domingo, 8 de dezembro de 2019

VI. Celebração de um contrato de trabalho

— Como está você, Taylor? Market continua falando com Luther... Eu sou Tigger Dalton, administrador das minas de Eagle. Segundo parece, você é o homem que resolverá este amaldiçoado assunto.
Os olhos de Taylor pareciam fascinados pelo lenço amarelo. Entretanto, Tigger, levando a mão ao pescoço, como para endireitar o lenço, prosseguiu:
— Os traçadores estão já desejosos de começar o trabalho, Taylor. Ganharão quinhentos dólares cada um, quando esse trabalho começar e, além disso, um lugar fixo como cantoneiros da linha. Estranha alguma coisa em mim?
Bart não pôde replicar. Acabava de entrar, nesse momento, o advogado:
— O senhor Luther Dalton espera-o, Taylor.
Seguido por Tigger e caminhando Market a seu lado, o novo chefe de equipa ia pensando que quando os dois desconhecidos entraram no bar «Upperriver», um deles, da mesma altura de Tigger, que levava um lenço amarelo ao pescoço, tinha o chapéu desabado para a frente, quase a ocultar-lhe o rosto e levantadas as bandas do seu jaquetão de ganadeiro.

Entraram no escritório, uma sala também carregada de luxo. Um homem, de ombros largos, rosto enérgico e olhos azuis, velhacos e maliciosos, que trajava sobrecasaca e calças de bom pano cinzento escuro, bota curta, de couro fino polido, e camisa branca, da qual se destacava uma gravata-plastrão com um alfinete em forma de picareta e pá, de ouro e brilhantes, indicou-lhe uma cadeira.
— Seja bem-vindo, Taylor. Market acaba de informar-me de que você assimilou perfeitamente a situação e que, portanto, é melhor dar-lhe carta branca. Os pormenores referentes a material e lista de «traçadores» estão nesta carteira. Mas concretizemos: o senhor fica com pulso livre para traçar e responde pelo trabalho dos homens. Os anteriores chefes de equipa prometeram uma média de cinquenta jardas (1) em cada dez horas. Está de acordo?
— Se me facilitar pessoal, podemos traçar cem, em dois turnos. — Você não aguenta vinte horas acordado.
— Dormindo quatro horas, regulamentares e
outras quatro nas zonas neutras, posso muito bem...
— Tigger: o pessoal da sexta galeria passa às ordens de Taylor —. E voltando-se para Taylor, perguntou: — Que mais?
— Seis homens em dois turnos, com armas, para me guardarem as costas de possíveis tiros de longe. — Ouviste, Tigger? Que mais?
— A sua assinatura num documento bancário, cedendo os meus trinta mil dólares de prémio, em caso de morte, por traição.
— Eu pago-lhe por um traçado, não para um enterro de príncipe.
— Se me matarem a tiro, traiçoeiramente, o senhor obtém a proteção do Governo para terminar o «trail». Os outros três morreram, numa rixa, fazendo assim o jogo de Walker, de Muldorf e de Lang. A minha morte pode solucionar o seu conflito, senhor Dalton.
— Ouves, Market? Passarás o documento que Bart Taylor pede... Em nome de quem?
— Da mulher com quem quero casar, se sobreviver a tudo isto: Olímpia Prince.
Luther Dalton olhou para seu irmão Tigger, e riu pela primeira vez:
— Como se chama a atriz que contrataste, Tigger?
— Chama-se Olímpia Prince. Contratei-a porquê Market me telegrafou, indicando-Me a quantia que devia oferecer.
Taylor fitou o advogado que lhe explicou secamente:
— A atriz Olímpia atuará em Eagle, no seu único teatro, devido à filantropia do senhor Dalton. Se você quer demonstrar que não é um néscio brigão, mas um trabalhador decidido, esta mesma noite tem ocasião de convencer a senhorita Olímpia.
— Concretizemos, Taylor. Quando pensa começar? — disse Dalton.
