanto, só havia dois obstáculos naquelas sete milhas: suportar as provocações de Lang, precaver-se do bom atirador de rifle, que vira com um lenço ao pescoço e que tinha a mesma altura e maneiras de Tigger Dalton.
Começou a descarga do material e das ferramentas. Os trabalhadores foram agrupados por especialidades, sendo cada grupo chefiado por um capataz. Fora do retângulo, num amplo círculo, encontravam-se seis cavaleiros armados.
Bart Taylor, a pé, percorreu os postes que assinalavam o traçado do agrimensor. Começava a brilhar, no alto, sem demasiado ardor, um sol ainda primaveril.
Ao lado de Taylor, o capataz dos brocadores (1) caminhava esperando ordens. E, meia hora depois, começava o concerto de vozes dos que conduziam os animais, arrastando o material até à linha. Outros especavam as vigotas, e os que aparafusavam as barras de distensão entre as travessas lançavam exclamações que ritmavam cada movimento da alavanca.
As breves indicações verbais, ou a própria participação de Taylor, corrigindo uma ou outra manobras, demonstravam os traçadores que não eram mandados por um novato.
Estalou o primeiro tiro de barreira, deslocando um bom número de pés cúbicos de pedra, e até às quatro horas da tarde cada homem cumpriu bem o seu dever. Aqueles que os substituíram olhavam de vez em quando o que comia, sentado a poucos passos do sulco recém-traçado, de umas trintas jardas de comprido.
Ao escurecer, acenderam-se as lanternas mineiras e os seis cavaleiros estreitaram o círculo vigilante, diminuindo-o. Às duas da madrugada, havia já uma, extensão de oitenta e duas jardas, solidamente traçada e, esgotados pelo constante e rude exercício, dormiam todos — salvo os de turno de guarda, descansando nos enxergões dos carros entre as quatro da tarde e as duas da madrugada.
Ao terceiro dia de trabalho, sem incidentes, por volta das onze horas da manhã, um dos seis cavaleiros chegou a galope. Vários traçadores levantaram-se, mas voltaram logo ao trabalho ao verem o chefe da equipa fazer um gesto simples: inclinou a cabeça e olhou a paralela dupla de ferro. Nesse momento, o cavaleiro apeou-se:
— Vem aí Lang, do «Triple Star»... Mas sozinho.
— Esta terra é livre. Volta para o teu lugar.
Depois de dizer isto, Taylor notou um rebitador que, apoiado no seu martelo, olhava na direção donde Wilburn Lang se aproximava.
— Como te chamas, amigo? — perguntou Taylor ao capataz dos rebitadores.
— Anderson.
— Então, primeiro aviso, Anderson. Se um dos teus homens perde tempo com a mais pequena coisa, tu perderás um dia de jornal.
— Sim, senhor.
Wilburn Lang desmontou do seu cavalo e prendeu-o num poste indicador do traçado. Era um homem alto, delgado, mas poucos vaqueiros com temperamento recalcitrante resistiam vivos no seu rancho. Wilburn Lang quando se aproximou de Taylor cumprimentou-o:
— Bons dias. Eu sou um homem de rancho e não percebo nada de vias. Mas julgava que as vias iam de uma estação à outra.
— Esta via senhor Lang, vai desde os terrenos de pasto de Leste até o limite daquela propriedade.
— A minha. Não lhe disseram que nenhum chefe de equipa colocará um parafuso no meu caminho?
— Disseram-me, sim. Fostes vós, amigo...
Wilburn Lang comentou amavelmente:
— Você traz aterrorizados os rapazes. Os pobres têm de ganhar o pão de cada dia. Como se chama o amigo?
— Bart Taylor.
— Não gosto do seu nome. E, se calhar, o meu também não lhe deve agradar.
— Estamos a perder tempo, Lang. Esta terra é livre e eu tenho de fazer.
— Emprega esse tom para os teus trabalhadores, amigo. Comigo todos me falam com respeito.
Bart Taylor foi buscar um martelo e assestou uma pancada num rebite. Depois, tocou levemente no ombro de Anderson, e advertiu-o:
— Esta escora não está bem enterrada, Anderson. É preciso examinar bem o trabalho.
— Sim, senhor.
