Capítulo XIV
Uma intensa, mas furtiva atividade, desenrolava-se por todo o acampamento índio, ao longo da margem do rio Recto, até à periferia delimitada da reserva.
Nas trevas, junto de três grandes caixas de armamento, Joe Spain ouvia o chefe apache fazer a chamada dos seus guerreiros. A emoção pairava por sobre a cabeça daqueles bravos. E essa emoção era justificável. Era a primeira vez que o velho cacique se arriscava a partir os laços que o uniam a uma lei que lhe havia proibido pegar em armas. Era certo jogar naquela ousadia a vida do seu povo. Mas só a ele cabia arcar com todas as responsabilidades daquele acto.
Os jovens apaches montavam em pelo os seus mustangs e apresentavam-se armados dos seus tomahawks e lanças, velhas relíquias ferrugentas herdadas dos seus pais. Mas à medida que «Nuvem Negra» ia chamando pelo nome todos os seus homens, Joe Spain munia cada um deles com uma Springfield e um lote de munições subtraídas do arsenal da «Agência».
— Vinte e dois homens — anunciou o chefe apache, quando terminou a chamada. — É o melhor da minha gente, senhor Spain. Falta somente «Grande Águia» para que estejam todos.
O rapaz fez um gesto afirmativo. Tinha as suas dúvidas quanto à eficiência das possibilidades combativas do feiticeiro. Vinte e dois rostos esperavam, ansiosos, pelo grande momento. Mas, contando bem, eles não eram vinte e dois, mas sim vinte e um. O que faltava, encontrava-se a uns metros de distância, conversando, num idílio, com uma jovem índia.
«Corvo Louco», bebendo amor pelos olhos da bela Nutria, repreendeu-a:
— Não devias ter vindo, Nutria.
Uma pequena mão apoiou-se-lhe no peito. A voz da rapariga soou como um sussurro do vento roçando por entre a folhagem dos salgueiros.
— Tu vais lutar por nós. Vais lutar por mim. A morte espera em cada pedra e em cada árvore do caminho.
— Eu e a morte sempre nos demos bem.
— «Corvo Louco» ...
— Dize!
— Não queria que fosses sem eu te ver.
— Bem, já me viste. Volta para a tua cabana.
A rapariga não se mexeu. Os seus luminosos olhos fitavam profundamente os do rapaz.
— Vai-te embora, Nutria.
A pouco e pouco o seu coração ia-se apertando a um sentimento delicioso.
— Ainda não...
— Por favor, Nutria...
As palavras não eram necessárias. Havia algum tempo o mestiço tinha a plena certeza de que aquilo iria acontecer. Não havia força humana que o pudesse impedir. Os seus braços rodearam o colo da bela rapariga e os seus lábios uniram-se num beijo em que ia muito de dor e de prazer. O corpo dela tremeu de paixão ao contacto das mãos do rapaz.
— «Corvo Louco»! — chamou subitamente Spain.
O rapaz despediu-se de Nutria com um olhar transparente de ternura.
Entretanto, «Grande Águia» aproximava-se, montando um potro malhado. Spain poisou a mão sobre o ombro do mestiço e disse:
— Você foi para nós duma grande utilidade esta noite. Designei-o para ir à frente avisar Collins de que não deve entrar em Blue Lake Spring, até que Doyle e os seus homens não sejam eliminados.
— Negas-me o prazer de combater ao vosso lado, irmão branco? — perguntou o mestiço em apache —. Não há outro capaz de servir para mensageiro?
Um murmúrio de aprovação percorreu o círculo de guerreiros.
— Bem, — disse Spain, voltando-se para o velho cacique —, escolhe tu mesmo um mensageiro.
«Nuvem Negra» escolheu um jovem guerreiro e Spain garatujou num papel, à pressa. Momentos depois, «Arco Largo» afastou-se numa corrida veloz. Os guerreiros principiaram a cavalgar vagarosamente por entre as sombras da noite. Todos haviam recebido instruções para se concentrarem à primeira hora da tarde na vertente meridional de Hat Peack.
«Grande Águia» foi um dos primeiros homens a empreender a marcha, mas, numa curva prolongada do caminho, desapareceu aos olhos dos companheiros e voltou à «Agência», pronto a informar Bates. Este, depois de receber a informação de «Grande Águia», tomou uma decisão.
