terça-feira, 21 de maio de 2019

BUF011.05 Uma pedra embrulhada em papel

Capítulo V
O fim da tarde caiu, encontrando Bosco Bates sentado à secretária. Olhava de frente para Poggy, o chefe dos seus pistoleiros, que acabava de trazer más notícias.
— Pois é verdade! — afirmou Poggy. — Ted Collins continua vivo e faz a sua vida como sempre. Entrei no seu acampamento para comprar tabaco. Estava a explicar a um sujeito a agressão de que tinha sido alvo e acusava-te como o homem do lenço vermelho que o atacou. É desagradável, mas a verdade é que ouvi...
Bates chupava babosamente um comprido cigarro. Levantou-se, apoiou as mãos à secretária e caminhou em direção da janela por onde ficou durante algum tempo a perscrutar o exterior. Junto da cela de Smith, um homem armado montava guarda. As sobrancelhas do indian-agent franziram-se. Depois, voltando-se para o seu sicário, exclamou:
— Depois eu me encarregarei de Collins. O seu negócio ata-me as mãos e é uma chaga que arrasto perante os olhos dos meus amigos de Tuecon e Phoenix. Situado perto do acampamento, Collins pode fornecer-nos a preços mais baixos do que outro fornecedor do Território. Espera e verás. Quando o armazém de Culebra City for meu, estarei em condições de me servir a mim mesmo...
Poggy riu.
— Isso sim, Bosco, isso é que é viver. Que o Governo pague provisões, mantas e medicamentos para esses piolhosos! Isso já é de mais para eles. Em troca, do outro lado da fronteira, os rebeldes mexicanos pagam muito bem e nunca perguntam a sua procedência. Grande negócio, eh!, Bosco?...


