sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

XI. Resistência férrea ao insulto

O grupo dos seis cavaleiros abriu-se em leque, com os extremos na direção de Maldonado e Barnes, respetivamente. Seguido de um vaqueiro, Wilburn Lang continuou avançando em linha recta. Os que haviam chegado em frente de Maldonado e Barnes saudaram-nos secamente:
— Bons dias, amigo!
O que se colocou a poucos passos de Descamps fez o mesmo. Eles não iam armar pendência, mas significar que, embora estivessem às ordens de Lang, e os gun-men às de Dalton, o que acontecesse entre Lang e o traçador não lhes incumbia. Quer dizer: não era uma guerra entre trabalhadores e vaqueiros, mas entre um proprietário do vizinho caminho de trânsito e o chefe da equipa, que representava o próprio Dalton, como especificava o contrato, válido para um «trail», mas sem valor legal no caso de conflito entre particulares.
Wilburn Lang enfreou o seu potro, quando chegou a uma jarda do extremo da travessa, sobre a qual, como um lenhador cortando um tronco, Taylor apoiava os pés especando cunhas laterais.
— Larga o martelo e atende-me, Bart Taylor.

Taylor assestou mais duas pancadas e, ajoelhando-se, examinou se as cunhas haviam encaixado bem nas cavidades. Rebitou em pé a um lado da outra travessa, enquanto o potro montado por Lang fazia piafé, escarvando no ponto onde Taylor estivera ajoelhado, momentos antes. Bart Taylor fitou o olhar duro do exasperado ganadeiro.
— Vou laçar-te, como a um bezerro mal-intencionado, porque adivinhei o teu jogo. Estás procurando que eu te mate, para deixares tudo ao teu amor. Mas não tenho tempo de esclarecer se és louco ou prudente. Disse-te há dias, bem claramente, que não pusesses as tuas mãos sujas no meu. caminho.
— Este caminho não é seu, Lang. É um caminho público e o senhor é apenas seu vizinho.
— Sim. Um vizinho que não aceita desafios e tu desde ontem que me estás desafiando, quando começaste a repisar a tua fanfarronada para que todos ouvissem o teu repto. Não te quero matar como a um cobarde que se protege com o facto de não trazer arma. Também não quero que esses três gun-men troquem tiroteio com os meus vaqueiros. Vou simplesmente laçar-te.
Wilburn Lang tirou da sela da sua montada o rolo da flexível corda. Com humilhante lentidão, fez girar por cima da sua cabeça o laço, que partiu, de súbito, silvando para a cabeça de Taylor, imóvel. A corda desceu até passar os seus largos ombros e Lang deu um esticão, obrigando ao mesmo tempo o seu potro a retroceder. Atou a ponta ao arção, mas, logo, saltou para o solo, furioso.
O laço apertara-se entre os dois cotovelos, mantidos em arco, daquele que, empunhado o seu martelo pelo cabo e pela cabeça, se limitara agora a encolher os cotovelos, para fazer cair o laço flacidamente no solo, em volta das botas, dando depois um passo para sair do círculo formado pela corda.
Mantendo o martelo como um rifle atravessado diante do seu peito nu, Bart Taylor esperou o segundo embate. Wilburn Lang, a dois passos de distância dele, fez com a mão um sinal e os seus vaqueiros foram-se aproximando, seguidos pelos três guardiões de Taylor. Quando os oito cavaleiros pararam, Lang, a tremer de raiva, disse:
— Quero que sejam testemunhas de que este homem zomba de mim e se recusa a pegar na pistola. Por tal motivo, considero-o um cobarde e como tal vou escarrar-lhe na cara e esbofeteá-lo, se antes de um minuto não pedir uma arma.
— Como vês, tenho-a aqui, Lang. A minha arma é a ferramenta de trabalho. Não escarras nem me esbofeteias, por que, se pretendeste tolher-me os movimentos com o teu laço o meu martelo não falha. Larga a tua pistola e se és homem utiliza apenas os teus punhos, ou espera que o «trail» fique acabado. Então, diante destas mesmas testemunhas que juntaste, com a arma que tu mesmo escolheres quer sejam os dentes, os punhos, pistolas e rifle, quer sejam mil canhões, convida-me à «festa». Passou o minuto. Obrigado, Lang.
O ganadeiro não precisava de olhar para os rostos dos cavaleiros que o rodeavam, para saber que tinham a expressão indiferente que em tais casos adotavam aqueles que davam a entender que, quando dois homens falavam, não deviam intervir nem fazer qualquer comentário. Wilburn Lang baixou lentamente a mão direita.
— Larga o martelo ou faço-te saltar com um balázio.
— Eu estou a ganhar para empregar o martelo no sulco que tu pisas, Lang. Se não queres mostrar a palma da mão direita, lisa como uma folha, recua dois passos e dispara, então, tranquilo, cobardemente tranquilo...
Perdido o domínio de si mesmo, no seu orgulho de homem sempre obedecido, Wilburn Lang sacou de súbito a arma da bainha de coiro, sem retroceder. Taylor não se moveu, mas as suas mãos voltaram o martelo no ar e o cabo chocou ruidosamente com as costas da mão de Lang e a bainha de coiro.
