CAPÍTULO VI
Ele chamava-se Liam O’Brien, mas sempre fora conhecido por Liam «Corvo Louco», ou mais simplesmente por «Corvo Louco».
E o rapaz mostrava-se orgulhoso do nome, pois este havia pertencido a um chefe apache que tinha sido seu avô.
A sua amizade com o homem que dizia chamar-se Smith vinha já de vários anos atrás, dos difíceis e tortuosos dias da guerra, e desde então nunca mais se separaram.
«Corvo Louco» sabia do seu camarada uma infinidade de coisas, segredos que à simples vista não se podiam adivinhar e que mais ninguém conhecia a não ser ele. Sabia da sombra que pairava na sua vida e da desventura que o havia lançado para uma existência desumana, sem amigos, sem um tecto e sem um amor. Sabia da grandeza sem limites do seu carácter e do temperamento esquisito da sua alma nobre. Por tudo isso, continuava a seu lado até que a morte os separasse.
Rígido, imóvel como uma estátua caída entre os carvalhos, «Corvo Louco» tinha agora o seu penetrante olhar fito no bloco cúbico formado pela prisão.
Quando arremessou a pedra verificou com alívio que o guarda não se havia apercebido de nada. Satisfeito com o seu êxito, nada mais lhe restava do que esperar com atenção. Havia horas que se encontrava ali, estendido, vigiando o lugar onde sabia que Smith estava encerrado.
Quando, naquela manhã, o viu cavalgando entre os seus captores, compreendeu que, momentaneamente, nada poderia fazer em benefício do seu amigo. Apesar disso seguiu o grupo e assistiu ao encerramento do seu camarada.
De súbito, o seu corpo, ágil como um felino, saltou. O seu fino ouvido tinha percebido um marulhar de água descendo pelo cano. Instantes depois, apareceu, arrastado pelo impacto da água, um papel flutuando.
«Corvo Louco» estendeu um braço e apanhou-o. Em seguida voltou a internar-se por entre os carvalhos e procurou um raio de luar para poder ler: «Bosco Bates, o encarregado do acampa-mento-reserva, planeou assassinar-me esta noite, mas o seu jovem auxiliar, Joe Spain, prometeu desfazer-se do homem que guarda a porta do meu cárcere e deixar-me em liberdade. Não te afastes porque posso precisar de ti. De contrário, reúne-te depois comigo. Parece-me que um dos indígenas tem o meu cavalo pronto por detrás do souto. Vigia com cuidado. Não te aproximes nem corras riscos desnecessários.»
Os lábios do mestiço esboçaram um leve sorriso, enquanto os seus dedos desfaziam o papel. As coisas caminhavam por bom caminho. O seu amigo não dependia exclusivamente dele para atingir a liberdade.
Voltando para o seu posto de observação, «Corvo Louco» preocupou-se de novo em vigiar o acampamento, pronto a intervir quando lhe parecesse oportuno. Momentos depois pareceu-lhe ouvir o ruído de alguém que conduziu cautelosamente um cavalo para a outra espessura do souto. Mais ninguém, que não fosse um índio, poderia ser tão silencioso. Instintivamente, o mestiço compreendeu que aquele devia ser o cavalo do seu amigo. Pouco depois, o mestiço viu um homem atravessar a praça e dirigir-se para a prisão. Aquele homem era Joe Spain. Avançou sem I hesitar aproximando-se do guarda. As suas palavras chegaram até «Corvo Louco».
— Cometi uma imprudência, Poggy. Não devia ter deixado ficar na cela do prisioneiro os talheres que lhe trouxe para o jantar. Quem sabe se ele teria já pensado num suicídio?
O cigarro do pistoleiro descreveu uma parábola no escuro da noite.
— É um pouco tarde para se lembrar dum erro cometido, sr. Spain.
O jovem estava bastante perto de Poggy.
— Isso quer dizer que se nega a obedecer a um seu superior? — perguntou secamente.
— Eu não me neguei a nada.
— Pois então abra a porta e não responda.
Poggy encolheu os ombros e, pegando na chave, aprontou-se a enfiá-la na fechadura.
— Você manda, Sr. Spain.
