quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

IX. Assentar com as próprias mãos

— Os que esta tarde e amanhã quiserem ganhar salário a dobrar, economizarão o que os outros gastarão em Eagle.
— Mas hoje é sábado, senhor Taylor.
— Bem sei isso, Jason. E eu também estou ansioso por um bom trago e por ver uma rapariga linda. Necessito apenas de vinte homens para dois carros e um capataz.
Anderson, só com uma face barbeada, aproximou-se, com a navalha na mão, para anunciar:
— Eu sou um, senhor Taylor. E utilizando a navalha como batuta que acompanhasse a sua peroração, apontou-a para todos os que iam fazendo os seus preparativos a fim de partirem para Eagle, acrescentando:
— Vocês voltarão depois de amanhã com cabeça como uma cortiça, e sem um chavo no bolso. Em troca, eu e os vinte rapazes que ficarem aqui, comigo, quando formos para Eagle, teremos montes de moedas, e seremos sorteados pelas raparigas mais bonitas que anseiam por ter um marido endinheirado. Ficas comigo, Jason? Um!... E tu, Sullivan? Dois!...
Minutos depois, Anderson contava o vigésimo primeiro. Então, avançando para Taylor, disse satisfeito:
— Já tem vinte e um voluntários para féria dobrada, senhor Taylor.

— Equipem os carros com o necessário para uma milha de traçado. E levem lâmpadas e provisões para oito dias.
E tocando no ombro de Anderson, acrescentou:
— Tu levarás os dois carros e os trabalhadores para a zona neutra, entre o barranco e a propriedade de Walken Ali respeitarão o traçado e tu respondes por que não será preciso passar revista diariamente. Os do barracão terminal é que levarão a água. E tu dás-me a tua palavra de que não haverá nem uma gota de licor, nem a mais pequena briga, nem saídas do acampamento.
— Dou-lhe a minha palavra, senhor Taylor.
— Sabes por que confio em ti? Primeiro, por que, depois da nossa leve discussão, te portaste como um homem, sem rancor.
— Nessa... «leve discussão», o senhor jogou a vida e não quis esmagar-me os pulmões, senhor Taylor. Outros sentir-se-iam humilhados, por mesquinhez de carácter.
— Eu não devia desrespeitá-lo...
— Fizeste o que eu teria feito, Anderson, sendo capataz. Provar se o meu chefe era um boneco de trapos.
— Mas, talvez, se eu fosse o chefe e o senhor o Anderson, eu lhe rebentasse com os pulmões. Por isso mesmo o senhor é um bom chefe, porque sabe pelejar como poucos e pode despedir-me. Mas desculpe e garanto-lhe que em oito dias cubro o traçado, entre o limite de Chet Muldorf e o de Qgden Walken
— Vocês não serão provocados, por que trabalharão em terreno livre, além de que a eles custaria a forca atacarem homens desarmados —. E Taylor indicou as ferramentas que os vinte homens escolhidos por Anderson iam carregando nos carros —. Começa o trabalho da boca do barranco para a terra de Lang e deixa dez jardas livres, de cada lado. E nada de perder tempo.
A poeira que os carros levantaram ao começarem a rodar para Oeste foi-se dissipando, na distância, a marcar o seu afastamento.
Bercy Descamps, o chefe dos guardas da mina, escolhidos pela sua demonstrada serenidade e eficiência no manejo das armas, apeou-se e avançou para Taylor. Quando chegou a dois passos dele, levou a mão à aba do chapéu.
— Queres alguma coisa?
— Eu, não, senhor. Trata-se dos meus companheiros que têm mulher em Eagle e gostariam d receber e voltarem na segunda-feira.
— Dize-lhes que eu também tenho mulher.
— Não os censure, senhor Taylor. Mas eles têm menos força de vontade do que o senhor. Eu bem compreendo que ganham para escoltá-lo e que, assim, não receberão nem metade, se regressarem à mina, porque o senhor já não precisa de escolta. Mas três deles são novos e recém-casados.
— Compreendo. Seria cruel retê-los. Podes dizer-lhes que partam.
— Obrigado, senhor. Ficamos três: eu, Barnes e Maldonado.
— Os solteiros aguentam melhor, não?