— Sai imediatamente e intercepta a mensagem. Faz de «Arco Largo», depois; o que quiseres. Destrói a mensagem de Spain. Depois segue ao encontro de Collins e conta-lhe uma história qualquer. Diz-lhe, por exemplo, que um desprendimento de terras obstruiu o caminho de Lake Spring. Procura não ficares mal e faz que ele tome o caminho de Skeleton Pass. Aí, na missão, estarei de rifle empunhado, à espera.
— E os homens de «Nuvem Negra»?
— Isso já está resolvido. Doyle recebeu instruções.
— Que faço depois de falar com Collins?
— Regressas. Mas arranja-te de maneira que «Nuvem Negra» não veja que regressas do lado de Culebra City.
— Devo unir-me a ele?
— Faze depois o que quiseres. Agora, vai.
O lívido fulgor da aurora levantava-se já no Oriente, quando o feiticeiro abandonou os terre-nos da «Agência». A saída do Sol, rasgando as nuvens, surpreendeu-o cavalgando por um atalho. Pouco depois, do alto duma colina, viu um cavaleiro que seguia a toda a brida. «Grande Águia» sorriu odiosamente. Era «Arco Largo», o mensageiro de Spain.
O jovem guerreiro, ao ouvir o bater surdo das patas de outro cavalo, olhou para trás e, ao ver o feiticeiro da sua tribo, parou.
— Há contraordem, «Arco Largo» — avisou o feiticeiro, refreando o andamento do cavalo. — O irmão branco pensou que não era de boa política entregar a mensagem. Os casos modificaram-se. Sem discutir aquela ordem, o jovem índio pegou na mensagem e estendeu-a ao feiticeiro.
Este, acompanhando o gesto com um surdo grunhido, levantou o tomahawk e desferiu com ele forte pancada na cabeça do rapaz. A folha da arma fendeu-lhe o crânio, como se se tratasse dum fruto maduro. «Arco Largo» caiu por terra, sem vida. O tomahawk ficou incrustado na cabeça do rapaz e o feiticeiro teve de fazer força para o retirar. Esfregando-o na erva húmida, limpou-o do sangue. Depois arrastou o corpo inanimado para o meio de algumas rochas, ocultando-o. Espantou a montada da vítima e, saltando, agilmente, para a sua, partiu à desfilada, deixando o corpo do infeliz rapaz, para pasto das aves de rapina.
Uma intensa, mas furtiva atividade, desenrolava-se por todo o acampamento índio, ao longo da margem do rio Recto, até à periferia delimitada da reserva.
Nas trevas, junto de três grandes caixas de armamento, Joe Spain ouvia o chefe apache fazer a chamada dos seus guerreiros. A emoção pairava por sobre a cabeça daqueles bravos. E essa emoção era justificável. Era a primeira vez que o velho cacique se arriscava a partir os laços que o uniam a uma lei que lhe havia proibido pegar em armas. Era certo jogar naquela ousadia a vida do seu povo. Mas só a ele cabia arcar com todas as responsabilidades daquele acto.
Os jovens apaches montavam em pelo os seus mustangs e apresentavam-se armados dos seus tomahawks e lanças, velhas relíquias ferrugentas herdadas dos seus pais. Mas à medida que «Nuvem Negra» ia chamando pelo nome todos os seus homens, Joe Spain munia cada um deles com uma Springfield e um lote de munições subtraídas do arsenal da «Agência».
— Vinte e dois homens — anunciou o chefe apache, quando terminou a chamada. — É o melhor da minha gente, senhor Spain. Falta somente «Grande Águia» para que estejam todos.
O rapaz fez um gesto afirmativo. Tinha as suas dúvidas quanto à eficiência das possibilidades combativas do feiticeiro. Vinte e dois rostos esperavam, ansiosos, pelo grande momento. Mas, contando bem, eles não eram vinte e dois, mas sim vinte e um. O que faltava, encontrava-se a uns metros de distância, conversando, num idílio, com uma jovem índia.
«Corvo Louco», bebendo amor pelos olhos da bela Nutria, repreendeu-a:
— Não devias ter vindo, Nutria.
Uma pequena mão apoiou-se-lhe no peito. A voz da rapariga soou como um sussurro do vento roçando por entre a folhagem dos salgueiros.
— Tu vais lutar por nós. Vais lutar por mim. A morte espera em cada pedra e em cada árvore do caminho.
— Eu e a morte sempre nos demos bem.
— «Corvo Louco» ...
— Dize!
— Não queria que fosses sem eu te ver.
— Bem, já me viste. Volta para a tua cabana.