A chave entrava já na fechadura, quando, subitamente, o agente auxiliar, empunhando um pesado revólver, bateu com ele na cabeça do guarda. Mas Spain não havia contado com a proteção do largo chapéu de Poggy. Assim, aconteceu que o pistoleiro caiu de joelhos somente aturdido, de maneira que ainda pôde gritar:
— Socorro! Socorro, Doyle!...
Spain sobressaltou-se ao ouvir os passos apressados dos outros guardas. Antes que pudesse descarregar sobre Poggy um segundo golpe, este com um brutal impulso, projetou-se contra as pernas de Spain, derrubando-o.
Oculto por entre os carvalhos, «Corvo Louco» compreendeu que o plano de Spain para soltar o preso havia sido frustrado. Automaticamente entrou em ação. Levantou-se, saiu da espessura do arvoredo e, saltando, auxiliado pelo cano, para as traseiras do edifício, lançou-se numa veloz corrida, amortecida pelas botas de pelica, alcançando rapidamente o postigo gradeado da prisão de Smith.
Sem qualquer movimento falso, o mestiço lançou o revólver para dentro da cela do amigo e afastou-se de novo, aproveitando-se da confusão que reinava em frente do edifício da prisão.
Ao afastar-se, ainda teve tempo de ver Doyle, gigantesco e feroz, descarregando pancada após pancada no corpo de Spain, e este ficar ferido, imóvel, estendido no chão. Os dois restantes guardas atendiam o colega. Pouco depois, o outro reuniu-se-lhes, perguntando:
— Que foi que aconteceu?
Poggy apalpava o crânio com mãos trementes.
— Bem me parecia que esse mamarracho não pensava nada de bom ao visitar o cárcere a esta hora... Desferiu-me a pancada no momento em que lhe abria a porta.
Doyle articulou uma maldição.
— Naturalmente o diabo informou-o de que planeámos matar o tipo que aí temos dentro. Bonito vai ser quando o chefe se inteirar de que não passava dum vil traidor... «Corvo Louco», que naquele momento escutava esta conversa, escondeu-se um pouco mais, pois com a guarda de quatro homens dispostos a tudo não era de molde a ter-se deslizes.
Joe Spain havia deitado tudo a perder. No outro lado da esquina, a voz de Poggy chegou até ao mestiço:
— Escutai o que vamos fazer. Tu, Doyle, levarás o corpo de Spain para o estábulo, deixá-lo-ás bem amarrado e esperemos que o chefe saia. Se então ele disser que o quer morto, despachá-lo-emos ao mesmo tempo que Smith.
«Corvo Louco» lançou-se através do espaço iluminado pela lua e entrou no carvalhal. Do seu refúgio mirou o postigo gradeado por onde tinha introduzido o revólver. Os seus lábios esboçaram um sorriso de compreensão. No fim de conta a iniciativa de Spain tinha resultado um benefício para Smith. O texano tinha agora entre mãos uma arma que poderia auxiliá-lo.
Doyle surgiu à claridade da lua, com o corpo do agente auxiliar ao ombro. Caminhava ao longo dos edifícios até uma pequena construção em cuja porta se via um montão de sacos. O pistoleiro desapareceu no interior por momentos para segundos depois sair sem a sua carga.
O mestiço esperou que ele se afastasse. Então, deslizando com incrível silêncio pela barreira de sobreiros, dirigiu-se para o estábulo, ocultando-se na sombra. O seu corpo, ágil como o de um felino, esgueirou-se pela porta de entrada. Dentro do armazém, com a cabeça tombada para o solo, Spain, manietado, a boca a jorrar sangue, jazia imóvel numa posição forçada.
O jovem agente auxiliar era um amigo de Smith e o jovem mestiço pensou que ele havia arriscado a sua vida em prol da justiça, tentando evitar que um grupo de desalmados interpretasse a justiça como melhor lhe parecia.
Nessa ordem de ideias, sendo Spain amigo de Smith também o era seu. E então, sem pensar, aproximou-se de novo, cautelosamente, do armazém e carregou com o corpo inanimado do pobre agente auxiliar, levando-o para o seu posto de observação.
«Corvo Louco» sabia muito bem que Bosco Bates não demoraria a iniciar o seu plano. Mas esse mesmo plano não iria ser tão fácil como o bandido pensava, pois Smith a partir de então estava armado com um revólver «45».
