sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

IV. Contacto com fazendeiro e emboscada

O comboio do Norte abrandou o seu resfolegar, ao entrar nas agulhas e, pouco depois, detinha-se na estação, onde um grande letreiro indicava Elkhorn.
Os viajantes que se apeavam ali podiam escolher entre a variedade de carruagens de aluguer com destino a diversas localidades.
O advogado Market havia pedido telegraficamente que à chegada do comboio estivessem preparados dois cavalos. E o agente comercial da firma «Dalton & Dalton» esperava Market para lhe mostrar os dois soberbos animais, que Taylor julgou capazes de resistirem à mais longa caminhada, através dos piores terrenos. Também pensou em que, para um homem de leis, amante das comodidades, o californiano mantinha-se a cavalo com a facilidade de um cavaleiro consumado.
Market só esticou as rédeas quando o animal chegou junto de uma cerca, por detrás da qual havia um barracão onde se lia a indicação seguinte:
MINAS DALTON
— Aqui começa o ramal que segue, sem interrupção, vinte e duas milhas para Leste, quase em recta.

Depois de um segundo tratamento, Taylor conservava apenas alguns adesivos por trás da orelha e na testa. Ficavam bastante dissimulados com o chapéu, cujas abas sombreavam-lhe o rosto, resguardando-o do sol da manhã. Apontando para Leste, disse:
— Com um pequeno descanso para comer, chegaremos com tempo suficiente para que eu possa ver, sem o auxílio da planta, o lanço que falta.
Durante o caminho, a via aparecia a trechos, morta, mas solidamente construída, com as suas «paragens» em cada três milhas, algumas com um barracão central e armazém de material, outras com mais alguns barracões, além daquelas duas pequenas edificações.
No. caminho, enquanto davam de beber aos animais e eles comiam num bar tranquilo, nas margens do rio Deschutes, Market disse:
— Ë muito atilado o seu desejo de ver o terreno antes de ter a entrevista com Luther Dalton. Poderá comprovar que o traçado segue a única direção possível e que, além disso, é um. terreno considerado público, que é a cláusula que legaliza a linha férrea privada, se bem que não possa valer-nos a proteção estatal. O primeiro troço, ao qual chegaremos agora, segue durante duas milhas uma terra de pastagem, propriedade de Ogden Walken E uma milha depois, está o barranco Buting, aberto na propriedade de Chet Muldorf. Pelo que li, deduzo que aqui o traçado vai da boca Leste do barranco, até uma zona neutra, sem dono. Mas a maior extensão, umas sete milhas, corre ao longo das vedações do «Rancho Triple Star». As zonas neutras sem dono, além de serem curtíssimas, não foram traçadas sobre vigotas, porque bastam já dois longos troços feitos e que não podem unir-se... Eu não sei se Ogden Walker tem em Elkhorn amigos que o informam, mas o caso é que ele está aqui...
Do lugar onde estava, Taylor olhou através da janela aberta para o telheiro de cobertura para os cavalos. Acabava de ver um indivíduo, cujos traços revelavam o ganadeiro cuidadoso, tipo de vaqueiro assíduo concorrente aos «rodeos», (1) a amarrar um animal junto do bebedouro. Era um homem médio e rechonchudo, de rosto vermelho e curtido, que manifestou a maior atenção e cuidado pelos seus safões, que sacudiu
(1) Lugar de reunião de gado para contagem ou venda (N. do T.).
com o cabo de um curto rebém, antes de limpar o pó do seu chapéu. Depois examinou as compridas esporas e verificou se a dupla correia que as prendia continuava bem ajustada. Por fim, esticou as bandas do seu jaleco, depois de, com o pequeno rebém sacudir a presumível poeira da sua camisa verde. Com a mão direita enluvada deu uma palmada na anca da sua égua cinzenta, mesclada de negro e, cumpridos todos os rotineiros cuidados do ganadeiro meticuloso, dirigiu-se para o bar «Upperriver».
— Não penso em o apresentar, enquanto não chegar a acordo com Luther Dalton.
— Não importa. Eu terei tempo de conhecer todos!