O riso do pistoleiro esfumou-se. E a conversa que se seguiu entre os dois homens tiveram-na em voz baixa. Quando terminaram, o indian-agent regressou à sua cadeira. Acabava de ver, através da janela, o seu auxiliar Spain em companhia dum jovem apache. Nesse momento, Poggy sentiu-se no direito de dizer:
— Eh, Bates! Se isso acontecer poderás aumentar a minha parte, não?
— Tudo chegará na sua devida altura — respondeu Bosco Bates mal-humorado. — Há coisas com que devemos contar... Por exemplo, esse bisbilhoteiro do Spain por certo que nos fará guerra. Meteu-se-lhe na cabeça que os peles-vermelhas são seus irmãos e os homens devem tratar-se como tal. Não gosto nada da maneira como ele toma parte nos conselhos da tribo, ganhando a confiança de «Nuvem Negra» e dos outros chefes.
Poggy, pensativo, esfregou o queixo.
— Talvez seja mais esperto ou mais prudente do que nós. Os índios sabem de sobra que não fazemos jogo limpo com eles. Tarde ou cedo sentirão vontade de exibir as nossas cabeleiras e parece-me que Spain não faz outra coisa que adular «Nuvem Negra» com o simples propósito de salvar o seu «pelo de arame».
— Essa é a tua opinião?
— Sim.
— Pois bem. No dia em que os apaches se mostrem turbulentos, dar-lhes-emos uma ração de chumbo como pequeno almoço. Temos pelo nosso lado a força da Lei. As tropas do Forte Gunset estão à nossa disposição. Basta chamá-las. Toda a gente sabe que os índios são perigosos e os que cá temos são dos piores. O que é preciso é pulso forte.
— Bem, isso é mais ou menos o que pretendi dizer — continuou o pistoleiro. — Spain é brando e é dos que se enternecem ao ver um apache doente. Se se lembra de lhes explicar que tudo o que acontece é de nossa culpa, haverá pancadaria.
— Ele não se atreverá — sentenciou Bates, tirando uma longa fumaça do cigarro. — Seria passar-me uma rasteira e ele sabe muito bem que na alta política do Território tenho bons amigos que me amparam. Mas, se apesar de tudo, ele tentar qualquer coisa, farei que apareça com uma flecha cravada nas costas. Será interessante. Os apaches...
Do lado de fora, alguém bateu à porta.
— Entre! — ordenou Bosco, encavalitando os óculos no nariz.
Joe Spain entrou. Exibia na mão uma folha de papel de telegrama.
— De acordo, Poggy — disse Bosco, de maneira a fazer crer que ambos conversavam de assuntos referentes ao acampamento. — Avisa-me quando se receba a atribuição dessas mantas.
Poggy deu meia volta e saiu. O jovem auxiliar aproximou-se da secretária. A sua atitude respeitosa, ao estender o telegrama, irritou Bosco Bates.
— Que maneiras, Spain! — exclamou. — Isto aqui não é o exército.
— Perdoe, senhor.
— Em que está pensando ?!... Que traz aí? A ordem das mantas?
— Não, senhor. É a resposta a um telegrama que expedi ao princípio desta tarde para o major Grunther dos Texas Rangers, com o objetivo de estabelecer a identidade do homem que temos no cárcere. Receio, sr. Bates, que ele não seja exatamente «Máscara Vermelha».
Bruscamente, Bates levantou-se e arrebatou o papel das mãos do seu auxiliar.
— Bah! — exclamou. A resposta ao telegrama era a seguinte:
«Grande erro cometido. Saio imediatamente proceder identificação. Para já, trata-se pessoa livre toda suspeita. Major Steve Grunther.»
O indian-agent olhou fixamente para Spain. Este sorria satisfeito.
— Excelente trabalho — exclamou Bates por entre dentes. — Isto dá-nos uma ideia do caso muito diferente daquela que sustentámos até agora. Já tinha mandado um correio às autoridades do Território, anunciando a captura de «Máscara Vermelha» nos Montes Culebra...
— Não há outra interpretação possível, senhor — respondeu o jovem respeitosamente. — Espero que o telegrama o tenha convencido de que se enganou.
Bates sentia a pulsação aumentar. Só com grande esforço conseguiu dominar-se a si mesmo para não puxar do revólver e encher de balas o corpo de Spain.
— Efetivamente — reconheceu o bandido a meia voz — a identidade desse Smith é um pouco imprecisa. O argumento que você me apresenta tem muito peso, Spain.
O jovem suspirou aliviado.
— Então posso dar as armas e o cavalo ao homem e deixá-lo em liberdade?
— Não precipitemos o caso, meu rapaz. No fim de contas não temos provas suficientes de que esse tal Smith seja precisamente a pessoa que o major Grunther quer identificar. Suponha que isso não passa dum ardil? Com que cara receberemos depois o major? Vale mais esperar que ele chegue.
Spain, no íntimo, estava convencido de que não havia engano possível. No entanto, humedeceu os lábios e achou melhor calar-se. O jovem abandonou o escritório de Bates e passou para o seu gabinete.
Quando se encontrou sozinho, o seu rosto tomou uma expressão decidida. Rapidamente, dirigiu-se para um móvel e abriu uma porta oculta no interior, que dava para um antigo arquivo. No tecto havia o alçapão de um sótão. Puxou uma cadeira, subiu para ela e levantou o alçapão de madeira. Momentos depois encontrava-se envolto no pó do sótão.
Não era a primeira vez que efetuava aquela operação e conhecia, portanto, o terreno. Avançando silenciosamente, procurou um pequeno orifício no soalho. Abaixou-se cautelosamente e espreitou. O orifício deixava ver uma área do escritório de Bates.
Poggy, de pé, junto à secretária, escutava atentamente o que Bates dizia nesse momento:
— Que raio de sorte!... Espera...
Spain viu Bosco Bates levantar-se e caminhar para a porta abrindo-a bruscamente. Espreitou e voltou a fechá-la. Depois regressou ao seu lugar.
— Mas o que há? — perguntou Poggy, intrigado.
— É esse maldito Spain!... Arranjou-nos boa! — na voz do indian-agent havia veneno.
—Valeu-se do telégrafo para obter uma prova de como o «pássaro» que temos engaiolado não é «Máscara Vermelha». Dentro de dois ou três dias estará aí um dos seus amigos para o identificar. É um indivíduo de muita categoria e digno de consideração, Poggy. É um oficial dos Texas Rangers, chamado Grunther. Compreendes o que isso significa?
Através do seu observatório, Spain viu o pistoleiro passar um dedo pelo pescoço num gesto significativo.
— Equivale a dizer que não receberemos um cêntimo e ainda por cima...
— Exatamente, Poggy — cortou o chefe. — Mas, se trabalharmos depressa, a coisa pode arranjar-se. Hoje, aí cerca da meia-noite, representaremos uma pequena farsa. Para toda a gente, «Máscara Vermelha» tentou escapar. Amanhã de manhã preciso dele estendido sobre a mesa do necrotério. De acordo?
Joe Spain sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha. A boca do indian-agent torcia-se num esgar de regozijo.
— De acordo—respondeu o pistoleiro. — «Máscara Vermelha» tentará escapar e o fracasso dessa fuga custar-lhe-á a vida. Lógico. Quando o major chegar, só poderá identificar um cadáver. Um cadáver que não prestará declarações. Neste caso só a minha palavra prevalecerá. Se esse major é um oficial dos Texas Rangers, eu sou um agente do Governo. Veremos quem vencerá.
Retrocedendo com todas as precauções, Spain desceu para o seu gabinete. Depois abandonou o edifício da administração. Atravessou a praça e encaminhou-se diretamente para a aldeia dos índios, entrando na choça do chefe «Nuvem Negra».
O ancião recebeu-o sentado na sua pobre manta, fumando placidamente cachimbo, tão digno na sua miséria como se estivesse cercado pela pompa que era seu apanágio noutros tempos. Ambos os homens se conservaram juntos, conversando, até à hora do jantar.