Ele chamava-se Liam O’Brien, mas sempre fora conhecido por Liam «Corvo Louco», ou mais simplesmente por «Corvo Louco».
E o rapaz mostrava-se orgulhoso do nome, pois este havia pertencido a um chefe apache que tinha sido seu avô.
A sua amizade com o homem que dizia chamar-se Smith vinha já de vários anos atrás, dos difíceis e tortuosos dias da guerra, e desde então nunca mais se separaram.
«Corvo Louco» sabia do seu camarada uma infinidade de coisas, segredos que à simples vista não se podiam adivinhar e que mais ninguém conhecia a não ser ele. Sabia da sombra que pairava na sua vida e da desventura que o havia lançado para uma existência desumana, sem amigos, sem um tecto e sem um amor. Sabia da grandeza sem limites do seu carácter e do temperamento esquisito da sua alma nobre. Por tudo isso, continuava a seu lado até que a morte os separasse.
Rígido, imóvel como uma estátua caída entre os carvalhos, «Corvo Louco» tinha agora o seu penetrante olhar fito no bloco cúbico formado pela prisão.
Quando arremessou a pedra verificou com alívio que o guarda não se havia apercebido de nada. Satisfeito com o seu êxito, nada mais lhe restava do que esperar com atenção. Havia horas que se encontrava ali, estendido, vigiando o lugar onde sabia que Smith estava encerrado.
Quando, naquela manhã, o viu cavalgando entre os seus captores, compreendeu que, momentaneamente, nada poderia fazer em benefício do seu amigo. Apesar disso seguiu o grupo e assistiu ao encerramento do seu camarada.
De súbito, o seu corpo, ágil como um felino, saltou. O seu fino ouvido tinha percebido um marulhar de água descendo pelo cano. Instantes depois, apareceu, arrastado pelo impacto da água, um papel flutuando.
«Corvo Louco» estendeu um braço e apanhou-o. Em seguida voltou a internar-se por entre os carvalhos e procurou um raio de luar para poder ler: «Bosco Bates, o encarregado do acampa-mento-reserva, planeou assassinar-me esta noite, mas o seu jovem auxiliar, Joe Spain, prometeu desfazer-se do homem que guarda a porta do meu cárcere e deixar-me em liberdade. Não te afastes porque posso precisar de ti. De contrário, reúne-te depois comigo. Parece-me que um dos indígenas tem o meu cavalo pronto por detrás do souto. Vigia com cuidado. Não te aproximes nem corras riscos desnecessários.»
Os lábios do mestiço esboçaram um leve sorriso, enquanto os seus dedos desfaziam o papel. As coisas caminhavam por bom caminho. O seu amigo não dependia exclusivamente dele para atingir a liberdade.
Voltando para o seu posto de observação, «Corvo Louco» preocupou-se de novo em vigiar o acampamento, pronto a intervir quando lhe parecesse oportuno. Momentos depois pareceu-lhe ouvir o ruído de alguém que conduziu cautelosamente um cavalo para a outra espessura do souto. Mais ninguém, que não fosse um índio, poderia ser tão silencioso. Instintivamente, o mestiço compreendeu que aquele devia ser o cavalo do seu amigo. Pouco depois, o mestiço viu um homem atravessar a praça e dirigir-se para a prisão. Aquele homem era Joe Spain. Avançou sem I hesitar aproximando-se do guarda. As suas palavras chegaram até «Corvo Louco».
— Cometi uma imprudência, Poggy. Não devia ter deixado ficar na cela do prisioneiro os talheres que lhe trouxe para o jantar. Quem sabe se ele teria já pensado num suicídio?
O cigarro do pistoleiro descreveu uma parábola no escuro da noite.
— É um pouco tarde para se lembrar dum erro cometido, sr. Spain.
O jovem estava bastante perto de Poggy.
— Isso quer dizer que se nega a obedecer a um seu superior? — perguntou secamente.
— Eu não me neguei a nada.
— Pois então abra a porta e não responda.
Poggy encolheu os ombros e, pegando na chave, aprontou-se a enfiá-la na fechadura.
— Você manda, Sr. Spain.