Quando, precedido pelo tinir das suas esporas, Odgen Walker apareceu, já Carlos Market estava de pé, avançando dois passos. O ganadeiro, proprietário da terra de pastos confinante com as duas milhas de caminho de trânsito, franziu o nariz e avançou também dois passos.
— Há mercado aqui, senhor Walker? Agrada--me isso, porque dessa forma tenho ocasião de cumprimentá-lo.
— Devolvo o seu cumprimento, senhor advogado. Há algum tempo que as raparigas bonitas de vários lugares notam a sua falta.
— Vai um copo, senhor Walker?
Uma negativa equivalia a uma descortesia. O tom de Market era amabilíssimo. Mas não o era o de Walker, quando replicou:
— E por que não? Embora não sejamos amigos, respeitamo-nos... Diretamente, de homem para homem, até agora, não temos motivos para discutir se é agradável ou não bebermos em mútua companhia.
Chegando à mesa, Market despejou vinho num copo que Walker trouxera do balcão. De pé, o ganadeiro ergueu o copo, mas limitou--se a beber, após o seu mudo brinde. Ao poisar o copo, examinou o desconhecido, cujo vestuário, metade de lenhador, metade de vaqueiro, com o complemento do cinto de pistoleiro e da bainha da navalha, lhe fez franzir as espessas sobrancelhas. Taylor suportou o rápido exame dos seus olhos cinzentos, acerados, mas, pondo-se de pé, encaminhou-se para o balcão.
— Não conheço o seu companheiro, Market.
— Há de conhecê-lo, Walker, verá. Advirto-o de que, como o considero o mais sensato dos quatro rivais da companhia Dalton, prefiro falar-lhe com a maior sinceridade, salvo se o senhor me julga um «rascal».
— O senhor tem graça... Em outras ocasiões, intentou discutir comigo, mas agora nem me ofende, nem o considero diretamente responsável. O senhor é um advogado que sabe manejar códigos, conseguir leis à medida dos interesses dos Dalton e é, além disso, um valente. Revolta-me que o senhor seja o conselheiro legal dos Dalton, mas do mesmo modo que considero os meus vaqueiros alheios a esta rivalidade, também elimino o senhor desta questão. Mas... a todo o intento de atravessarem o meu caminho pela força responderei com a força.
Market, que se aproximara do balcão, replicou:
— Legalmente, as doze milhas que faltam para terminar são caminhos públicos, Walker.
— Para gado, para carros e a pé. Não para «trail» com paragens... Repetirei isto até me fartar... Contra minha vontade, ninguém colocará. uma só vigota ou chulipa nas minhas duas milhas de caminho.
O ganadeiro olhou para Bart Taylor que, assim que acabou de beber o seu copo de vinho, se voltou para o advogado, para lhe dizer:
— Está a fazer-se tarde, Market. Bem sabe que ainda tenho de percorrer as doze milhas que tanto alvoroço provocam.
— Apresento-lhe o senhor Ogden Walker!... O meu companheiro Bart Taylor foi chefe de equipa na construção de um «trail» de Oklahoma.
Os olhos cinzentos do ganadeiro refletiram mais dureza. Todavia, imitou o gesto de Bart, ao tocar na aba dianteira do chapéu. Entretanto, o advogado entendeu dever esclarecer:
— Taylor quis examinar o terreno antes de firmar contrato com a companhia Dalton.
O ganadeiro, porém, replicou:
— O terreno é sólido para gado, para carros e homens, que não intentem traçar nele sulcos de sangue.
— É um sulco de ferro, senhor Walker, a obra pela qual receberei os meus vencimentos. Parece--me que a minha profissão é honrada.
Esta resposta de Taylor fez meditar Walker durante uns segundos. Entretanto, dois indivíduos, que haviam entrado momentos antes para beber, pagaram a despesa e saíram logo do bar.
— E a mim parece-me que não é honrado fazer um caminho de ferro contra a vontade dos donos das terras confinantes, senhor Taylor.
— Então, peça contas disso a Luther Dalton... Mas se, como Market afirmou, o senhor é um homem sensato, não deve meter-se com trabalhadores, que seremos, desde o mais humilde até ao chefe da equipa!