Taylor encaminhou-se para o barril com água e molhou o rosto. As mãos não lhe tremiam pela vigorosa martelada que acabava de dar, mas porque estava passando pelo pior dos momentos.
Ele via que Lang ia conseguir uma coisa: ridicularizá-lo. Mas apenas, pois não podia exercer os seus dotes de atirador contra um homem, sem mais armas do que a paciente renúncia a dar-se por ofendido. Mas ao seu génio custava bastante suportar uma provocação sem fazer calar contundentemente o provocador. Quando se endireitou, depois de molhar o rosto, Lang, a seu lado, inquiriu:
— Quando chegar aos limites da minha propriedade, que pensa fazer?
— Seguir com todos os meus homens para o outro lado da sua propriedade e colocar outro lanço de via até ao barranco.
— Mas, homem de Deus! Você é técnico em «trails» ou um idiota? Qualquer pessoa de senso comum compreende que, para que as vagonetas passem de Eagle a Elkhorn, tem de ligar este troço de via com o que pensa estender do outro lado do meu rancho.
— Estamos de acordo, Lang.
— Então, pretende desafiar-me ao dizer-me que meterá as suas mãos sujas nas minhas terras?
— O senhor está a perder o seu tempo, Lang... Eu não ganho para discutir nem para brigar, mas para montar uma via férrea. Bons dias.
— Fique onde está, amigo. Ë preciso que saiba que ninguém faz pouco de mim...
— Ouça, Lang... Como vê, eu não trago pistola e o senhor, sim. O melhor é ir-se embora.
As marteladas e as vozes dos trabalhadores soavam com muito menor ruído. Cada um trabalhava, mas nenhum dos mais próximos queria perder uma só palavra da primeira demonstração de quem era Bart Taylor. Wilburn Lang comentou, desdenhoso:
— Na minha região, aquele que não traz pistola é porque cobardemente procura uma defesa que não sabe manter como homem. Ouve o que eu digo, Bart Taylor? Nesta região, um homem que dirige traçadores e não usa pistola, não deve ofender. O senhor pretende mandar-me embora, cobardemente.
— É isso mesmo. Despeço-o cobardemente. E... pronto, Lang.
Umas gotas de suor perlavam a testa de Taylor que, dando meia volta, pôs-se a caminhar apressadamente, pois receava que Wilburn Lang lhe tocasse com um dedo que fosse. Mas, depois de dar alguns passos, deteve-se ficando imóvel. De cada lado das suas botas, levantou-se uma pequena nuvem de poeira, produzida por dois balázios que Lang havia disparado. Cessou todo o ruído e o trabalho paralisou. E logo, Wilburn Lang gritou para o chefe da equipa:
—É assim que eu despeço os cobardes, Bart Taylor. E se você põe os pés nas minhas terras para cravar carris, eu cravarei chumbo no seu corpo cobarde.
Depois de dizer isto, Lang esperou a réplica; Taylor, porém, em vez de responder-lhe, advertiu os seus capatazes:
— Os senhores ficam avisados de que responderão com um dia de multa por cada homem que não cumprir. Vamos! Toca a trabalhar.
Guardando a arma, Wilburn Lang encaminhou--se para o seu cavalo, desprendeu-o e, depois de montá-lo, partiu a galope. Taylor imergiu, de novo, a cabeça no barril da água; depois, secando-a com as mãos, avançou para o cavaleiro que viera avisá-lo da chegada de Lang:
— Tu mandas nos outros e vais levar as armas. Quando trabalhar nas terras de Lang, creditareis a vossa féria. Vocês devem impedir que me atirem de longe... e de perto. Fica ou não fica entendido?
O interpelado titubeou; mas devia ter adivinhado qualquer coisa naquele chefe de equipa, escolhido por Dalton, porque replicou:
— O senhor manda. Mas como disse que...
— Que não dispararão contra mim, de longe ou de perto, porque vocês é que trazem armas. E venha Lang ou mesmo cem Langs, não devem deixar disparar. Segundo parece, vocês sabem muito bem o que é uma arma de fogo, não é verdade? Pois bem. Da próxima vez que, estando eu de frente ou voltado de costas, alguém pretenda disparar, vocês devem evitá-lo.
— Sim, senhor. E atiramos a matar?
— Basta que atirem para o braço armado. Sobrarão testemunhas de que eu... não trago pistola.