— Amanhã, às seis em ponto, um turno até às quatro, outro até às duas da madrugada. Preciso de todos os carros disponíveis para transportar todo o material acumulado em Eagle, para as duas primeiras zonas neutras. Seis bons atiradores de escolta que saibam explorar num raio de cinquenta metros de distância da minha pele, e lâmpadas mineiras em profusão para o turno da noite. Barracas de lona e uma proibição, assinada pelo senhor, de que nenhum homem poderá levar consigo qualquer bebida. Água simples e mais nada. Desforrar-se-ão nas noites de sábado e aos domingos, mas também por turnos. Além disso, o senhor assinará uma disposição terminante e formal, que castigue com despedimento e açoitamento a meu cargo todo aquele que, estando de turno de vigilância do material e pólvora necessária para rebentar as pedreiras, se embriagar.
— Você conhece bem o terreno, Taylor! Toma nota, Tigger. Tudo preparado para as seis horas da manhã na senda dos pastios. Traz-me o documento que Taylor pede. Eu fico à espera.
Tigger Dalton saiu do salão-escritório, Luther pegou num charuto, cortou a ponta com os dentes, cuspiu e pondo-se de pé, apresentou a caixa aberta a Taylor:
— Tire meia dúzia. São especiais para mim. E agora fale com toda a franqueza: Você considera-me um déspota?
— O senhor quer unir Eagle com Elkhorn, e paga bem, porque sabe que, se conseguir isso, antes de dois anos, Eagle será uma cidade. Sem proprietários que se oponham, poderá traçar de Eagle a comunicação com o ramal de Idaho.
— Exatamente. E você será o chefe permanente de todos os futuros traçados com o vencimento duplo daquele que Market mencionou. Tem mais alguma coisa a dizer?
— O senhor convocou para uma reunião os quatro proprietários; mas estes opuseram-se, alegando o ocorrido em outras minas suas, cujo «trail», nas suas paragens, alterou por completo a paz dos ranchos confinantes. Mas não se podem suprimir essas paragens de três em três milhas, porque são imprescindíveis para a manutenção e conservação dos carris e das vagonetas, assim como para evitar desnivelamentos e o arrancar dos carris. Por que não legaliza o senhor um documento, proibindo, junto das paragens, a abertura de estabelecimentos de bebidas, origem de pelejas entre vaqueiros e trabalhadores do «trail»?
— Pela simples razão de que criei com o meu dinheiro este povoado e criarei os outros que escalonarem a minha linha e que hão de nascer junto das paragens. Em cada um desses povoados, vender-se-á toda a mercadoria dos meus armazéns, desde o mais simples botão para camiseta até ao catavento de adorno da mais rica moradia... Cada dólar que emprego tem de produzir mil, por causa daqueles que perco. Os tendeiros de Eagle vendem com lucro a mercadoria que eu lhes forneço e, comercialmente, recupero com juros o que pago aos meus empregados. O teatro a que Market fez alusão é que é uma filantropia da minha parte, porque a entrada é gratuita. Mas, terminado o espetáculo, cada assistente pode beber à vontade e jogar até matar-se... É claro que as bebidas são das minhas destilarias e de cada mesa de jogo tenho três por cento. Eu comi muita erva amarga, antes me dar com os «calhaus amarelos» (2) e conseguir o primeiro milhar de dólares. Se há doze milhas que me cortam um projeto eu pago seja o que for para vê-los traçados, morra quem morrer. E se conseguirem matar-me, outros continuarão o que eu comecei, até ao fim. De pé, Bart Taylor sacudiu a cinza do aromático charuto, cuja cinta tinha a efígie de Luther Dalton. Depois, disse:
— Devo confessar que me enganei ao pensar que... um lenço amarelo lhes proporcionava o motivo para que o Governo interviesse, apresentando para isso o cadáver de um chefe de equipa assassinado. É preferível que Tigger Dalton não o saiba... Mas ele tem a mesma altura, o mesmo andar e usa um lenço igual ao daquele que tentou matar-me e conseguiu matar o seu companheiro que ia revelar quem era e por conta de quem me alvejou.
— O teu chefe de equipa, Market, é firme e franco. Ouviste-o? Atreveu-se a insinuar que Tigger ia matá-lo por minha ordem. Mas, enfim... Como tem a coragem de confessá-lo, esqueço a sua insinuação.
