Primeiro apareceram três índios à direita, por entre as rochas que havia a sudoeste. Depois apareceram outros três em cima duma mesa não muito grande que se levantava na planície. Os dois homens e a mulher tinham-se detido e agora Harry Coley soltou uma risada.
— Qual é a ordem, chefe? Salve-se quem puder?
— É uma piada muito má, Harry — respondeu Joe.
—E se fizéssemos o mesmo que fizemos ao outro índio? — sugeriu a ruiva. — Talvez se fossem embora sem nos fazerem nada.
— Não, Virgínia — respondeu Joe. — Desta vez não se vão embora. Conheço esses índios. Formam parte do grupo de Juan Butchery e o seu chefe não deve andar muito longe.
— Suponho que querem o nosso dinheiro — disse Harry Coley. — Ouvi falar desse Butchery. Só é um ladrão.
— Neste caso concreto, quererá algo mais — respondeu Joe.
-- O quê?
— A minha cabeça.
Coley voltou-se para olhar Joe.
— Falas a sério, Brand?
— Sim. Juan Butchery prometeu uma vez que, tarde ou cedo, me degolaria e provavelmente ele pensa que esse momento chegou agora.
A ruiva franziu o sobrolho.
— Porque é que Juan Butchery prometeu isso, Joe?
— Há uns quatro anos, ele intentou roubar-me no deserto. Estivemo-nos tiroteando durante um par de horas, e quando se nos acabaram as munições, sacámos os punhais e pusemo-nos a lutar. Eu cortei-lhe um dedo da mão esquerda e ele empreendeu a fuga, mas antes de desaparecer da minha vista, jurou que não descansaria até separar-me a cabeça do tronco.
Harry Coley começou a rir em pequenas gargalhadas.
— Foi um lindo juramento.
Joe permaneceu um momento pensativo, e depois disse:
— Esta é uma questão pessoal entre Juan Butchery e eu, de modo que vocês podem ir-se embora se quiserem.
A formosa ruiva observou-o atentamente.
—Pensa que ele nos deixaria passar, Joe?
— Eu posso entretê-los, Butchery tem tantas ganas de apanhar-me que preferia perder uma boa presa a correr o risco de me escapar.
Joe tirou um revólver e comprovou que o tinha pronto para disparar. Depois de p8-lo novamente no coldre, tirou a espingarda e também a examinou. Com ela na mão olhou outra vez os dois grupos de índios que continuavam imóveis no mesmo lugar.
— Aproveite agora a sua oportunidade, Virgínia. Depois seria demasiado tarde.
A ruiva olhou Harry Coley.
—Que diz você, Harry?
Coley passou a mão pela boca sem deixar de olhar os índios, e depois respondeu:
—Penso que vou ficar, ainda que seja só para ter o gosto de ver como Butchery o degola.
—Não podes fazer isso — disse Joe. — A menina Pulver contratou-te e é ela que deves seguir.
Virgínia não disse nada durante uns segundos. Finalmente declarou:
— Ficaremos a seu lado, Joe.
— Porquê?
— E mais sensato. Se Butchery acaba consigo, depois empreenderá a nossa perseguição. Eles conhecem o deserto e nós não. Alcançar-nos-iam em seguida. Estando os três juntos, poderemos fazer frente ao perigo.
Joe fez um gesto negativo com a cabeça.
— Penso que decide mal, Virgínia. Convinha-lhe mais afastar-se com Coley. E possível que Butchery se saia com a sua, mas antes de que isso aconteça, já terão tombado um bom número dos seus índios.
Naquele instante, por detrás da mesa apareceram outros dois ginetes. Um deles cavalgava num poldro cor de canela.
— Aí o têm—disse Joe. — Aquele é Butchery.
O ginete que montava o cavalo cor de canela pôs-se à frente do grupo que se encontrava em cima da mesa.
— Até que enfim que nos encontramos, Joe Brand! —grunhiu, pondo as mãos na boca.
— Aqui me tens, Butchery! Mas dá-se a casualidade de que eu não tenho tempo para me ocupar de ti.
—Joe Brand sempre foi muito gracioso.
—Posso aproximar-me sem temor que nenhum dos teus homens dispare contra mim, Juan?
Butchery pensou a resposta durante uni momento, e finalmente, disse:
—Está bem, Brand. Podes vir.
Joe disse:
— Esperem-me aqui. Se virem que caio da sela, não se detenham um momento a fazer-lhes frente.
Corram sempre em direção ao Oeste. Fustigou a sua cavalgadura e esta empreendeu um trote curto em direção à mesa. Deteve-se a umas dez jardas do grupo capitaneado por Juan Butchery. Este devia ter uns trinta e cinco anos de idade e era de estatura regular e olhos muito separados, redondos e nariz achatado.
