BUF011.07 Fuga

Capítulo VII
Um silêncio pesado e artificial desceu sobre a praça do Forte Culebra. O homem que dizia chamar-se John Smith, estendido no catre, distendeu os músculos para, no momento propício, encontrar as forças que lhe seriam precisas. Acabava de ouvir Doyle dizer aos restantes companheiros que regressassem aos seus postos.
Smith sentia-se contente pelo facto de apertar na mão a pesada coronha do seu revólver. No entanto não deixava de congeminar na rapidez com que «Corvo Louco» havia posto em prática o seu plano.
Certamente Joe Spain havia fracassado duma maneira lamentável na ideia de colocar fora de combate o pistoleiro Poggy, e o texano ignorava se estava ou não vivo. A única coisa que sabia é que Doyle havia levado o corpo para qualquer parte e regressara pouco depois para a sua posição de guarda. Mas isto, para a ocasião pouco importava.
O que verdadeiramente importava era que «Corvo Louco» estivesse de atalaia no souto, representando, assim, cinquenta por cento de possibilidades para a sua fuga. No entanto, só uma coisa podia provocar que isso também saísse gorado. Seria o caso de Bates dar ordens para dispararem contra ele através das grades do postigo, apanhando-o assim como quem apanha um rato.


O seu relógio de bolso assinalava já uma hora avançada depois da meia-noite, quando o ruído de alguns cavalos em marcha lhe feriu os ouvidos. Depois ouviu a voz de Poggy com uma entoação diferente da até então usada.
— Há notícias, chefe! Spain veio aqui ainda há pouco tempo. Ordenou-me que lhe abrisse a porta da cela com o pretexto de retirar o serviço do jantar...
— Julgo que não lhe permitiste entregar uma arma, pois não? — interrompeu a voz do indian--agent. — Spain sabe que esse homem não é «Máscara Vermelha».
O pistoleiro mastigou uma imprecação:
— Não... mas tentou partir-me a cabeça. Talvez o conseguisse se Doyle e os outros rapazes não tivessem acudido.
— O quê? Spain atacou-te? Pretendes dizer-me que as suas ideias eram as de soltar esse melro?!
— Não vejo porque razão mais iria atacar-me!
— Onde está Spain? — perguntou Bates com voz irada. — Espero que o não tivessem despachado...
— Isso não sei, mas o certo é que Doyle carregou-lhe um pouco e levou-o para o estábulo. Mas a nossa vontade era que ele se tivesse passado para uma vida melhor. Parece-me que ainda está vivo.
Bates soltou um ruidoso suspiro.
— Ainda bem... porque esta noite chegaram-me uns certos rumores... Em caso de conflito com os apaches, só Spain poderá conter «Nuvem Negra» e os seus piolhosos. Nem mesmo tento imaginar o que se passaria se o tivésseis morto.
— Rumores?... — perguntou Poggy, um pouco intrigado. — Que aconteceu?
— Ora, não é nada que tenha importância se afinal tudo resultar como planeei. Bem, vamos lá. Tira tu mesmo o homem daí de dentro. Quando Spain se recompuser já Smith estará morto e bem morto.
Ao soar a última frase do agente, Smith empunhou o revólver, escondendo a mão atrás das costas, colocando-se a meio da habitação. Os passos de Poggy aproximaram-se. Um ruído metálico indicou que a porta acabava de ser aberta. A luz da lua entrou na cela, inundando os cantos, deixando bem desenhada a silhueta do pistoleiro. Poggy trazia a sua Winchester 30-30 aperrada.
— Bem, Smith. A noite está mesmo bonita para se dar um passeio. Bosco Bates decidiu deixá-lo tomar um pouco de ar.
O texano avançou. A luz da lua incidiu sobre ele. Poggy fez um gesto indicando ao preso a saída. Porém, o que se seguiu foi duma rapidez pasmosa. Smith, com a mão esquerda, afastou o cano da arma do bandido, enquanto mostrava a direita armada do seu revólver que encostou à barriga do outro.
— Larga a arma, Poggy! — ordenou num sussurro. — Não pronuncies uma só palavra que seja. Sai e faz o que te disser.
O rosto do bandido refletiu um imenso estupor. Mas o seu instinto de conservação ditou-lhe que nada tentasse. O revólver caiu ao solo e ele levantou as mãos e deu meia volta, saindo do cárcere.
Doyle selava um cavalo que Bates lhe tinha dado. Atrás, dois outros bandidos falavam com o chefe. Ao aparecer Poggy, seguido do texano, a luz da lua fez pensar a todos que a posição dos dois homens era absolutamente contrária.