A chave entrava já na fechadura, quando, subitamente, o agente auxiliar, empunhando um pesado revólver, bateu com ele na cabeça do guarda. Mas Spain não havia contado com a proteção do largo chapéu de Poggy. Assim, aconteceu que o pistoleiro caiu de joelhos somente aturdido, de maneira que ainda pôde gritar:
— Socorro! Socorro, Doyle!...
Spain sobressaltou-se ao ouvir os passos apressados dos outros guardas. Antes que pudesse descarregar sobre Poggy um segundo golpe, este com um brutal impulso, projetou-se contra as pernas de Spain, derrubando-o.
Oculto por entre os carvalhos, «Corvo Louco» compreendeu que o plano de Spain para soltar o preso havia sido frustrado. Automaticamente entrou em ação. Levantou-se, saiu da espessura do arvoredo e, saltando, auxiliado pelo cano, para as traseiras do edifício, lançou-se numa veloz corrida, amortecida pelas botas de pelica, alcançando rapidamente o postigo gradeado da prisão de Smith.
Sem qualquer movimento falso, o mestiço lançou o revólver para dentro da cela do amigo e afastou-se de novo, aproveitando-se da confusão que reinava em frente do edifício da prisão.
Ao afastar-se, ainda teve tempo de ver Doyle, gigantesco e feroz, descarregando pancada após pancada no corpo de Spain, e este ficar ferido, imóvel, estendido no chão. Os dois restantes guardas atendiam o colega. Pouco depois, o outro reuniu-se-lhes, perguntando:
— Que foi que aconteceu?
Poggy apalpava o crânio com mãos trementes.
— Bem me parecia que esse mamarracho não pensava nada de bom ao visitar o cárcere a esta hora... Desferiu-me a pancada no momento em que lhe abria a porta.
Doyle articulou uma maldição.
— Naturalmente o diabo informou-o de que planeámos matar o tipo que aí temos dentro. Bonito vai ser quando o chefe se inteirar de que não passava dum vil traidor... «Corvo Louco», que naquele momento escutava esta conversa, escondeu-se um pouco mais, pois com a guarda de quatro homens dispostos a tudo não era de molde a ter-se deslizes.
Joe Spain havia deitado tudo a perder. No outro lado da esquina, a voz de Poggy chegou até ao mestiço:
— Escutai o que vamos fazer. Tu, Doyle, levarás o corpo de Spain para o estábulo, deixá-lo-ás bem amarrado e esperemos que o chefe saia. Se então ele disser que o quer morto, despachá-lo-emos ao mesmo tempo que Smith.
«Corvo Louco» lançou-se através do espaço iluminado pela lua e entrou no carvalhal. Do seu refúgio mirou o postigo gradeado por onde tinha introduzido o revólver. Os seus lábios esboçaram um sorriso de compreensão. No fim de conta a iniciativa de Spain tinha resultado um benefício para Smith. O texano tinha agora entre mãos uma arma que poderia auxiliá-lo.
Doyle surgiu à claridade da lua, com o corpo do agente auxiliar ao ombro. Caminhava ao longo dos edifícios até uma pequena construção em cuja porta se via um montão de sacos. O pistoleiro desapareceu no interior por momentos para segundos depois sair sem a sua carga.
O mestiço esperou que ele se afastasse. Então, deslizando com incrível silêncio pela barreira de sobreiros, dirigiu-se para o estábulo, ocultando-se na sombra. O seu corpo, ágil como o de um felino, esgueirou-se pela porta de entrada. Dentro do armazém, com a cabeça tombada para o solo, Spain, manietado, a boca a jorrar sangue, jazia imóvel numa posição forçada.
O jovem agente auxiliar era um amigo de Smith e o jovem mestiço pensou que ele havia arriscado a sua vida em prol da justiça, tentando evitar que um grupo de desalmados interpretasse a justiça como melhor lhe parecia.
Nessa ordem de ideias, sendo Spain amigo de Smith também o era seu. E então, sem pensar, aproximou-se de novo, cautelosamente, do armazém e carregou com o corpo inanimado do pobre agente auxiliar, levando-o para o seu posto de observação.
«Corvo Louco» sabia muito bem que Bosco Bates não demoraria a iniciar o seu plano. Mas esse mesmo plano não iria ser tão fácil como o bandido pensava, pois Smith a partir de então estava armado com um revólver «45».
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