—Que queres, Joe Brand?
—Só te venho pedir um favor.
O semblante do índio iluminou-se com um sorriso.
— Ouviram isto, irmãos? —disse aos seus homens sem afastar o olhar de Joe Brand. —O caçador de lagartos aproximou-se para pedir um favor a Juan Butchery. Talvez outra luta de punhal, Brand?
—Não, não é isso.
—Que queres, então?
—Que nos deixes o caminho livre.
Fez-se uma pausa e depois o índio disse:
— Não te ouvi, Joe Brand.
— Ouviste-me perfeitamente, Juan. Desejo que não nos ataquem. Posso dar-te a minha palavra que dentro de quatro semanas te procurarei no lugar que tu fixares e então tu e eu poderemos liquidar a nossa velha conta pendente.
—Joe Brand tem medo de Juan Butchery.
— Isso é falso. E tu bem o sabes. Joe Brand não tem medo de Juan Butchery.
— Então, lutemos agora. Tu voltarás para o pé da mulher de cabelo ruivo e do outro homem. Deixaremos que te aproximes outra vez deles e será esse o sinal para que comece o nosso combate.
—Eles não têm culpa de vir comigo, Butchery. Comprometi-me a levá-los até ao Grand Carlion e quero fazer honra à minha palavra. É por isso que te peço que me deixes passar. Estabelece tu o dia e a hora e eu irei onde tu quiseres.
— Não, Joe Brand. Juan Butchery esperou demasiadas luas para que chegasse este dia. Há muito tempo sonhei que por fim me vingava de ti, Joe Brand. Tu estavas no chão e eu enterrava o meu punhal no teu peito. Foi um grande sonho e agora tudo acontecerá como eu sonhei.
— Que te parece se te dou meia centena de dólares?
— Não conseguirás nada com isso. A Juan Butchery agrada-lhe muito o dinheiro, mas gosta mais de acabar com os seus inimigos.
— Suponho que não posso convencer-te de nenhuma forma. Não, Joe Brand. Tudo está dito entre nós. Agora só as armas é que deverão falar.
— Muito bem. Assim o quiseste.
— Vai ter com os teus amigos.
Joe voltou costas e deixou ir a sua cavalgadura a passo. Sabia que Butchery não o deixaria chegar junto de Virgínia e Coley. Butchery não era um índio leal. Transgredia constantemente as leis da sua tribo, os comanches, e por isso, muito tempo atrás, tinha sido expulso do seio dela. E todos quantos faziam parte do seu grupo também tinham sido excluídos da sua comunidade. Eram borrachos, quezilentos, ladrões e outras coisas mais. Eram capazes de matar qualquer viajante para roubar-lhes a roupa que levavam vestida.
Joe avançou presumindo que os índios levantavam as espingardas, que todos os canos convergiam nas suas costas. Antes de se separar de Virgínia e Harry, tinha observado a ribanceira que havia à esquerda. Não era muito grande e nisso consistia a sua vantagem quanto à posição. Se conseguisse chegar ali, poderia fazer-lhes frente.
Levantou a cabeça olhando Harry Coley e fez-lhe um leve sinal. Com a esperança de que Harry o compreendesse, roçou com os joelhos os flancos do cavalo e este apressou a marcha. Viu que Harry Coley dizia algo a Virgínia e ambos moveram as suas cavalgaduras para a ribanceira.
Então Joe, sabendo que a sua mensagem tinha sido captada, obrigou a sua cavalgadura a correr num furioso galope. Quando se encontrava a umas quinze jardas da ribanceira, inclinou-se para um lado da sela, apanhando a espingarda. Soou uma descarga e as balas alcançaram o seu poldro. Joe deixou-se cair ao chão e começou a dar muitas voltas no terreno sempre em direção à cova.
No ar ouviam-se gritos selvagens. Harry Coley e Virgínia tinham chegado à ribanceira antes que viesse a descarga, e agora, levando as espingardas à cara, apertavam o gatilho uma e outra vez. Joe terminou a sua corrida, conseguindo ficar próximo da ruiva.
—Encontra-se ileso? perguntou Virgínia.
— Perfeitamente bem — respondeu Joe.
— Deixem-se de protocolo — gritou Harry Coley. --Fixem-se nesses índios!
Também desmontaram e esconderam-se entre as pedras. Joe dirigiu o olhar para o lugar onde se tinha encontrado com Butchery. Agora só se viam alguns animais soltos e o mesmo acontecia do outro lado.
— Matei um desses maltrapilhos — disse Harry Coley. —E agora são só sete.
