Capítulo VIII
O alarme dos acontecimentos circulou em redor da praça e «Corvo Louco» principiou a ver sair dos edifícios vários homens. O indian-agent tinha desaparecido. Doyle galopava naquele momento para o centro da praça.
O mestiço pensou que Bates demoraria somente uns minutos em preparar uma tropa para dar caça ao amigo. No entanto, o ruído dos cascos do cavalo de Smith já há muito que se tinha perdido na distância. Isso deu tranquilidade ao mestiço, que se sentou comodamente no seu posto de observação. Não havia outro homem em todo o território ou até mesmo em todo o Estado do Texas, capaz de forjar uma pista falsa, como Smith.
O alarme que pairou na praça, depois do ocorrido, transformara-se num frenesim. Os homens corriam dum lado para o outro, gritando ordens cm voz estentórica. As luzes apagaram-se e logo os homens principiaram a aparecer, correndo para os currais.
«Corvo Louco» lançou o seu agudo olhar para a porta do cárcere que continuava aberta e viu que, a pouca distância da entrada, algo estava caído ao lado dos corpos de Poggy e do outro pistoleiro que Smith havia liquidado.
Esperou que a praça ficasse vazia e os homens tivessem saído todos em perseguição do amigo. Então, sem deixar de caminhar com cautelas, aproximou-se do objeto que lhe havia chamado a atenção ao lado dos dois cadáveres. Ainda teve tempo de se esconder ao ver que duas figuras se aproximavam.
Uma delas dizia:
— O dinheiro que apanhámos a Collins será dividido em duas partes para aquele que apanhar Smith.
Aquela voz era a do indian-agent. No seu esconderijo, o mestiço esperou que também estes dois bandidos se afastassem e então, mais tranquilamente, abeirou-se do objeto. Era o cinturão contendo os dois magníficos Colt Navy de Smith. Joe Spain tinha-os levado escondidos debaixo das suas roupas e deixara-os cair quando fora agredido.
Ali, no acampamento, parecia não haver mais nada que fazer. O mestiço afastou-se apressadamente, penetrando de novo na escuridão do souto, encaminhando-se para o corpo do agente auxiliar que continuava estendido sobre a erva.
Ajoelhou-se junto do corpo e verificou com prazer que o jovem ainda vivia. Com aturada paciência, o mestiço transladou o ferido para o extremo do cano que descia da prisão e que desaguava numa espécie de pantanoso riacho. E ao cabo de porfiados esforços conseguiu reanimar Spain. O agente auxiliar abriu os olhos e fitou o rosto que se debruçava sobre ele.
— Quem... é você?... — articulou penosamente.
A lua desenhava nitidamente as nobres feições do mestiço.
— Chamam-me «Corvo Louco».
— Um índio?
— Minha mãe era índia. Nada receie. Sou um amigo...
Spain apertou a cabeça entre as mãos.
— Que se passou?
— Você tentou tirar Smith da prisão e não o conseguiu...
— Smith?... — exclamou o rapaz. Fez um esgar de sofrimento ao tempo que recobrava a memória. — Smith... Sim... E agora?!
— Smith escapou ileso e a esta hora está a bom recato. Bates e alguns dos seus homens saíram em sua perseguição.
Os olhos de Spain não se desfitavam de «Corvo Louco».
— Como o conseguiu?
— Enquanto você chamou a atenção das sentinelas, eu procurei dar um revólver a Smith. O resto fê-lo ele praticamente sozinho.
— Você conhece Smith?
— Há muitos anos que não nos separamos.
Uma ponta de curiosidade brilhou nos olhos de Spain.
— Quem é ele?
— John Smith.
— Refiro-me...
— Ah! Não é ninguém...
— Tem de ser... Um homem com a sua inteligência, a sua autoridade, a retidão e a firmeza do seu carácter, forçosamente que ocupa ou ocupou na vida um posto importante. Pode confiar em mim. É um enviado do Governo?
O mestiço abanou a cabeça:
— O Sr. Smith não ocupa na vida nenhum posto importante. Ama a liberdade e a aventura do deserto. Gosta de percorrer os bosques e as pradarias...
— Mas a que se dedica?
— A gozar a Natureza.
Spain enrugou a testa.
— É impossível. Todos temos neste mundo uma missão a cumprir. A sociedade no-lo impõe tarde ou cedo.
— Está bem. Cada qual pensa como quer.