— Será melhor que o levemos atado — exclamou Bosco Bates. — Tu, Poggy e Doyle...
A voz do agente apagou-se corno que por encanto. Poggy havia-se detido, e precisamente por detrás de si apareceram as mãos de Smith armadas com o seu revólver e com o do pistoleiro.
— Levantem as mãos — ordenou Smith com voz cortante. O estoirar duma bomba não teria produzido efeito mais assombroso.
— Smith! — exclamou o indian-agent, sem poder acreditar no que os seus olhos viam.
— Que tal, Bates? Se algum passeio vamos dar esta noite, será para visitar o xerife de Culebra City. Os teus sujos negócios terminaram agora.
O agente levantou rapidamente as mãos até às abas do chapéu, com um gesto nervoso. Um raio da lua bateu-lhe em cheio nos cristais dos óculos, arrancando chispas. Doyle parecia uma estátua, rígido sobre o cavalo, que havia conseguido cavalgar. Poggy pretendeu romper o silêncio:
— Por certo foi Spain que... — gaguejou. —Tropecei ao entrar...
Um dos homens de Bates encolheu-se num movimento rápido tentando sacar o revólver; mas ignorava quem tinha por inimigo. Ainda o seu braço estava a meio do caminho para atingir o coldre e já Smith sem se mover disparava um dos seus revólveres. Uma espécie de gorgolejo brotou da garganta do bandido. Depois mais nada. Caiu para o lado. Estava morto.
O fumo acre e a labareda cegaram momentaneamente Poggy. Mas aquilo serviu-lhe de estímulo. Rapidamente levantou uma bota e desferiu uma potente patada para trás, enquanto tentava prender os braços de Smith debaixo dos seus. O seu estratagema foi coroado de êxito e ambos rolaram pelo chão.
Automaticamente, Bates e o outro bandido lançaram mãos dos revólveres. Mas nesse mesmo momento já Smith estava de novo em pé, e livre dos braços de Poggy. E ante os ameaçadores revólveres do texano os dois bandidos que estavam de pé não tentaram qualquer ação.
Poggy parecia querer levantar-se. E foi então que este, fora do raio visual de Smith, tentou restabelecer a posição do seu chefe. Deitou a mão ao bolso da camisa, conseguindo empunhar uma arma de cano curto que apontou ao texano. Entre dois fogos, Smith estaria perdido. Mas algo, um objeto misterioso, cruzou o ar, brilhando à luz da lua. Era uma faca de cabo índio que, com incrível precisão e força, se incrustou nas costas do pistoleiro. O homem deu um salto e caiu de bruços sem mesmo ter tempo de soltar um gemido.
Doyle aproveitou o momento de confusão para picar de esporas os flancos do seu cavalo, enquanto gritava, depois de ter lançado um rápido olhar à faca cravada nas costas do amigo:
— Os índios... Os índios ajudam-no!...
Smith deitou o rabo do olho, por sua vez, para o punhal e compreendeu que fora lançado pela mão certeira de «Corvo Louco».
Acometido de um súbito ataque de pânico e sem se intimidar com as armas que o texano lhe apontava, Bosco Bates principiou a correr, saltando para um cavalo e seguindo o mesmo caminho de Doyle. O terceiro bandido limitou-se a levantar novamente as mãos, dirigindo olhares temerosos ao souto. Nesse momento uma espingarda detonou. A bala, disparada por Doyle, roçou a camisa do texano. E então Smith compreendeu que permanecer em campo descoberto lhe poderia ser fatal. Correu célere para o abrigo protetor da escuridão do souto. Momentos depois encontrava-se ao lado de «Corvo Louco».
— O teu cavalo está aí atrás — sussurrou-lhe este. — Vai... eu ficarei a vigiar. Ah! Deixa-me ficar um revólver. Depois nos encontraremos no alto do desfiladeiro.
Smith acatou silenciosamente a sugestão do mestiço, e prosseguiu o caminho em direção ao fundo do souto. Dada meia dúzia de passos, tropeçou com urna figura humana, estendida ao comprido na escuridão. Um raio de lua banhou o rosto do caído. Era Spain. Smith, a julgar pelas aparências, pensou que o amigo estivesse morto.
— Lamento deveras, amigo — murmurou o texano.
De facto, no topo do souto, o seu cavalo parecia impaciente. Smith acariciou-lhe o pescoço e cavalgou dum salto, partindo pouco depois à desfilada. Os cumes dos Montes Culebra pareciam gigantes petrificados, à fantasmagórica luz da lua.