Joe olhou o seu poldro que estava imóvel a umas cinco jardas. Sentiu uma forte opressão no peito. Tinha sido seu companheiro durante três compridos anos. Agora estava morto e isso devia-se a Butchery.
Harry soltou um assobio.
— O que é que esses fulanos vão fazer agora, chefe? — perguntou com alguma ironia. — Pensam que vão esperar que se faça noite para atacar-nos?
—Butchery está muito certo da sua superioridade. Só esperará pela noite se se convencer de que agora não pode arranjar as coisas como ele quer.
Justamente nesse instante, Joe viu aparecer a cabeça dum índio entre as pedras e como tinha a espingarda preparada apertou um gatilho fazendo pontaria num décimo de segundo. Ouviu-se um grito de morte e o comanche pôs-se em pé com os braços levantados para o céu e caiu para trás.
— Infernos — exclamou Coley. — Não está mau de todo, chefe.
Um grande silêncio caiu naquele lugar da terra. O tempo foi passando lentamente sem que nada acontecesse. Coley resmungou:
— Parece que esse Juan Butchery se convenceu muito depressa de que não tinha nada a fazer connosco. E isso quer dizer que esperará que se faça noite. Bonito programa, não é verdade, Brand?
— Não o consentiremos.
—Deveras? E que fará para evitá-lo?
— Vê-lo-á em seguida.
Virgínia agarrou-o por um braço.
— Que vai fazer, Joe?
— Descanse, não me vou suicidar.
— Mas você quer sair daqui para ir contra eles.
— Só acerta em metade, Virgínia. Afastar-me-ei do nosso esconderijo, mas não me dirigirei para onde eles se encontram, mas sim para as pedras que vão para leste. Tratarei de surpreendê-los pelas costas.
Harry Coley soltou uma risada.
—Caçar-te-ão como a una coelho.
Joe não disse nada. Pôs um joelho na terra e saltou para fora deitando-se de bruços sobre o chão. Fizeram um disparo sobre ele e a bala por cima da sua cabeça enterrou-se três jardas além. Harry Coley soltou duas balas para o lugar donde tinham feito fogo e outra vez voltou a reinar o silêncio.
Joe gatinhou muito depressa, e ao chegar junto duma grossa pedra, um projétil arrancou uma lasca dela. Agora foi ele mesmo quem disparou três vezes seguidas para obrigar o seu inimigo a manter-se em sítio seguro.
Pôs-se de cócoras e respirou profundamente. Depois rodeou a pedra e começou a correr. Quando tinha avançado seis jardas, ouviu a voz de ira de Juan Butchery.
— Fogo sobre ele, irmãos!
Harry Coley e Virgínia começaram a apertar o gatilho ininterruptamente enviando uma barragem de chumbo sobre as pedras atrás das quais estavam os seus inimigos. Apesar disso, estes também enviaram várias balas sobre Joe, mas este já se encontrava no lugar escolhido e deitado por cima das rochas.
Bateu com a anca contra o chão, e soltou uma maldição. As suas mãos e a sua cara sofreram fortes contusões, mas finalmente ficou quieto. Outra vez tinham emudecido as armas.
Joe assomou um pouco a cabeça, mas o sinistro silvo dum projétil obrigou-o a esconder-se de novo. Esperou uns segundos e mudou de lugar. Então saltou para o lado com a espingarda na cara.
Além ao fundo viu levantar-se um índio. Mas Joe tinha tomado a dianteira e fulminou-o com um só disparo, voltando depois para o seu refúgio. Passado meio minuto, ouviu-se a voz do seu mortal inimigo.
— Eh, Joe Brand!
— Que queres, Juan Butchery?
— Estive a pensar que não é necessário que outros homens morram porque tu e eu temos a ajustar uma conta.
—É, o que eu penso, Butchery.
— Estás de acordo, então, em lutar comigo?
— Sempre estive disposto a partir daquele dia em que a tua mão ficou com quatro dedos.
— Agora o duelo acabará de outra forma. Escuta-me bem, Joe Brand. Tu e eu sairemos para fora das pedras. Só teremos em nosso poder um punhal e uma espingarda. Será como então. Primeiro a tiro, e se for necessário, deitaremos a mão ao punhal.
— De acordo, Butchery.
— Contarei até três e então sairemos os dois.
— Começa já.
— Um... dois... três... Joe Brand assomou a cabeça pela parte superior da rocha.
Efetivamente, observou que Juan Butchery aparecia por entre as pedras que estavam situadas a umas vinte jardas. O índio pôs os braços na cintura olhando para a frente. Joe não descobriu nada mais, mas ele não estava muito seguro de que o índio estivesse disposto a lutar com ele cara a cara. Butchery devia saber que tinha muito poucas probabilidades de subsistir depois dum duelo daquela classe.