A rapariga não se mexeu. Os seus luminosos olhos fitavam profundamente os do rapaz.
— Vai-te embora, Nutria.
A pouco e pouco o seu coração ia-se apertando a um sentimento delicioso.
— Ainda não...
— Por favor, Nutria...
As palavras não eram necessárias. Havia algum tempo o mestiço tinha a plena certeza de que aquilo iria acontecer. Não havia força humana que o pudesse impedir. Os seus braços rodearam o colo da bela rapariga e os seus lábios uniram-se num beijo em que ia muito de dor e de prazer. O corpo dela tremeu de paixão ao contacto das mãos do rapaz.
— «Corvo Louco»! — chamou subitamente Spain.
O rapaz despediu-se de Nutria com um olhar transparente de ternura.
Entretanto, «Grande Águia» aproximava-se, montando um potro malhado. Spain poisou a mão sobre o ombro do mestiço e disse:
— Você foi para nós duma grande utilidade esta noite. Designei-o para ir à frente avisar Collins de que não deve entrar em Blue Lake Spring, até que Doyle e os seus homens não sejam eliminados.
— Negas-me o prazer de combater ao vosso lado, irmão branco? — perguntou o mestiço em apache —. Não há outro capaz de servir para mensageiro?
Um murmúrio de aprovação percorreu o círculo de guerreiros.
— Bem, — disse Spain, voltando-se para o velho cacique —, escolhe tu mesmo um mensageiro.
«Nuvem Negra» escolheu um jovem guerreiro e Spain garatujou num papel, à pressa. Momentos depois, «Arco Largo» afastou-se numa corrida veloz. Os guerreiros principiaram a cavalgar vagarosamente por entre as sombras da noite. Todos haviam recebido instruções para se concentrarem à primeira hora da tarde na vertente meridional de Hat Peack.
«Grande Águia» foi um dos primeiros homens a empreender a marcha, mas, numa curva prolongada do caminho, desapareceu aos olhos dos companheiros e voltou à «Agência», pronto a informar Bates. Este, depois de receber a informação de «Grande Águia», tomou uma decisão.
— Sai imediatamente e intercepta a mensagem. Faz de «Arco Largo», depois; o que quiseres. Destrói a mensagem de Spain. Depois segue ao encontro de Collins e conta-lhe uma história qualquer. Diz-lhe, por exemplo, que um desprendimento de terras obstruiu o caminho de Lake Spring. Procura não ficares mal e faz que ele tome o caminho de Skeleton Pass. Aí, na missão, estarei de rifle empunhado, à espera.
— E os homens de «Nuvem Negra»?
— Isso já está resolvido. Doyle recebeu instruções.
— Que faço depois de falar com Collins?
— Regressas. Mas arranja-te de maneira que «Nuvem Negra» não veja que regressas do lado de Culebra City.
— Devo unir-me a ele?
— Faze depois o que quiseres. Agora, vai.
O lívido fulgor da aurora levantava-se já no Oriente, quando o feiticeiro abandonou os terre-nos da «Agência». A saída do Sol, rasgando as nuvens, surpreendeu-o cavalgando por um atalho. Pouco depois, do alto duma colina, viu um cavaleiro que seguia a toda a brida. «Grande Águia» sorriu odiosamente. Era «Arco Largo», o mensageiro de Spain.
O jovem guerreiro, ao ouvir o bater surdo das patas de outro cavalo, olhou para trás e, ao ver o feiticeiro da sua tribo, parou.
— Há contraordem, «Arco Largo» — avisou o feiticeiro, refreando o andamento do cavalo. — O irmão branco pensou que não era de boa política entregar a mensagem. Os casos modificaram-se. Sem discutir aquela ordem, o jovem índio pegou na mensagem e estendeu-a ao feiticeiro.
Este, acompanhando o gesto com um surdo grunhido, levantou o tomahawk e desferiu com ele forte pancada na cabeça do rapaz. A folha da arma fendeu-lhe o crânio, como se se tratasse dum fruto maduro. «Arco Largo» caiu por terra, sem vida. O tomahawk ficou incrustado na cabeça do rapaz e o feiticeiro teve de fazer força para o retirar. Esfregando-o na erva húmida, limpou-o do sangue. Depois arrastou o corpo inanimado para o meio de algumas rochas, ocultando-o. Espantou a montada da vítima e, saltando, agilmente, para a sua, partiu à desfilada, deixando o corpo do infeliz rapaz, para pasto das aves de rapina.
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