segunda-feira, 20 de maio de 2019

BUF011.04 O prisioneiro de forte Culebra

CAPÍTULO IV
Opor resistência teria sido um suicídio. Desencadear-se-ia uma tremenda tempestade de morte. Seriam nove armas apontadas sobre um só alvo. E pensando assim, Smith resignou-se.
Foi despojado dos seus revólveres e obrigado a empreender o regresso pelo leito pedregoso do rio seco. A pequena tropa seguiu em fila, escoltando o prisioneiro.
Encontravam-se já dentro do bosque, quando o homem que precedia Smith disse a Bosco Bates:
— Ocorreu-me uma ideia, Bosco.
O chefe diminuiu o andamento da sua montada até ficar junto do outro.
— Que espécie de ideia?
O homem indicou com a cabeça o texano.
— Se este melro é o «Máscara Vermelha», podemos atribuir-lhe a culpa do ataque. Assim, no caso de Collins estar vivo, não haverá perigo, nem mesmo que ele e a rapariga vão contar ao xerife...
O indian-agent olhava-o de boca aberta.
— Grande estúpido! —vociferou. — Que supões tu que ia fazer, Poggy?
— Eu!...
— Por que não hás-de deixar a língua quieta? Precisavas de mostrar a este tipo que fomos nós quem assaltou Collins? Era isso que pretendias?
Um murmúrio percorreu a coluna. Depois Poggy tentou desculpar-se.
— Desculpa, Bosco. Mas... como reclamam «Máscara Vermelha» vivo ou morto... tudo se pode arranjar. Se este pássaro estorva... esperamos somente uma ordem tua. Basta um só tiro...