— Espere — Spain agarrou um braço do mestiço. — Estou aturdido. Parece que estou a passar por um sonho e incapaz de acordar. Necessito que me diga mais coisas. Joguei às cegas todas as minhas cartas a favor de Smith. Fi-lo unicamente porque pressenti que ele era honrado. E mesmo agora, voltaria a fazê-lo, compreende?
— Sim — murmurou o outro.
— Bem, aonde vive? Aonde está a sua casa? Aonde estão os seus?
-- Você não compreende.
— O que é que eu não compreendo?
— O Sr. Smith não vive em nenhuma parte, não tem ninguém. A sua casa é a Natureza.
— Quer dizer que vagueia por aí, sem um objetivo em vista, sem uma ambição?
— Sim.
— E você faz o mesmo que ele?
— Sim.
— E há quanto tempo dura isso?
O rosto de «Corvo Louco» ensombrou-se. Não respondeu.
— Algo devia ter acontecido — insistiu Spain — que o obrigasse a empreender essa viagem sem um motivo aparente.
— Suponha que na verdade qualquer coisa aconteceu — o mestiço foi-se levantando vagarosamente como se sentisse nos ombros um terrível peso. — Suponha aquilo que quiser. Em todo o caso, eu não estou autorizado a falar disso.
Ambos permaneceram depois em silêncio durante alguns segundos.
— Bem, já vejo — disse Spain. — Não insistirei. Desculpe-me se me mostrei indiscreto.
— Bem, agora falemos de si.
— De mim? — perguntou Spain.
— Não pode ficar aqui, depois do que fez. Bates por certo que deve querer castigá-lo. É muito perigoso.
Spain, ainda sentado no solo, levantou os olhos para «Corvo Louco».
— Mas eu é que não posso sair daqui.
— Mas porquê?
— Sou preciso no acampamento. Os índios não têm outro amigo e Bates está constantemente a explorá-los, enriquecendo à custa da sua fome e miséria. Não, não posso abandoná-los. Você não sabe quão tensa é a situação. Acontecerá uma catástrofe e o sangue será derramado a jorros.
— Mas Bates deve querer vingar-se.
— Ele não me matará. Depois do que se passou esta noite, ficou a saber que sou um seu inimigo. Não obstante, não me tocará. Ele sabe outras coisas mais, como por exemplo: em menos de meia hora, os índios organizariam uma carnificina se alguém de Bosco Bates me tocasse.
— Até que ponto os índios o apoiam?
— Até à morte. E Bates sabe isso muito bem. Pelo menos suspeita da verdade.
— Bates é astuto. Deve encontrar maneira de se desfazer de você, sem dar motivos a que os índios se sublevem. É tudo uma questão de tempo.
— Correrei o risco.
O mestiço encolheu os ombros.
— Perfeitamente. Não sei o que admirar mais: se a sua obstinação, a boa fé ou a lealdade. Seja; como for, desejo-lhe muita sorte. Não esqueça que, se precisar de ajuda, eu e o Sr. Smith estamos sempre dispostos a prestar-lha.
Spain levantou-se vagarosamente e com custo e sorrindo, estendeu a mão que o mestiço apertou.
— Folgo imenso em sabê-lo. Esta história suja de Bates terminará num sério desgosto e toda a colaboração que me prestem será pouca. Quando e onde os poderei encontrar?
A resposta de «Corvo Louco» apareceu sem titubear:
— Acampamos nas colinas que dominam o caminho de Culebra City, junto dum monte cujo cume faz lembrar a copa dum chapéu.
— Ah, sim. É Hat Peaok.
— Pois ali estaremos, se os homens de Bosco Bates não derem connosco.
Spain passou a língua pelos lábios.
— É natural que eu amanhã os vá visitar. Talvez entre os três acertemos num plano para terminar com a ameaça que pesa sobre o acampa-mento-reserva. E, agora, necessitam alguma coisa de mim?
— Não, obrigado. Já fez bastante.
— Não diga. De hoje em diante unir-nos-emos.
O mestiço sorriu, exibindo os seus dentes brancos que brilharam à luz da lua. –
— Pois bem. Andamos um pouco mal de tabaco...
Spain deu-lhe uma leve e amigável palmada num ombro.
— Amanhã tê-lo-á. Até à vista.
Os dois homens voltaram a apertar as mãos e ambos empreenderam caminhos diferentes. O agente auxiliar pôs-se a caminho por entre os carvalhos em direção da «Agência» e «Corvo Louco» procurou o seu cavalo, para regressar à companhia de Smith.
