domingo, 11 de fevereiro de 2018

PAS846. O amigo fiel

— Não quero entrar em pormenores que seriam, sem dúvida, muito desagradáveis. Basta que lhe diga que, seu pai tentou conseguir por todos os meios que eu me casasse com ele. Era-lhe indiferente que eu sentisse ou não amor por ele. Queria possuir-me por todo o preço; estava disposto a transigir com tudo, sob a única condição de eu lhe ser fiel. Rogou, suplicou e chegou, até, a ameaçar-me. Ou casava com ele, ou teria de abandonar a povoação. Não acreditei que fosse capaz de cumprir as suas ameaças e fiquei a rir-me dele. Oxalá eu nunca o tivesse feito. Moveu intrigas, deturpou a verdade, levantou falsos testemunhos... de parceria com todo o grupo de despeitados. Tornaram-me a vida impossível. Da manhã para a noite, todos os habitantes de Atwell Springs se tinham posto de acordo para apontar o meu estabeleci-'mento como um foco de imoralidade e um lugar de depravação onde se praticavam as mais vergonhosas orgias. Eu, não passava de um demónio de saias que personificava a tentação e o pecado. Todas as mulheres da povoação me envergonhavam em plena rua; as crianças, instrumentos inocentes daquela gentalha, perseguiam-me a toda a hora, dizendo-me os insultos mais vergonhosos. Tanto eu, como as pobres «girls» empregadas no «saloon», não nos atrevíamos a sair para fora de casa. Levaram os empregados a abandonar os seus lugares e chegou-se ao cúmulo de organizarem grupos de homens armados para impedir a entrada dos vaqueiros dos «ranchos» próximos. E não apareceu um único homem desse maldito povo que fosse capaz de pôr-se a meu lado, ante tão flagrante injustiça!
Mae pronunciara as últimas palavras com voz cava e os seus lábios contraíram-se num trejeito de amargura.
Sutton não duvidou um instante do esforço feito por Mae para manter a serenidade, no meio daquele desbobinar de recordações tão cruéis.
— Porque não recorreu ao xerife, a pedir-lhe proteção?
— Foi o que eu fiz, mas, o velho Fitzgerald nada pôde fazer. Os acontecimentos foram superiores a ele. Apesar disso foi ele quem protegeu as raparigas e a mim própria, quando abandonámos Atwell Springs. Dirigimo-nos para aqui, para Chalperton, e ficámos alojadas neste mesmo hotel. Dei uma indemnização às raparigas que se foram retirando pouco a pouco e eu mantive-me por aqui, à espera de poder vender o «Taça de Ouro». Mais tarde cheguei a um acordo com o antigo dono deste hotel. Tomou conta do «Taça de Ouro» e recebeu certa quantia em dinheiro, e eu tornei-me proprietária do hotel e do estabelecimento. Vivo aqui, a partir dessa data, onde tenho levado uma vida de relativa tranquilidade.
— Apenas relativa...?
— Sim. Porque não ficou tudo resolvido com a minha saída de Atwell Springs. Lembre-se que aquela povoação e Chalperton estão bastante próximas uma da outra. As notícias sabem-se depressa e seu pai conhece o meu paradeiro.
Mae interrompeu-se. Esteve um instante silenciosa e pensativa como escolhendo as palavras adequadas para continuar.
— Tem vindo por várias vezes a Chalperton e sempre com a mesma cantilena: que me ama e que me deseja para sua esposa. Deus meu! Juro-lhe que não compreendo como foi possível despertar-lhe uma paixão tão violenta, tanto mais que nada fiz para a favorecer.
Sutton lembrava-se, agora, do que ouvira dizer ao xerife: que seu pai vinha algumas vezes a Chalperton. Viu, então, qual era o motivo daquelas viagens que lhe pareciam pouco menos que inexplicáveis.
— Creia, no entanto, que isso não me amedronta —prosseguiu Mae. — Esta povoação não é Atwell Springs.
Tenho um negócio honesto, toda a gente me respeita e a Lei protege-me. Além disso tenho amigos fiéis que não hesitarão, a uma palavra minha, em dar a seu pai o destino que melhor convier.
— Conta Dingo Tracy, entre o número dos seus amigos fiéis?
— Sim e, por acaso, já se enfrentaram uma vez. Foi certo dia em que seu pai se atreveu a incomodar-me na sua presença. Deus meu! Pouco faltou para que se registasse um desenlace fatal. Dingo desarmou-o num ápice e vi jeitos de ele apertar o gatilho. Tive de interpor-me entre os dois e usar de toda a minha autoridade para evitar que disparasse. Seu pai retirou-se envergonhado e furioso, proferindo ameaças contra Dingo Tracy. Sei de boa origem que seu pai jurou matá-lo.
As últimas palavras de Mae provocaram em Sutton um indefinível mal-estar. Foi, pois, com ansiedade e emoção que começou a desfiar as suas ideias: seu pai tinha jurado matar Dingo Tracy, e, naquela mesma tarde, tinham chegado dois pistoleiros a Chalperton, dispostos a eliminá-lo... mas, foram induzidos em erro, porque o retrato era o seu próprio... que devia estar na posse de seu pai! E se este, possuindo um retrato de Dingo Tracy, o tivesse trocado inadvertidamente?... Santo Deus! Que estava ele pensando? Este raciocínio levava-o à convicção de que fora seu pai a pessoa que pagara aos dois assassinos para que o livrassem de Dingo Tracy.

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