— Tenha presente, senhor Dalton — argumentou Market — que, de certo modo, se nós próprios matássemos Taylor, evitaríamos incómodos futuros... Mas, depois de estudá-la, afastei essa ideia. Se pela investigação se descobrisse que o assassino fora pago por qualquer dos quatros renitentes em contemplar os seus comboios e povoados, o senhor teria esses comboios e povoados; mas se, pelo contrário, descobrissem que tinha sido um de nós quem pagara ou disparara, o senhor ficaria sem coisa alguma e iríamos os dois à forca. Ora isto não interessa. Portanto, fica posta de parte a sua sugestão, Bart Taylor...
Dalton sorriu para o advogado:
— É com uma dessas chalaças, meu querido Carlos, que construirás o teu ataúde! Bart Taylor é bastante inteligente e decidiu ser' prudente.
Nesse momento, entrou Tigger que estendeu um documento a seu irmão. Luther pegou nele e leu:
«À minha ordem e sobre a minha conta bancária de Seattle no «Trader», pague-se à portadora, Olímpia Prince, trinta mil dólares, no acto de ela se apresentar ou à pessoa a quem ela endossar este documento, ante a apresentação prévia do certificado judicial de morte violenta e desleal de Bart Taylor, chefe da equipa do «trail» Eagle-Elikhorn».
Dalton mostrou o documento a Taylor que, depois de lê-lo, assentiu com um gesto. Luther, recebeu novamente o documento e, enquanto se encaminhava para a sua secretária, disse a seu irmão:
— Tira daí esse asqueroso lenço amarelo, Tigger.
— Bem sabes que é o meu amuleto de sorte, Luther.
— Já não o é — replicou seu irmão — visto que há outro que o usa para poder endossar-te a possível morte do nosso chefe de equipa.
Depois, sentou-se à secretária e, com bastante lentidão, fez a sua assinatura, com uma complicada série de letras e arabescos. Deitou sobre a sua assinatura a cinza do charuto, para secar a tinta, soprou-a e, dirigindo-se a seu irmão, ordenou-lhe:
— Dá a Taylor toda a documentação referente às doze milhas, aos trabalhos já feitos e a tudo quanto se refere aos quatro verrinosos vizinhos. Eu parto esta noite, mas regressarei dentro de poucos dias. Tu ficas, Market. E tu, Tigger, vai reunir-te à gente da sexta galeria. Quanto a si, Taylor, deve preferir a visita à sua herdeira. Ah! É verdade, Market. Leva-o às minhas cavalariças, para escolher um cavalo... Até à volta, Taylor, ou até ao Inferno, mas sem remorsos.
— Boas noites!
Market e Bart encaminharam-se para as cavalariças e depois de o chefe da equipa ter escolhido um belo potro negro, com uma estrela branca no pelo frontal, o advogado comentou:
-- Para Luther, mais do que o dinheiro, conta o seu amor a fundar cidades e se houver sulcos de sangue, ele cobre-os com ouro. O certo é que você lhe caiu em graça.
— Ah! Sim?! Por que diz isso, Market?
— Porque lhe deu charutos. Ele nunca faz isso a ninguém.
— Talvez, sim! — e noutro tom, Bart observou: — Luther trata seu irmão despoticamente.
— Porque Tigger é um invejoso, que atribui a má sorte à sua pouca iniciativa. Mas Tigger só serve para cumprir ordens que dimanam da iniciativa de Luther. E agora, sorte, amigo Taylor. Eu não tenho turnos de traçadores e ficarei em Eagle.
— O senhor só cobra cinco mil... Venha o contrato e o prémio de... alistamento. Esta noite é boa e, no fundo, agradeço-lhe o truque de atrair a pomba para que o rolo seja bom rapaz. Agora, só uma advertência." Serei manso e surdo, no que se refere ao «trail». Mas o senhor faça correr a notícia de que Olímpia Prince será minha esposa e procurarei que não seja viúva, antes de tempo.
Tigger entrou nesse instante e encaminhou-se para Taylor:
— Meu irmão Luther deu-me isto para si. Estendeu para ele uma bolsa e um sobrescrito fechado. Taylor aceitou-os. A bolsa tilintava. Rasgou o sobrescrito e leu:
«Junto o ouro para anular ó contrato, de Olímpia. Os mineiros de Eagle têm sangue ardente. Descontaremos o abono adiantado, por meses, no outro traçado de Eagle e Idaho.
«Luther Dalton»
(1) Jarda = Medida inglesa de 0,91 metros.
(2) A expressão alusiva às palhetas de ouro usada pelos pesquisadores americanos (N. do T.).

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