Lançando uma imprecação de raiva, Wilburn Lang assestou com a mão esquerda uma punhada que ecoou no lado esquerdo de Taylor, o qual amorteceu o golpe voltando o corpo de banda, ao mesmo tempo que largava o martelo.
Lang estendeu a mão esquerda, magoada, com os nós dos dedos feridos, e investiu, atirando outro soco e um pontapé. Com um movimento rápido Bart Taylor agarrou o pulso esquerdo e o tornozelo direito do ganadeiro que perdeu o equilíbrio, ao ser parado o seu duplo ataque daquela maneira pouco vulgar. Taylor girou sobre os calcanhares, sem largar a sua presa, dando três voltas rápidas.
O rosto e o peito de Lang roçaram as travessas, e, quando ficou estendido a cinco passos de distância, dobrado, numa posição dolorosa, ensanguentados o rosto e a mão direita, o lenço do pescoço e a camisa feitos em tiras, semiergueu-se sobre a mão esquerda. Depois, tornou a cair, permanecendo inerte.
No silêncio que se seguiu, nenhum vaqueiro olhou os três gun-men que, um pouco afastados, mantinham as mãos, com as rédeas apertadas, contra o peito.
Por fim, dois vaqueiros apearam-se. Estridente, ainda que a quisesse tornar calma, ouviu-se a voz de Percy Descamps:
— Todos vimos que Lang ia disparar contra um homem desarmado, atacando-o depois a soco e a pontapé. Mollison tem de saber isto. Parte para Eagle, Maldonado. E peço a um de vocês — e indicou os vaqueiros — que acompanhe Maldonado e testemunhe o que Lang pretendeu fazer.
Os dois vaqueiros, agarrando o corpo derreado e abatido de Lang, um pelas axilas e o outro pelas curvas das pernas, levaram-no para o seu cavalo. Outro quebrou a tensão do momento, dizendo:
— Vai com o guarda-mineiros, Jerry. O caso passou-se como Percy Descamps contou.
Maldonado e o vaqueiro Jerry partiram a galope. Afastaram-se os dois que conduziam, entre as suas montadas, o potro onde seguia Lang, com os braços e as pernas pendentes. Um terceiro seguiu-os. Mas ficou um. Era aquele que dissera as palavras que evitaram um possível combate entre vaqueiros e gun-men e que ficara imóvel. Por fim, apeou-se e, aproximando-se de Taylor, que bebia pelo caço que acabara de encher no bidão da água, disse secamente:
— O patrão de «Triple Star» demorará dias ou semanas a voltar a manter-se de pé e a poder empregar a pistola. Não preciso que o senhor me diga que, se o laço o apanhasse, seria o senhor quem demoraria meses para poder andar. Mas não esqueça isto, Taylor: quando o patrão de «Triple Star» se mantiver de novo de pé, e puder utilizar a mão, já não serão só os dois a travar uma luta de vida ou de morte. Serão-outros, também... Eu com Percy Descamps.
— Você pode encontrar trabalho em outro rancho e Descamps em outro sulco — interrompeu-o Taylor. — Eu não. O meu trabalho é aqui. Até agora, Lang pretendeu desembaraçar-se de um chefe de equipa. Por que não vai ele lançar um repto a Luther Dalton? Simplesmente, por que teme as influências de Dalton e, talvez, perder a pele, antes de ser julgado, pelas balas que Dalton disparar. Eu não estou a justificar a minha atitude. Podia ter morto Lang com uma martelada, pois não faltavam testemunhas de que lhe aguentei bastantes insultos. Mas este sulco chegará onde deve chegar. E se amanhã o senhor aceitar ordens de Lang para abrir fogo, pergunte-lhe primeiro qual é a recompensa: a forca. Sabe uma coisa? Já quiseram liquidar-me a tiro, de longe. Ora Percy e todos que aqui usam armas não estão cá para outra coisa se não evitar que um assassino me mate à traição. Quer mais alguma coisa?
— Hão de vir outros, amigo!
— E o «trail» continuará a seguir. Seja quem for que apareça, bem-intencionado ou não, não impedirá o traçado do sulco, que continuará até o fim. O vaqueiro montou e, voltando-se, a segurar já a rédea, levou a mão ao seu largo chapéu, limpo e escovado:
— Eu já comi carne dura e ressequida de boi velho, Taylor, pensando que era a mais dura de mastigar. Mais há touro novo, ainda mais duro, para meter dente nele. Adeus, amigo. Um vaqueiro a menos em «Triple Star», seu servidor, Tom Bidloe, Adeus!
Minutos depois, Percy Descamps comentou:
— Tom Bidloe é sensato. Eu não, porque fico. Dantes, a camisa, exceto aos domingos, cheirava-me a suor. Agora, cheira-me a ossos mortos. Mas fico... E sabe porquê, chefe? Porque já me começa a seringar a pergunta: «Chegará ou não o «trail» ao fim? E, sobretudo, porque me agrada ombrear com um toiro novo, quando os ganadeiros contratam um bando de pistoleiros, para que estes venham «fritá-lo» a tiro. Porque eu digo-lhe uma coisa: o senhor presume de que não é brigão, mas é ainda pior. Aí firme, dando a crer a Lang que o laço funcionara às mil maravilhas. Depois, firme refervendo-lhe o sangue, sem insultar. Depois... um toquezito de martelo! Agrada--me procurar ser seu amigo, Bart Taylor. Duro com o martelo, chefe! Avante com esse «trail» do demónio! Vão enterrar-nos juntos, mas, caramba! vai ser um enterro que eu não quero perder!

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