— Vê como o meu companheiro Taylor é razoável? Trate de o ser também, Walker. A propósito: reparou nesses dois homens que acabam de sair? Creio ter reconhecido um deles!
— Eu, não! — retorquiu Walker. E voltando as costas, concluiu: — Até à vista...
Em vez de sair, o ganadeiro encaminhou-se para o fundo da casa, onde se sentou. Taylor foi tratar de arrear o cavalo e, pouco depois, a galope, Market juntava-se a ele. Cavalgaram em silêncio, até chegar ao grande barracão que assinalava o final do troço construído desde Elkhorn.
Em redor do barracão, havia telheiros, sob os quais se encontravam pilhas de chulipas, carris, torcedoras, diversas ferramentas e barris de rebites e parafusos. Nesse momento, saíam do barracão seis homens que cumprimentaram Market.
— Estes homens estão há mais de um mês inativos, embora ganhem como se trabalhassem. E desejam ganhar o prémio oferecido por Dalton quando estabelecerem contacto com os do outro extremo paralisado. — E, voltando-se para os seis trabalhadores, apresentou o seu companheiro: — Apresento-lhes Bart Taylor, chefe de equipa.
Os seis homens saudaram-no. Entretanto, Bart perguntou-lhes:
— Quem é o capataz deste grupo?
— Está em Elkhorn, senhor Taylor. Somos vinte homens e temos um turno de seis para vigiar o material.
— Até breve.
Taylor bateu com os tacões na barriga do cavalo, que partiu rápido. Um dos trabalhadores inquiriu:
— Houve alguma questão, senhor Walker?
— Por que perguntas isso?
-- Pela cara do chefe de equipa.
— Houve e haverá, meus amigos. Mas, desta vez, creio que não vão ficar inativos por muito mais tempo.
***
Momentos depois, reunidos de novo, Taylor assinalava uma cerca distante uns cem metros ao Norte.
—É a propriedade de Walker. Mas ele não dará ordem de atacar pelos troços já construídos, porque o próprio governo de Oregon o condenaria à forca. É um grave delito destruir uma via férrea. Mas não o é matar um homem, ainda que chefe de equipa. Além, aquele barranco é propriedade de Chet Muldorf, e o barranco abre as suas duas bocas sobre terreno neutro, mas isso de nada serve...
— Serve, sim. É minha intenção propor que, em primeiro lugar, se realize o traçado sobre as três zonas neutras, sem terras confinantes com qualquer proprietário.
— Mas tem de levar-se o material.
— Legalmente, estes caminhos são livres para homens e gado. E também para carros, que levarão o material para a «terra de ninguém». Percorrendo assim os três troços livres, irei conhecendo os vizinhos.
— Diga isso a Dalton. Em suma, tanto faz a pólvora explodir numa como noutra qualquer das milhas.
O barranco Buting era um antigo leito de riacho, e as suas paredes, pouco altas, cortadas em rampa suave, distavam entre si uns trinta passos. Taylor, refreando o seu cavalo, disse:
— Prefiro examinar o terreno cá de cima.
— Você é que é o técnico, mas...
— Um dos tipos que saíram do bar levava um lenço amarelo ao pescoço... O senhor já viu algum cedro com folhas amarelas na Primavera?
Na lomba do barranco para a qual Taylor encaminhava o seu cavalo, apertavam-se fileiras de cedros. Carlos Market inclinou-se como se fosse tocar no joelho, mas os seus dedos desapertaram a correia de sujeição da culatra do rifle, seguro na sela.
— Para quem tem os olhos inchados, você desfruta de boa vista, Taylor.
— Ou aquele tunante devia ter escolhido um lenço menos vistoso. Eles que desmontaram para alguma coisa foi que não é normal, visto que deram repouso e água aos seus cavalos no bar. E se fossem do pessoal de Muldorf teriam seguido outro caminho.
Estavam já no atalho, entre os cedros, quando os dois, ao mesmo tempo, obrigaram os seus cavalos a empreender um galope em direção oposta. Market foi para o terreno descendente, enquanto Taylor lançava o seu potro para aquele donde, falhado o primeiro tiro e protegido por atrás de um tronco largo, o agressor tornou a disparar.

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