Às quatro horas da tarde, os traçadores foram substituídos. O capataz Anderson, em vez de se dirigir para os carros, começou a caminhar para Oeste, observado dissimuladamente pelos outros. Se ele tivesse tomado outra direção, teria explicação porque podia alegar que abandonara o acampamento para tomar banho nas águas do Ceddar. Taylor, que notara isso, chamou-o:
— Anderson!
O interpelado deteve-se e, voltando-se, retrocedeu com passo lento. Ao capataz de rebitadores, o voltear do martelo havia desenvolvido nele uma volumosa musculatura.
— Se te deu o sol no crânio, Anderson, orienta-te melhor. O acampamento está ali e o rio naquele lado.
— O senhor compreende. Como no acampamento não se pode beber um gole de qualquer coisa, pensei que no rancho poderiam facilitar-me isso.
— Faz o que os outros fazem.
— Eu não infrinjo o regulamento, visto que não beberei aqui...
Haviam-se aproximado alguns trabalhadores. Então, olhando para todos, Bart disse-lhes:
— Uma vez que se aproximaram para ouvi melhor, podem já ir formando o círculo de espectadores. Escuta, capataz. Cada um de nós tem o seu trabalho e quanto mais depressa ele for executado, mais depressa acabaremos. Do que suceder fora dos «trails» não se envergonhem por minha causa. Que um rancheiro me apalpe as costas e eu aguente a vontade de rir... é coisa que só a mim diz respeito. Que pretendes saber, capataz Anderson? Se eu admito desplantes, a ti, que ganhas como eu para formar uma equipa unida? Eu mando em vocês porque assim tem de ser. Aquele que pensar que eu me curvo e me agacho diante de um rancheiro, armado de pistola, e cresço ante aqueles que me devem obediência, basta que façam uma coisa bem simples: colocar-se a uns passos de distância atrás de Anderson. Os outros, que andam no traçado da via, ponham-se do outro lado.
Ele conhecia bem a mentalidade dos traçadores. Houve um movimento geral para o outro lado do traçado, enquanto quatro dos rebitadores foram pôr-se a cinco passos de distância do capataz.
— Bem. Tudo em ordem. Recuperaremos o tempo que se perder agora, com duas horas mais nos dois turnos. — E apontando os que se tinham posto do lado do capataz, disse-lhes —. Vocês quatro esperam saber quem manda aqui: se eu ou Anderson. Eu não me conformo com dois ou três socos. Primeiro, eu...
E Bart Taylor encaminhou-se para o local onde estavam as ferramentas e pegou num martelo de rebitar. Depois, inclinou-se, apanhou a barra de ferro que servia para escorar as vigotas. Quando tornou a enfrentar Anderson, disse-lhe:
— Agora tu, capataz. Aquele que ficar inteiro é que passará a mandar aqui. Mas, por enquanto, como sou eu quem manda, estás despedido, e terás de ir para Eagle ou para os quintos dos infernos, que tanto se me dá!... Por que esperas para apanhar as tuas ferramentas?
Anderson, lívido, argumentou:
— Eu não quero expor-me a matar, por uma tolice.
— Por uma tolice, não. Por um sulco que há de ser traçado custe o que custar. A tua vida ou a minha, Anderson. E tem presente que tens de aceitar o convite, porque, se o repeles, esses quatro que estão aí atrás de ti tomarão parte, por ordem, um a um, na festa.
Anderson dirigiu-se para onde estava o seu martelo e apanhou também a barra, da grossura de duas polegadas e do comprimento de dois pés. Era um duelo, de morte, por ofensas graves: a barra parava as pancadas do martelo, tentando partir-lhe o cabo; e o martelo, só com um golpe, podia acabar com o adversário. Dos quatro rebitadores, um avançou para dizer:
— Eu não estou de acordo com Anderson, senhor.
— E os outros que lá estão também não pensam, como Anderson, que eu sou um boneco de trapos. Vai-te e repara bem no que vai seguir-se.
Anderson apoiando a cabeça do martelo no solo e mantendo sobre o ombro esquerdo a barra, arguiu:
— O senhor desafiou-me a matar, Taylor.