— Que se passa, Joe Brand? — gritou o comanche. —Será que tens medo?
— Não, Juan, não tenho medo — respondeu o caçador de lagartos e saiu do seu esconderijo.
Viu pelo canto do olho que além, na ribanceira, Virgínia e Harry Coley se tinham posto de joelhos para presenciar o duelo. Joe deteve-se.
—Bem, Butchery. Já estamos preparados como da outra vez, mas agora sobra-nos o punhal porque uma espingarda é muito mais certeira do que um revólver e a esta distância nenhum dos dois pode falhar.
— Ocorre-me uma coisa para assegurar que só haverá um rápido vencedor — disse Butchery. — Daremos cinco passos em frente.
Assim dizendo, o comanche adiantou-se, esperando que Joe desse o seu consentimento à nova proposta. Mas Joe não picou o anzol. Viu diante de Butchery as rochas e não teve dúvida de que o índio se dispunha a refugiar-se para disparar a seu prazer. Então ele afastou-se rapidamente do lugar onde se encontrava, ao mesmo tempo que elevava a espingarda à cara. Não se equivocou. Butchery desapareceu num instante e à direita apareceram três índios dispostos a fazer fogo.
Joe atirou-se para o chão quando começou a apertar o gatilho. Uma, duas, três vezes. A sua posição era inverosímil para conseguir um alvo, mas ainda assim, um dos companheiros de Butchery caiu com uma ferida na cabeça.
Da ribanceira chegou uma série de disparos anunciando que Virgínia e Harry Coley tão-pouco tinham sido apanhados desprevenidos pelo estratagema de Juan Butchery. Brand ouviu a maldição que este soltava ao comprovar que a sua armadilha não tinha valido para nada.
— Eu é que tinha medo, hem, Butchery? Mudaste muito desde há quatro anos. Então eras um cão e agora um condenado porco.
Butchery soltou uma série de imprecações. E esse foi o instante em que Joe se pôs em pé outra vez e começou a disparar sobre as arestas das rochas detrás das quais se escondia o seu rival.
De repente, um dos que seguiam Butchery pareceu tornar-se louco e saltando por cima das rochas, lançou-se sobre Brand brandindo a espingarda pelo cano. Joe voltou-se rapidamente e apertou o gatilho. O índio recebeu a carga de chumbo no estômago, fez um estranho salto no ar, e ao cair, a sua cabeça bateu contra a aresta duma rocha. Depois, ficou imóvel e talvez tenha sido o único homem no mundo que morreu duas vezes ao mesmo tempo.
Depois, Joe teve de refugiar-se porque tinha ficado a descoberto pelo flanco esquerdo, justamente o lado que correspondia a Butchery. Apoiando as costas contra a pedra, recuperou o fogo. Tudo voltou a ficar em silêncio durante um grande bocado. Finalmente, levantou a sua voz.
— Que se passa, Butchery?
Não obteve resposta.
—E outra suja armadilha tua, Butchery? Tão-pouco te servirá de nada porque eu sei que não te alcancei com as minhas balas.
Tão-pouco desta vez o comanche disse uma só palavra. De repente, ouviu-se o galopar de vários cavalos vindo para além da mesa. Harry Coley gritou:
— Eh, chefe! Esses tipos vão-se embora, e por todos os diabos, só ficaram três.
Joe levantou-se observando os fugitivos. Identificou Butchery que cavalgava no seu poldro cor de canela. Lentamente serpenteou por entre as pedras aproximando-se do lugar em que o esperavam Virgínia e Harry Coley. Deteve-se olhando fixamente o rosto de Coley.
— Obrigado, Harry.
Coley fez uma careta.
— Não me agradeças.
—Contrai uma dívida contigo.
—Deixa-te de contos. Eu não o fiz por ti, mas sim pela menina Pulver. Ela considera-te necessário para que possamos chegar a Supay.
Joe sacudiu a cabeça desviando o olhar para a ruiva.
—Portou-se muito bem, Virgínia.
— Foi o instinto de conservação. — Sorriu a jovem. —Dizem que ao surgir o menor perigo, ele aparece e é bastante grande.
Harry Coley assinalou outra vez a nuvem de pó que deixavam atrás de si Juan Butchery e os seus compinchas.
—Pensas que voltarão, chefe?
Joe permaneceu pensativo observando os índios que escapavam.
—E certo que Butchery irá buscar reforços. Quando os tiver reunidos, repetirá o seu ataque, e então redobrará as suas preocupações.
— Infernos! — exclamou Coley. — Não é um futuro muito agradável o que nos aguarda.
— Bem — disse Joe. — Que vos parece se continuássemos a nossa viagem? Entre os Randall e Butchery fizeram-nos perder bastante tempo.