Era noite cerrada. Ao longe ouvia-se uivar um lobo. O jovem agente auxiliar dirigiu-se para o cárcere de Smith, transportando a bandeja da comida. Sentado à porta, com uma espingarda «30-30», Poggy em pessoa fazia um quarto de sentinela.
— Trago o jantar do Smith — anunciou Spain.
O pistoleiro abriu a porta metálica, deixando-o entrar. Sentado no catre, Smith fumava um cigarro. Quando Spain entrou, perguntou-lhe:
— Então?! Veio a resposta ao seu telegrama?
— Veio — respondeu o rapaz com voz deliberadamente alta para que Poggy o ouvisse. — O major Grunther chegará dentro de dois ou três dias. Bem! Aqui está o seu jantar...
Smith pegou na bandeja e ao mesmo tempo admirou o fulgor dos olhos do rapaz. Um pressentimento entrou no seu peito.
— Que se passa?
— Bates projeta matá-lo esta noite, fingindo uma fuga da sua parte. «Nuvem Negra», o chefe apache, prometeu ajudar-me. O seu filho trabalha nos estábulos. Se lhe for possível selará o seu cavalo e deixa-o ficar do outro lado do choupal. Eu virei depois, perto das onze horas da noite. Apanharei Poggy de surpresa e poderei abrir-lhe a porta. Também, se puder trar-lhe-ei os seus revólveres. Depois... Deus dirá.
— Não vai cometer nenhuma loucura, pois não?
— Não, descanse.
Smith apertou calorosamente a mão do rapaz.
— Obrigado. Nunca esquecerei isso. Sei muito bem a que se expõe. Ainda mais por se tratar de um desconhecido para si...
— Não tem importância. Sente-se e jante.
O texano obedeceu. Spain aproximou-se da porta e chamou pelo guarda. Quando Poggy lhe franqueou a saída, o jovem agente auxiliar elevou a voz e disse para dentro da cela:
— Amanhã venho retirar os pratos.
Dito isso desapareceu. Smith, mergulhado nas trevas, meditando, engoliu a comida que pouco antes puseram na sua frente. Pensava que Joe Spain parecia estar muito seguro de si mesmo, mas a experiência do texano dizia-lhe que, entre um cento de possibilidades, só uma poderia resultar.
Surpreender o guarda não seria tarefa fácil. Smith havia reparado nele durante a viagem e julgava-o um pistoleiro perigoso, mais perigoso ainda por se tratar dum indivíduo bronco. Com homens como Poggy, não era conveniente brincar.
Acabado o jantar, Smith estendeu-se sobre o catre e acendeu um cigarro. Soprava o fumo placidamente, quando qualquer coisa de estranho aconteceu. Foi uma espécie de choque, produzido em qualquer parte da cela.
O texano levou alguns segundos a compreender que alguém havia lançado um objeto qualquer através das grades do postigo. Momentos depois encontrou-o. Era uma pedra embrulhada num papel escrito. O texano sorriu. Conhecia de sobra as habilidades do seu camarada mestiço. Arrojar pedras à distância, com uma pontaria pasmosa, era uma das mais notáveis. Naquele papel estava escrita uma mensagem que Smith leu à ténue luz produzida pela brasa do cigarro:
«Vi tudo o que se passou. Estou oculto no souto em frente do cárcere. Não posso aproximar-me muito. Despeja alguma água no cano e talvez possas enviar-me algum aviso. O cano desagua perto daqui. Estarei a vigiar».
Com profunda emoção, Smith olhou através do postigo gradeado. O olhar poisou no souto. O seu melhor amigo não havia falhado. Num alarde de audácia, conseguia estabelecer contacto com ele, mesmo à frente do nariz dos seus guardas.

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