O alarme dos acontecimentos circulou em redor da praça e «Corvo Louco» principiou a ver sair dos edifícios vários homens. O indian-agent tinha desaparecido. Doyle galopava naquele momento para o centro da praça.
O mestiço pensou que Bates demoraria somente uns minutos em preparar uma tropa para dar caça ao amigo. No entanto, o ruído dos cascos do cavalo de Smith já há muito que se tinha perdido na distância. Isso deu tranquilidade ao mestiço, que se sentou comodamente no seu posto de observação. Não havia outro homem em todo o território ou até mesmo em todo o Estado do Texas, capaz de forjar uma pista falsa, como Smith.
O alarme que pairou na praça, depois do ocorrido, transformara-se num frenesim. Os homens corriam dum lado para o outro, gritando ordens cm voz estentórica. As luzes apagaram-se e logo os homens principiaram a aparecer, correndo para os currais.
«Corvo Louco» lançou o seu agudo olhar para a porta do cárcere que continuava aberta e viu que, a pouca distância da entrada, algo estava caído ao lado dos corpos de Poggy e do outro pistoleiro que Smith havia liquidado.
Esperou que a praça ficasse vazia e os homens tivessem saído todos em perseguição do amigo. Então, sem deixar de caminhar com cautelas, aproximou-se do objeto que lhe havia chamado a atenção ao lado dos dois cadáveres. Ainda teve tempo de se esconder ao ver que duas figuras se aproximavam.
Uma delas dizia:
— O dinheiro que apanhámos a Collins será dividido em duas partes para aquele que apanhar Smith.
Aquela voz era a do indian-agent. No seu esconderijo, o mestiço esperou que também estes dois bandidos se afastassem e então, mais tranquilamente, abeirou-se do objeto. Era o cinturão contendo os dois magníficos Colt Navy de Smith. Joe Spain tinha-os levado escondidos debaixo das suas roupas e deixara-os cair quando fora agredido.
Ali, no acampamento, parecia não haver mais nada que fazer. O mestiço afastou-se apressadamente, penetrando de novo na escuridão do souto, encaminhando-se para o corpo do agente auxiliar que continuava estendido sobre a erva.
Ajoelhou-se junto do corpo e verificou com prazer que o jovem ainda vivia. Com aturada paciência, o mestiço transladou o ferido para o extremo do cano que descia da prisão e que desaguava numa espécie de pantanoso riacho. E ao cabo de porfiados esforços conseguiu reanimar Spain. O agente auxiliar abriu os olhos e fitou o rosto que se debruçava sobre ele.
— Quem... é você?... — articulou penosamente.
A lua desenhava nitidamente as nobres feições do mestiço.
— Chamam-me «Corvo Louco».
— Um índio?
— Minha mãe era índia. Nada receie. Sou um amigo...
Spain apertou a cabeça entre as mãos.
— Que se passou?
— Você tentou tirar Smith da prisão e não o conseguiu...
— Smith?... — exclamou o rapaz. Fez um esgar de sofrimento ao tempo que recobrava a memória. — Smith... Sim... E agora?!
— Smith escapou ileso e a esta hora está a bom recato. Bates e alguns dos seus homens saíram em sua perseguição.
Os olhos de Spain não se desfitavam de «Corvo Louco».
— Como o conseguiu?
— Enquanto você chamou a atenção das sentinelas, eu procurei dar um revólver a Smith. O resto fê-lo ele praticamente sozinho.
— Você conhece Smith?
— Há muitos anos que não nos separamos.
Uma ponta de curiosidade brilhou nos olhos de Spain.
— Quem é ele?
— John Smith.
— Refiro-me...
— Ah! Não é ninguém...
— Tem de ser... Um homem com a sua inteligência, a sua autoridade, a retidão e a firmeza do seu carácter, forçosamente que ocupa ou ocupou na vida um posto importante. Pode confiar em mim. É um enviado do Governo?
O mestiço abanou a cabeça:
— O Sr. Smith não ocupa na vida nenhum posto importante. Ama a liberdade e a aventura do deserto. Gosta de percorrer os bosques e as pradarias...
— Mas a que se dedica?
— A gozar a Natureza.
Spain enrugou a testa.
— É impossível. Todos temos neste mundo uma missão a cumprir. A sociedade no-lo impõe tarde ou cedo.
— Está bem. Cada qual pensa como quer.