Pouco depois, começavam o seu avanço para o Oeste.
— Qual é a ordem, chefe? Salve-se quem puder?
— É uma piada muito má, Harry — respondeu Joe.
—E se fizéssemos o mesmo que fizemos ao outro índio? — sugeriu a ruiva. — Talvez se fossem embora sem nos fazerem nada.
— Não, Virgínia — respondeu Joe. — Desta vez não se vão embora. Conheço esses índios. Formam parte do grupo de Juan Butchery e o seu chefe não deve andar muito longe.
— Suponho que querem o nosso dinheiro — disse Harry Coley. — Ouvi falar desse Butchery. Só é um ladrão.
— Neste caso concreto, quererá algo mais — respondeu Joe.
-- O quê?
— A minha cabeça.
Coley voltou-se para olhar Joe.
— Falas a sério, Brand?
— Sim. Juan Butchery prometeu uma vez que, tarde ou cedo, me degolaria e provavelmente ele pensa que esse momento chegou agora.
A ruiva franziu o sobrolho.
— Porque é que Juan Butchery prometeu isso, Joe?
— Há uns quatro anos, ele intentou roubar-me no deserto. Estivemo-nos tiroteando durante um par de horas, e quando se nos acabaram as munições, sacámos os punhais e pusemo-nos a lutar. Eu cortei-lhe um dedo da mão esquerda e ele empreendeu a fuga, mas antes de desaparecer da minha vista, jurou que não descansaria até separar-me a cabeça do tronco.
Harry Coley começou a rir em pequenas gargalhadas.
— Foi um lindo juramento.
Joe permaneceu um momento pensativo, e depois disse:
— Esta é uma questão pessoal entre Juan Butchery e eu, de modo que vocês podem ir-se embora se quiserem.
A formosa ruiva observou-o atentamente.
—Pensa que ele nos deixaria passar, Joe?
— Eu posso entretê-los, Butchery tem tantas ganas de apanhar-me que preferia perder uma boa presa a correr o risco de me escapar.
Joe tirou um revólver e comprovou que o tinha pronto para disparar. Depois de p8-lo novamente no coldre, tirou a espingarda e também a examinou. Com ela na mão olhou outra vez os dois grupos de índios que continuavam imóveis no mesmo lugar.
— Aproveite agora a sua oportunidade, Virgínia. Depois seria demasiado tarde.
A ruiva olhou Harry Coley.
—Que diz você, Harry?
Coley passou a mão pela boca sem deixar de olhar os índios, e depois respondeu:
—Penso que vou ficar, ainda que seja só para ter o gosto de ver como Butchery o degola.
—Não podes fazer isso — disse Joe. — A menina Pulver contratou-te e é ela que deves seguir.
Virgínia não disse nada durante uns segundos. Finalmente declarou:
— Ficaremos a seu lado, Joe.
— Porquê?
— E mais sensato. Se Butchery acaba consigo, depois empreenderá a nossa perseguição. Eles conhecem o deserto e nós não. Alcançar-nos-iam em seguida. Estando os três juntos, poderemos fazer frente ao perigo.
Joe fez um gesto negativo com a cabeça.
— Penso que decide mal, Virgínia. Convinha-lhe mais afastar-se com Coley. E possível que Butchery se saia com a sua, mas antes de que isso aconteça, já terão tombado um bom número dos seus índios.
Naquele instante, por detrás da mesa apareceram outros dois ginetes. Um deles cavalgava num poldro cor de canela.
— Aí o têm—disse Joe. — Aquele é Butchery.
O ginete que montava o cavalo cor de canela pôs-se à frente do grupo que se encontrava em cima da mesa.
— Até que enfim que nos encontramos, Joe Brand! —grunhiu, pondo as mãos na boca.
— Aqui me tens, Butchery! Mas dá-se a casualidade de que eu não tenho tempo para me ocupar de ti.
—Joe Brand sempre foi muito gracioso.
—Posso aproximar-me sem temor que nenhum dos teus homens dispare contra mim, Juan?
Butchery pensou a resposta durante uni momento, e finalmente, disse:
—Está bem, Brand. Podes vir.
Joe disse:
— Esperem-me aqui. Se virem que caio da sela, não se detenham um momento a fazer-lhes frente.
Corram sempre em direção ao Oeste. Fustigou a sua cavalgadura e esta empreendeu um trote curto em direção à mesa. Deteve-se a umas dez jardas do grupo capitaneado por Juan Butchery. Este devia ter uns trinta e cinco anos de idade e era de estatura regular e olhos muito separados, redondos e nariz achatado.
—Que queres, Joe Brand?
—Só te venho pedir um favor.