— Sim. Maldonado é solteiro. Barnes e eu já estamos tranquilos. Vai já para quinze meses que somos casados. — E Descamps fez sinal para os três que esperavam, e que, depois de levantarem no ar os seus chapéus, de agradecimento e despedida, esporearam as suas montadas, na direção de Eagle.
Maldonado e Barnes aproximaram-se. Bart Taylor passou por entre os que tinham de permanecer de turno vigilante, no acampamento e no traçado já feito. Dirigiu-se a um carro, cujos varais, ao alto, apontavam para o céu e começou a atrelar dois machos. Alguns homens quiseram ajudá-lo, carregando depois vigotas, barras, alavancas e martelos; depois, quatro enxergões, lâmpadas um barril com água, outro com pólvora e diversos sacos de provisões.
Depois de subir para a boleia e agarrar nas rédeas, Taylor chamou o capataz dos traçadores:
— Carrega duas boas picaretas, o teu melhor escavador e a planta. Não voltará comigo, senão depois de amanhã, às seis da madrugada. E ficamos de acordo em que os homens pelos quais respondes apertarão bem o cinto.
Depois de colocar as ferramentas pedidas e, enquanto apalpava a manivela do travão, o veterano objetou:
— Sou bastante velho para que o senhor me perdoe a liberdade de dizer-lhe que o que se propõe, fazer nos pode deixar. sem o melhor chefe de equipa que eu tenho conhecido.
— Que me proponho eu, veterano?
— Dois carris ligados, para preencher os quarenta passos necessários para unir os traçados, quando o daqui chegar ao limite de Lang. E o senhor dispõe-se sozinho a traçar e a unir. Poderíamos ficar aqui cinco rapazes, e eu e o resto ajudá-lo-íamos, chefe.
— O vosso turno é de descanso, como para os vaqueiros de Lang. Se o senhor me aprecia como mandão, vá pensando que estes dois sulcos são a teimosia do amor-próprio de um homem que cuspiu, primeiro, nos calos das mãos, com fadiga e raiva, e depois, com orgulho. Eu falhei uma vez, mas não falharei mais. Nestes dois sulcos há alicerces de pedra, com sangue amassado de três homens, como eu. Pode ser que caiam outros, mas os sulcos chegarão onde devem chegar. E obrigado pela sua boa opinião de veterano.
Quando o carro, levando por único ocupante o chefe traçador, se afastava guardado pela escolta de Percy Descamps e, atrás Maldonado e Barnes, o velho capataz, coçando a calva, permaneceu ereto.
Depois, tocou com o cotovelo o mais próximo dos que se agrupavam, vendo o carro tornar-se cada. vez mais pequeno, ao longo do caminho que limitava com o «Rancho Tripla Star»:
— Vocês ouviram-no, rapazes? E estão a vê-lo? Quando se ouve e vê o que ouvimos e vemos, orgulho-me de ser traçador! O sulco chegará onde deva chegar. E se o sangue de Bart Taylor molhar esse sulco, chamarei castrado àquele que não continuar.
***
O carro chiou ao voltar a parar vinte jardas mais adiante do poste que dizia:
«Rancho Lang. TRIPLE STAR».
Taylor apeou-se, num salto, para desatrelar os machos. Depois, conduziu-os pela arreata e dispôs no chão a cabeçada com as sogas e baliza do aparelho das ferramentas.
A trinta passos, Barnes enrolava um cigarro, com uma perna dobrada sobre a sela da montada.
Maldonado contemplava a paisagem, uns cinco passos por fora do poste que marcava, ao Sul, a propriedade de Lang.
Percy Descamps, colocado o saco da forragem no seu animal, que, de cabeça baixa, rilhava a erva, aproximou-se daquele que ia despindo o jaquetão, a camisa e a camiseta, para atirá-los para dentro do carromato. Por fim, tirou também o chapéu e enrolou, atando-o, à volta da cabeça, um grande lenço de quadrados pretos e brancos.
— Quer que lhe deite uma mão, chefe?
— Sapateiro, aos teus sapatos... — replicou Taylor, a rir, enquanto empunhava a primeira vigota, levando-a para a baliza do arraste. —Este traçado é completamente meu. Umas vinte jardas que acabarei amanhã à noite, dormindo das duas às seis. É como se disséssemos a primeira pedra.