— Espere — Spain agarrou um braço do mestiço. — Estou aturdido. Parece que estou a passar por um sonho e incapaz de acordar. Necessito que me diga mais coisas. Joguei às cegas todas as minhas cartas a favor de Smith. Fi-lo unicamente porque pressenti que ele era honrado. E mesmo agora, voltaria a fazê-lo, compreende?
— Sim — murmurou o outro.
— Bem, aonde vive? Aonde está a sua casa? Aonde estão os seus?
-- Você não compreende.
— O que é que eu não compreendo?
— O Sr. Smith não vive em nenhuma parte, não tem ninguém. A sua casa é a Natureza.
— Quer dizer que vagueia por aí, sem um objetivo em vista, sem uma ambição?
— Sim.
— E você faz o mesmo que ele?
— Sim.
— E há quanto tempo dura isso?
O rosto de «Corvo Louco» ensombrou-se. Não respondeu.
— Algo devia ter acontecido — insistiu Spain — que o obrigasse a empreender essa viagem sem um motivo aparente.
— Suponha que na verdade qualquer coisa aconteceu — o mestiço foi-se levantando vagarosamente como se sentisse nos ombros um terrível peso. — Suponha aquilo que quiser. Em todo o caso, eu não estou autorizado a falar disso.
Ambos permaneceram depois em silêncio durante alguns segundos.
— Bem, já vejo — disse Spain. — Não insistirei. Desculpe-me se me mostrei indiscreto.
— Bem, agora falemos de si.
— De mim? — perguntou Spain.
— Não pode ficar aqui, depois do que fez. Bates por certo que deve querer castigá-lo. É muito perigoso.
Spain, ainda sentado no solo, levantou os olhos para «Corvo Louco».
— Mas eu é que não posso sair daqui.
— Mas porquê?
— Sou preciso no acampamento. Os índios não têm outro amigo e Bates está constantemente a explorá-los, enriquecendo à custa da sua fome e miséria. Não, não posso abandoná-los. Você não sabe quão tensa é a situação. Acontecerá uma catástrofe e o sangue será derramado a jorros.
— Mas Bates deve querer vingar-se.
— Ele não me matará. Depois do que se passou esta noite, ficou a saber que sou um seu inimigo. Não obstante, não me tocará. Ele sabe outras coisas mais, como por exemplo: em menos de meia hora, os índios organizariam uma carnificina se alguém de Bosco Bates me tocasse.
— Até que ponto os índios o apoiam?
— Até à morte. E Bates sabe isso muito bem. Pelo menos suspeita da verdade.
— Bates é astuto. Deve encontrar maneira de se desfazer de você, sem dar motivos a que os índios se sublevem. É tudo uma questão de tempo.
— Correrei o risco.
O mestiço encolheu os ombros.
— Perfeitamente. Não sei o que admirar mais: se a sua obstinação, a boa fé ou a lealdade. Seja; como for, desejo-lhe muita sorte. Não esqueça que, se precisar de ajuda, eu e o Sr. Smith estamos sempre dispostos a prestar-lha.
Spain levantou-se vagarosamente e com custo e sorrindo, estendeu a mão que o mestiço apertou.
— Folgo imenso em sabê-lo. Esta história suja de Bates terminará num sério desgosto e toda a colaboração que me prestem será pouca. Quando e onde os poderei encontrar?
A resposta de «Corvo Louco» apareceu sem titubear:
— Acampamos nas colinas que dominam o caminho de Culebra City, junto dum monte cujo cume faz lembrar a copa dum chapéu.
— Ah, sim. É Hat Peaok.
— Pois ali estaremos, se os homens de Bosco Bates não derem connosco.
Spain passou a língua pelos lábios.
— É natural que eu amanhã os vá visitar. Talvez entre os três acertemos num plano para terminar com a ameaça que pesa sobre o acampa-mento-reserva. E, agora, necessitam alguma coisa de mim?
— Não, obrigado. Já fez bastante.
— Não diga. De hoje em diante unir-nos-emos.
O mestiço sorriu, exibindo os seus dentes brancos que brilharam à luz da lua. –
— Pois bem. Andamos um pouco mal de tabaco...
Spain deu-lhe uma leve e amigável palmada num ombro.
— Amanhã tê-lo-á. Até à vista.
Os dois homens voltaram a apertar as mãos e ambos empreenderam caminhos diferentes. O agente auxiliar pôs-se a caminho por entre os carvalhos em direção da «Agência» e «Corvo Louco» procurou o seu cavalo, para regressar à companhia de Smith.
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