O semblante do índio iluminou-se com um sorriso.
— Ouviram isto, irmãos? —disse aos seus homens sem afastar o olhar de Joe Brand. —O caçador de lagartos aproximou-se para pedir um favor a Juan Butchery. Talvez outra luta de punhal, Brand?
—Não, não é isso.
—Que queres, então?
—Que nos deixes o caminho livre.
Fez-se uma pausa e depois o índio disse:
— Não te ouvi, Joe Brand.
— Ouviste-me perfeitamente, Juan. Desejo que não nos ataquem. Posso dar-te a minha palavra que dentro de quatro semanas te procurarei no lugar que tu fixares e então tu e eu poderemos liquidar a nossa velha conta pendente.
—Joe Brand tem medo de Juan Butchery.
— Isso é falso. E tu bem o sabes. Joe Brand não tem medo de Juan Butchery.
— Então, lutemos agora. Tu voltarás para o pé da mulher de cabelo ruivo e do outro homem. Deixaremos que te aproximes outra vez deles e será esse o sinal para que comece o nosso combate.
—Eles não têm culpa de vir comigo, Butchery. Comprometi-me a levá-los até ao Grand Carlion e quero fazer honra à minha palavra. É por isso que te peço que me deixes passar. Estabelece tu o dia e a hora e eu irei onde tu quiseres.
— Não, Joe Brand. Juan Butchery esperou demasiadas luas para que chegasse este dia. Há muito tempo sonhei que por fim me vingava de ti, Joe Brand. Tu estavas no chão e eu enterrava o meu punhal no teu peito. Foi um grande sonho e agora tudo acontecerá como eu sonhei.
— Que te parece se te dou meia centena de dólares?
— Não conseguirás nada com isso. A Juan Butchery agrada-lhe muito o dinheiro, mas gosta mais de acabar com os seus inimigos.
— Suponho que não posso convencer-te de nenhuma forma. Não, Joe Brand. Tudo está dito entre nós. Agora só as armas é que deverão falar.
— Muito bem. Assim o quiseste.
— Vai ter com os teus amigos.
Joe voltou costas e deixou ir a sua cavalgadura a passo. Sabia que Butchery não o deixaria chegar junto de Virgínia e Coley. Butchery não era um índio leal. Transgredia constantemente as leis da sua tribo, os comanches, e por isso, muito tempo atrás, tinha sido expulso do seio dela. E todos quantos faziam parte do seu grupo também tinham sido excluídos da sua comunidade. Eram borrachos, quezilentos, ladrões e outras coisas mais. Eram capazes de matar qualquer viajante para roubar-lhes a roupa que levavam vestida.
Joe avançou presumindo que os índios levantavam as espingardas, que todos os canos convergiam nas suas costas. Antes de se separar de Virgínia e Harry, tinha observado a ribanceira que havia à esquerda. Não era muito grande e nisso consistia a sua vantagem quanto à posição. Se conseguisse chegar ali, poderia fazer-lhes frente.
Levantou a cabeça olhando Harry Coley e fez-lhe um leve sinal. Com a esperança de que Harry o compreendesse, roçou com os joelhos os flancos do cavalo e este apressou a marcha. Viu que Harry Coley dizia algo a Virgínia e ambos moveram as suas cavalgaduras para a ribanceira.
Então Joe, sabendo que a sua mensagem tinha sido captada, obrigou a sua cavalgadura a correr num furioso galope. Quando se encontrava a umas quinze jardas da ribanceira, inclinou-se para um lado da sela, apanhando a espingarda. Soou uma descarga e as balas alcançaram o seu poldro. Joe deixou-se cair ao chão e começou a dar muitas voltas no terreno sempre em direção à cova.
No ar ouviam-se gritos selvagens. Harry Coley e Virgínia tinham chegado à ribanceira antes que viesse a descarga, e agora, levando as espingardas à cara, apertavam o gatilho uma e outra vez. Joe terminou a sua corrida, conseguindo ficar próximo da ruiva.
—Encontra-se ileso? perguntou Virgínia.
— Perfeitamente bem — respondeu Joe.
— Deixem-se de protocolo — gritou Harry Coley. --Fixem-se nesses índios!
Também desmontaram e esconderam-se entre as pedras. Joe dirigiu o olhar para o lugar onde se tinha encontrado com Butchery. Agora só se viam alguns animais soltos e o mesmo acontecia do outro lado.
— Matei um desses maltrapilhos — disse Harry Coley. —E agora são só sete.
Joe olhou o seu poldro que estava imóvel a umas cinco jardas. Sentiu uma forte opressão no peito. Tinha sido seu companheiro durante três compridos anos. Agora estava morto e isso devia-se a Butchery.