— Eu não, Anderson. Tu é que quiseste ver se eu tinha capilé nas veias e, afinal, não tenho. O que fizeste, ao incitar os outros a tomar-me por um cobarde, só tem uma solução: ou apanhas as saias e desapareces daqui, para nunca mais te assomares onde eu estiver, ou manejas bem as tuas ferramentas. Quando quiseres, Anderson.
Encorajado, o capataz brandiu o martelo, fazendo-o oscilar um instante, como se lhe tomasse o peso. E avançou, descarregando ao mesmo tempo uma martelada na barra. Esta ressoou contra a que apresentou, de lado, Taylor, o qual, com os calcanhares fincados no Solo, volteou o martelo a meia jarda do solo. Anderson saltou para trás, volteando sobre a sua cabeça o pesado e comprido martelo, enquanto projetava para diante a barra, como se fosse um estoque. O selvagem duelo, lento nas suas evoluções, lentíssimo nas ruidosas paradas a que as ferramentas obrigavam, ao chocar-se, era seguido com ansiosa expectativa pelos traçadores.
À distância, os seis cavaleiros de guarda presenciaram com assombro aquela luta, cujo final era mais do que certo. Um dos dois Hércules cairia, com o crânio esmagado ou o peito aberto por qualquer daquelas arrepiantes pancadas. Uma martelada que Anderson parou no alto, com a barra, fê-lo ajoelhar, sob a violência da pancada, cobrindo-se com o cabo de ferro do seu martelo. Nesse momento, Taylor recuou, soprando. Alguém gritou:
— Pede perdão, Anderson! Pede desculpa, estúpido!
Anderson tinha visto também, através do suor que cobria o seu rosto, velando-lhe os olhos avermelhados pela congestão do brutal exercício, que, ao ficar de joelhos, o martelo do adversário poderia ter caído sobre a sua cabeça ou esmagado a sua caixa torácica. Então, levantou-se pesadamente, deixando cair no solo o martelo e a barra.
— O senhor manda — disse, arquejando.
— Eu já sabia isso, capataz. Descansa e apanha outra vez as ferramentas.
— Peço... perdão. O senhor poderia ter-me deixado... esticado.
— Também sei isso.
— Juro-lhe que, se o senhor não me puser fora, não me despedir, nunca mais darei lugar a tolices destas. Fui um verdadeiro idiota que não soube compreender que o senhor é valente, e que nem Lang nem os outros são tão homens como o senhor.
— Também já sabia isso, Anderson. Mas acabou a «festa». E o dito, dito: duas horas mais em cada turno. E que metam isto na cabeça, rapazes: se no nosso sulco houver sangue, não será derramado entre nós. Mas ouve, Anderson. Não querias ir beber um gole?
— Já não, Taylor. Já não.
— Vês como és um bruto? Temos muita sede, Anderson... Mas, de água pura. Os que estão no turno de... suar, toca a andar. Quanto aos outros, toca a beber... água. Se cada sábado e domingo nos lavamos com whisky, a água fortifica e desinfeta.
Quando, depois de tirar a camisa, lavava o rosto e o peito com água fresca, Bart Taylor estava contente consigo mesmo. Como cobarde, tinha saído vencedor no primeiro assalto da luta contra os proprietários das terras vizinhas. E com as próprias ferramentas havia cravado um sólido rebite, ao fortalecer o espírito de união entre os traçadores.
A meio da tarde, ao verificar que quase não era preciso inspecionar o trabalho que todos tinham executado com entusiasmo, ele calculou que a propriedade de Lang dava o percurso mais difícil e comprido.
Já não levaria o material para outra zona neutra. Prosseguiria em frente com o traçado. Se conseguisse terminar as sete milhas através do rancho de Lang, não tinha dúvidas de que haveria sulcos de sangue; mas aquele era também o troço mais comprido e além disso conhecia já pessoalmente Wilburn Lang.
Se este lançasse os seus vaqueiros contra os trabalhadores, perderia terras e vida, pois teria de fugir das represálias da própria justiça de Oregon. Portanto, só havia dois obstáculos naquelas sete milhas: suportar as provocações de Lang, precaver-se do bom atirador de rifle, que vira com um lenço ao pescoço e que tinha a mesma altura e maneiras de Tigger Dalton.
(1) Os que abrem buracos nas minas, nas pedreiras, etc., para fazê-las rebentar. (N. do tradutor)
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