Smith temia aquelas palavras. Já as esperava dum momento para o outro. Os seus nervos parecia esticarem-se como cordas dum instrumento. A sua vida dependia dum cabelo... E esse cabelo partiu-se.
Bates principiou a sorrir e olhou para o prisioneiro. Depois, a sangue-frio, fez um gesto de assentimento. E Smith soube com espantosa certeza que aquele gesto assinava a sua sentença de morte.
— Eh!... Um momento — articulou. — Você está louco, Bates? Os seus planos teriam êxito se eu fosse de facto «Máscara Vermelha». Mas não sou esse tipo. Que acontecerá depois se «Máscara Vermelha» der um golpe longe daqui, talvez hoje, talvez amanhã? Que acontecerá quando se souber que ainda continua vivo? Quem irá pagar a recompensa a você?
O outro encolheu os ombros.
— Correrei o risco.
— Se tiver recebido o dinheiro, será obrigado a devolvê-lo.
— Você está a sonhar. Com que então, eu estou doido, eh? Que faria você se fosse o «Máscara Vermelha», estivesse em liberdade e de súbito soubesse que o davam por morto? Claro que não seria tão imbecil em fazer crer que continuava vivo, não é verdade? É natural que, a partir de então, se convertesse em «Máscara Negra» ou «Máscara Azul», mas o que é certo é que deixaria «Máscara Vermelha» publicamente enterrado. Que diz a isto?
Smith engoliu em seco. Bates tinha razão.
— Está bem. Faça o que entender. Só lhe recordarei uma coisa. Oferece-se mil dólares no Arizona pela cabeça de «Máscara Vermelha», mas em Califórnia dão três mil, em Nevada três mil e quinhentos e no Texas estão dispostos a pagar cinco mil dólares. Mas o calor é muito para que um cadáver se conserve incorrupto durante uma viagem mais ou menos longa.
Poggy baixou o revólver e voltou-se para Bates. O chefe parecia refletir.
— Pode ser que isso seja verdade. É cedo para decidir. No acampamento há um bom cárcere...
O texano sentiu-se reviver. Um pintarroxo cantava no alto dum pinheiro. A viagem foi lenta e monótona. Para além do bosque, a tropa alcançou o caminho e a Smith pareceu-lhe grotesco passar tão perto do lugar onde se encontrava o seu camarada e não poder avisá-lo. Mas um homem só nada poderia fazer em sua ajuda. Embora o visse, o mestiço seria forçado a conservar-se inativo. Quando caminhavam já para o acampamento, um dos homens avisou:
— Devias inteirar-te se Collins morreu ou não, chefe. Sempre desejaste afastá-lo do teu caminho, para deitares mãos ao seu negócio e à rapariga, e agora... Bem! Surpreende-me que te contentes com um punhado de oiro.
Bates soltou uma áspera imprecação.
— Cala o bico, Doyle! Ainda não há notícias de que uma bala «69» tivesse deixado um homem com vida. Duvido que Collins regresse a Culebra City. E se regressar...
O indian-agent deixou a frase em suspenso. Smith, que cavalgava em silêncio, mas prestando atenção a tudo, pôs-se a pensar. Não era difícil discernir que Bates havia representado uma farsa com o seu ataque a Collins, inspirada provavelmente na oferta da recompensa por «Máscara Vermelha» que principiava a circular pelo território. Evidentemente o negócio do rapaz em Culebra City era, aliado a Tana Nelson, bastante bom para que Bates agisse como agiu.
— Quando circular a notícia de que prendemos «Máscara Vermelha» — continuou o outro, — farremos saber que lhe encontrámos o cinturão de Collins... Isso explicará o roubo e o dinheiro continuará em nosso poder. As coisas vão-se arranjando a pouco e pouco.
Chegaram ao acampamento-reserva, debaixo dum sol escaldante. Os escritórios, os armazéns e o albergue de Bates e do pessoal administrativo estavam instalados no lugar onde em tempos existira um bloco de edifícios do histórico Forte Culebra.
A antiga paliçada havia desaparecido, assim como todo o indício de organização militar. Ao atravessar os terrenos da «Agência», Smith ficou desagradavelmente impressionado com a depauperação e pobreza daqueles indígenas que deveriam receber de Bates alimentos, cuidados, conselhos e sã administração.
As famílias apaches habitavam todas míseras choças de barro. Saltava à vista que a maioria das squaws e papoos se encontrava enferma. Aqueloutros que se achavam em melhor estado, bem como os jovens, exibiam os efeitos da fome e dos maus tratos a que se encontravam submetidos.
Ignorados nos oásis dos Montes Culebra, rodeados por todos os lados de comarcas pobres e estéreis, os membros da desditosa tribo tinham mais o aspeto de animais selvagens do que de seres humanos. No entanto, a eles como a todos os outros peles-vermelhas estava destinada uma parte do dinheiro que os contribuintes de toda a União pagavam. Que teria sido feito, então, do tratado de Washington, assinado pelo Grande Pai Branco?!
O rebelde instinto justiceiro de Smith revoltou-se. Uma cólera surda e torturante foi-se apoderando dele à medida que os seus olhos passeavam por toda aquela miséria.
Ante a aparição de Bosco Bates, Smith verificou que os rapazinhos fugiam e as squaws desapareciam no interior das suas choças. Mas o indian-agent, arrogante e desdenhoso como um senhor feudal, conduziu impassível a tropa para a praça que se abria frente dos edifícios da «Agência».
Alguns índios, sentados ao sol, imóveis e inexpressivos, presenciavam como os homens de Bosco preparam a prisão do texano.
Olhando por um dos postigos, Smith viu Poggy e Doyle e mais alguns homens dirigirem-se para um edifício de cuja chaminé saía uma coluna de fumo. Depois examinou o cárcere. Era fechado por uma sólida porta chapeada, reforçada por um pesado ferrolho. Pelo lado de fora, Bosco Bates tinha disposto quatro homens, um em cada canto do edifício, montando guarda. A perspetiva do vale aparecia ao fundo, fechado por uma linha clara onde principiava o deserto. Não era um panorama agradável e Smith renunciou a contemplá-lo.
Foi sentar-se no catre de madeira. Ao lado, existia uma bomba de tirar água e um tosco canal que ia desaguar no vale. Minutos depois alguém se aproximou da prisão e Smith ouviu dizer:
– Venho trazer a comida do preso.
Uma chave rodou na fechadura e a porta abriu-se deixando entrar um homem alto, jovem, de olhos claros e cabelo muito curto. No tabuleiro de madeira trazia uma tigela fumegante e um pedaço de pão.
— Que tal, forasteiro? — saudou a meia voz. — Chamo-me Joe Spain, o agente auxiliar do acampamento. Desrespeitei as ordens de Bates e trouxe-lhe comida. Não é justo que eles o tratem como um criminoso... pelo menos enquanto não se apurar a qualidade dos seus crimes.
Smith sorriu. Os dois estudavam-se mutuamente. O agente auxiliar era tão diferente do seu chefe como a noite do dia.
— Obrigado — disse, pegando na bandeja e poisando-a sobre o catre. — Parece-me que a Bates convém fazer crer que eu sou o famoso «Máscara Vermelha».
Spain, com os braços cruzados, fez um movimento com a cabeça indicando a Smith que principiasse a comer. O texano obedeceu.
— As ideias de Bates acerca da justiça dependem do dinheiro. Você não tem aspeto de... Enfim. É ou não «Máscara Vermelha»? Responda com sinceridade sem receio de me assustar.
— Claro que o não sou. Bates sabe isso muitíssimo bem.
— Então, se me for possível, procurarei ajudá-lo. Tem alguém que responda por você? Alguma pessoa digna de crédito?
Smith examinou-o por sobre a tigela. Instintivamente sentia que o agente auxiliar era digno de confiança e que a sua oferta de ajuda era sincera. Spain enfrentou o seu olhar sem pestanejar.
— Não tenho amigos — a expressão do texano ensombrou-se. — Quero dizer...
—E então?...
Smith pensava no mestiço. Mas de súbito um rosto surgiu na sua memória.
— Existe um homem, mas está muito longe daqui. É o major Grunther, dos Texas Rangers. Pode avisá-lo?
— Há no acampamento um posto da Overland Telegraph.
Os músculos do rosto de Smith estavam estranhamente tensos.
— Acredita na necessidade de enviar uma mensagem? A minha situação é assim tão difícil?
— Sem dúvida alguma.
— Está bem! Telegrafe... diga-lhe que o homem que lhe salvou a vida em Vicksburgo precisa dele. Explique-lhe o ocorrido.
— Em que nome devo fazer a notícia? John Smith?
— Somente o que sabe.
O jovem tirou do bolso um bloco-notas e tomou nota das indicações.
— Vicksburgo! — repetiu. — Isso seria durante a guerra?
— Sim, foi durante a guerra.
Spain quis perguntar outra coisa, mas pensou melhor e calou-se. Quando o preso acabou de comer, Spain retirou a bandeja e chamou o guarda para lhe abrir novamente a porta. Antes de transpor o umbral disse:
— Peça a Deus que esse major Grunther faça alguma coisa por você. Eu conheço Bates. Recorrerá a qualquer processo para cobrar a recompensa que oferecem por «Máscara Vermelha». E eu não me admiraria que o meio a empregar fosse a morte.

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