Harry soltou um assobio.
— O que é que esses fulanos vão fazer agora, chefe? — perguntou com alguma ironia. — Pensam que vão esperar que se faça noite para atacar-nos?
—Butchery está muito certo da sua superioridade. Só esperará pela noite se se convencer de que agora não pode arranjar as coisas como ele quer.
Justamente nesse instante, Joe viu aparecer a cabeça dum índio entre as pedras e como tinha a espingarda preparada apertou um gatilho fazendo pontaria num décimo de segundo. Ouviu-se um grito de morte e o comanche pôs-se em pé com os braços levantados para o céu e caiu para trás.
— Infernos — exclamou Coley. — Não está mau de todo, chefe.
Um grande silêncio caiu naquele lugar da terra. O tempo foi passando lentamente sem que nada acontecesse. Coley resmungou:
— Parece que esse Juan Butchery se convenceu muito depressa de que não tinha nada a fazer connosco. E isso quer dizer que esperará que se faça noite. Bonito programa, não é verdade, Brand?
— Não o consentiremos.
—Deveras? E que fará para evitá-lo?
— Vê-lo-á em seguida.
Virgínia agarrou-o por um braço.
— Que vai fazer, Joe?
— Descanse, não me vou suicidar.
— Mas você quer sair daqui para ir contra eles.
— Só acerta em metade, Virgínia. Afastar-me-ei do nosso esconderijo, mas não me dirigirei para onde eles se encontram, mas sim para as pedras que vão para leste. Tratarei de surpreendê-los pelas costas.
Harry Coley soltou uma risada.
—Caçar-te-ão como a una coelho.
Joe não disse nada. Pôs um joelho na terra e saltou para fora deitando-se de bruços sobre o chão. Fizeram um disparo sobre ele e a bala por cima da sua cabeça enterrou-se três jardas além. Harry Coley soltou duas balas para o lugar donde tinham feito fogo e outra vez voltou a reinar o silêncio.
Joe gatinhou muito depressa, e ao chegar junto duma grossa pedra, um projétil arrancou uma lasca dela. Agora foi ele mesmo quem disparou três vezes seguidas para obrigar o seu inimigo a manter-se em sítio seguro.
Pôs-se de cócoras e respirou profundamente. Depois rodeou a pedra e começou a correr. Quando tinha avançado seis jardas, ouviu a voz de ira de Juan Butchery.
— Fogo sobre ele, irmãos!
Harry Coley e Virgínia começaram a apertar o gatilho ininterruptamente enviando uma barragem de chumbo sobre as pedras atrás das quais estavam os seus inimigos. Apesar disso, estes também enviaram várias balas sobre Joe, mas este já se encontrava no lugar escolhido e deitado por cima das rochas.
Bateu com a anca contra o chão, e soltou uma maldição. As suas mãos e a sua cara sofreram fortes contusões, mas finalmente ficou quieto. Outra vez tinham emudecido as armas.
Joe assomou um pouco a cabeça, mas o sinistro silvo dum projétil obrigou-o a esconder-se de novo. Esperou uns segundos e mudou de lugar. Então saltou para o lado com a espingarda na cara.
Além ao fundo viu levantar-se um índio. Mas Joe tinha tomado a dianteira e fulminou-o com um só disparo, voltando depois para o seu refúgio. Passado meio minuto, ouviu-se a voz do seu mortal inimigo.
— Eh, Joe Brand!
— Que queres, Juan Butchery?
— Estive a pensar que não é necessário que outros homens morram porque tu e eu temos a ajustar uma conta.
—É, o que eu penso, Butchery.
— Estás de acordo, então, em lutar comigo?
— Sempre estive disposto a partir daquele dia em que a tua mão ficou com quatro dedos.
— Agora o duelo acabará de outra forma. Escuta-me bem, Joe Brand. Tu e eu sairemos para fora das pedras. Só teremos em nosso poder um punhal e uma espingarda. Será como então. Primeiro a tiro, e se for necessário, deitaremos a mão ao punhal.
— De acordo, Butchery.
— Contarei até três e então sairemos os dois.
— Começa já.
— Um... dois... três... Joe Brand assomou a cabeça pela parte superior da rocha.
Efetivamente, observou que Juan Butchery aparecia por entre as pedras que estavam situadas a umas vinte jardas. O índio pôs os braços na cintura olhando para a frente. Joe não descobriu nada mais, mas ele não estava muito seguro de que o índio estivesse disposto a lutar com ele cara a cara. Butchery devia saber que tinha muito poucas probabilidades de subsistir depois dum duelo daquela classe.
— Que se passa, Joe Brand? — gritou o comanche. —Será que tens medo?