Quando Taylor carregava as ferramentas, Descamps observou:
— Houve um coveiro que lhe deu para ganhar tempo e abriu a sua própria cova. Mas vendo isso, todos notaram que ele era um fanfarrão, porque todas as noites tomava medicamentos para não estrear a sepultura senão o mais tarde possível. Ora o senhor tem pressa em ver quem chega primeiro ao final: o «trail» ou o senhor.
— Por quem apostas, Percy?
— Se o senhor não se aborrece, pelo «trail».
— Eu também aposto pelo «trail», Percy, mas eu montarei a vagoneta que o estrear. Tanto faz que seja a minha pessoa, como a de outro. Aquele que me seguir, saberá já que o «trail» chegou a terminar-se, porque eu, um fanfarrão, fiz isto.
E cuspindo nas mãos, Bart Taylor esfregou-as e começou a arrastar o aparelho com o material de traçado. Perçy Descamps foi buscar um bidão que encheu de água, colocando-o à sombra de uma árvore a vinte passos do local onde Taylor trabalha a já com a picareta para fazer o sulco.
Dez minutos depois, a pá ia retirando a terra. E, decorrida meia hora, a máquina de calcar amassava a terra, alisando-a. E o sulco aberto de duas jardas tinha nas suas dimensões bastante semelhança com uma fossa, donde o escavador bastava tirar de novo a terra e alisar.
Taylor fincou o trípode e calculou a paralela. Depois, dirigiu-se ao bidão da água, afundou o caço para enchê-lo, e elevando-o deixou cair a água sobre o lenço que lhe cobria a cabeça. A água foi escorrendo pelo rosto, cheio de suor, e pela uca, enquanto, aberta a boca, fazia gargarejos para refrescar a garganta. Percy Descamps insistiu:
— Gostaria de o ajudar, chefe.
— Obrigado. Trata do que te diz respeito, gun-man. Não é desprezo, mas teimosia. Eu ganho para sulcar.
— Tanto ao senhor, como a mim, ou a qualquer outro, agrada ganhar dinheiro. Mas entre o senhor e os outros há uma grande diferença. É que na sua obstinação há brio e vergonha de boa lei. E está conseguindo que eu me ponha nervoso, e em cada sopro de brisa entre as copas das árvores eu veja um tipo tentando tirar-lhe a medida a tiro.
— Para evitar isso, deita-me aqui uma mão, gun-man.
Taylor agarrou uma vigota e, ao conduzi-la, os seus sólidos músculos incharam. Descamps e os outros dois guardas pareciam indolentes mandriões, em redor de um solitário hércules trabalhador. Mas os três observavam-no, com a vontade de atrasar o mais possível a morte do solitário traçador.
De súbito, ouviu-se à distância o chape-chape dos cascos de um cavalo. Percy Descamps sacou o rifle da bainha de coiro e colocou-o com o cano sobre o seu antebraço, enquanto com a mão esquerda afagava a crina do seu cavalo. Maldonado e Barnes continuaram sentados, indolentemente, e o traçador continuou também o seu trabalho, mas sem a menor indolência.
Percy Descamps não fez nada para conter o galope do cavalo, que se aproximava. A sua missão não era impedir a passagem fosse de quem fosse, mas evitar um tiro desleal.
Bart Taylor rebitava a barra tensão entre as duas primeiras vigotas, já escoradas. O martelo volteava no ar com um ritmo de ciclope trabalhando à bigorna, e a redonda cabeça do rebite ia-se achatando, enterrando-se a cada golpe certeiro.
Podia parecer simples acertar na pequena esfera, mas Descamps, experimentando por curiosidade, havia conseguido com seis pancadas, progressivamente mais exasperadas, arrancar a pele de uma perna e ter, durante dois dias, violentas dores desde as curvas das pernas até à nuca, passando pelos ombros e pontas dos dedos. O rebite recebera uma só pancada, e, mesmo assim, de raspão.
Bart Taylor endireitou-se e apoiou as mãos no comprido cabo, para resfolegar. Foi nesse momento que pôde ver a amazona que se aproximava. Era uma mulher alta, de uns quarenta e cinco anos, que devia ter sido bonita.
Mas como, segundo o rumor espalhado em Eagle, Ruby Cardigan fora aumentando a dose de whisky à medida que ia acumulando anos, sem encontrar marido, a Ruby Cardigan, que Taylor via aproximar-se, tinha todo o aspeto de uma virago. O seu cumprimento foi pouco cortês:
— Boa figura tens, Bart, endemoninhado louco!

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