— Não, Juan, não tenho medo — respondeu o caçador de lagartos e saiu do seu esconderijo.
Viu pelo canto do olho que além, na ribanceira, Virgínia e Harry Coley se tinham posto de joelhos para presenciar o duelo. Joe deteve-se.
—Bem, Butchery. Já estamos preparados como da outra vez, mas agora sobra-nos o punhal porque uma espingarda é muito mais certeira do que um revólver e a esta distância nenhum dos dois pode falhar.
— Ocorre-me uma coisa para assegurar que só haverá um rápido vencedor — disse Butchery. — Daremos cinco passos em frente.
Assim dizendo, o comanche adiantou-se, esperando que Joe desse o seu consentimento à nova proposta. Mas Joe não picou o anzol. Viu diante de Butchery as rochas e não teve dúvida de que o índio se dispunha a refugiar-se para disparar a seu prazer. Então ele afastou-se rapidamente do lugar onde se encontrava, ao mesmo tempo que elevava a espingarda à cara. Não se equivocou. Butchery desapareceu num instante e à direita apareceram três índios dispostos a fazer fogo.
Joe atirou-se para o chão quando começou a apertar o gatilho. Uma, duas, três vezes. A sua posição era inverosímil para conseguir um alvo, mas ainda assim, um dos companheiros de Butchery caiu com uma ferida na cabeça.
Da ribanceira chegou uma série de disparos anunciando que Virgínia e Harry Coley tão-pouco tinham sido apanhados desprevenidos pelo estratagema de Juan Butchery. Brand ouviu a maldição que este soltava ao comprovar que a sua armadilha não tinha valido para nada.
— Eu é que tinha medo, hem, Butchery? Mudaste muito desde há quatro anos. Então eras um cão e agora um condenado porco.
Butchery soltou uma série de imprecações. E esse foi o instante em que Joe se pôs em pé outra vez e começou a disparar sobre as arestas das rochas detrás das quais se escondia o seu rival.
De repente, um dos que seguiam Butchery pareceu tornar-se louco e saltando por cima das rochas, lançou-se sobre Brand brandindo a espingarda pelo cano. Joe voltou-se rapidamente e apertou o gatilho. O índio recebeu a carga de chumbo no estômago, fez um estranho salto no ar, e ao cair, a sua cabeça bateu contra a aresta duma rocha. Depois, ficou imóvel e talvez tenha sido o único homem no mundo que morreu duas vezes ao mesmo tempo.
Depois, Joe teve de refugiar-se porque tinha ficado a descoberto pelo flanco esquerdo, justamente o lado que correspondia a Butchery. Apoiando as costas contra a pedra, recuperou o fogo. Tudo voltou a ficar em silêncio durante um grande bocado. Finalmente, levantou a sua voz.
— Que se passa, Butchery?
Não obteve resposta.
—E outra suja armadilha tua, Butchery? Tão-pouco te servirá de nada porque eu sei que não te alcancei com as minhas balas.
Tão-pouco desta vez o comanche disse uma só palavra. De repente, ouviu-se o galopar de vários cavalos vindo para além da mesa. Harry Coley gritou:
— Eh, chefe! Esses tipos vão-se embora, e por todos os diabos, só ficaram três.
Joe levantou-se observando os fugitivos. Identificou Butchery que cavalgava no seu poldro cor de canela. Lentamente serpenteou por entre as pedras aproximando-se do lugar em que o esperavam Virgínia e Harry Coley. Deteve-se olhando fixamente o rosto de Coley.
— Obrigado, Harry.
Coley fez uma careta.
— Não me agradeças.
—Contrai uma dívida contigo.
—Deixa-te de contos. Eu não o fiz por ti, mas sim pela menina Pulver. Ela considera-te necessário para que possamos chegar a Supay.
Joe sacudiu a cabeça desviando o olhar para a ruiva.
—Portou-se muito bem, Virgínia.
— Foi o instinto de conservação. — Sorriu a jovem. —Dizem que ao surgir o menor perigo, ele aparece e é bastante grande.
Harry Coley assinalou outra vez a nuvem de pó que deixavam atrás de si Juan Butchery e os seus compinchas.
—Pensas que voltarão, chefe?
Joe permaneceu pensativo observando os índios que escapavam.
—E certo que Butchery irá buscar reforços. Quando os tiver reunidos, repetirá o seu ataque, e então redobrará as suas preocupações.
— Infernos! — exclamou Coley. — Não é um futuro muito agradável o que nos aguarda.
— Bem — disse Joe. — Que vos parece se continuássemos a nossa viagem? Entre os Randall e Butchery fizeram-nos perder bastante tempo.
Pouco depois, começavam o seu avanço para o Oeste.
Sem comentários:
Enviar um comentário