— Nasci em Atlanta onde vivi com meus pais até à idade de seis anos. Veio a guerra e deve saber como ficou aquela cidade depois do ataque das tropas do general Sherman. Meus pais morreram vítimas do bombardeio, pelo que, meu tio Maxwell tomou conta de mim, levando-me a viver com ele para Dallas.
Mae fez uma nova pausa. No seu rosto havia uma sombra de tristeza. Decorreram alguns segundos e prosseguiu:
— Quando meu tio morreu fui eu a sua herdeira universal, visto que não havia mais parentes: um «rancho» e um negócio misto de «saloon» e de hotel. Fiquei à frente dos negócios, mas, naquela altura, Dallas estava em completo desassossego e uma rapariga tão nova como eu não era, certamente, a pessoa mais indicada para gerir um estabelecimento daquele género. Vendi todas as propriedades pela soma de cinquenta mil dólares e abandonei a cidade. Vim então para o Oeste, com o propósito de estabelecer-me em qualquer parte que fosse mais tranquila do que Dallas. Foi assim que fui dar com os ossos a Atwell Springs, onde adquiri um desorganizado «saloon», chamado «A Taça de Ouro». Deve recordar-se ainda dele, não?
— Naturalmente. Mas, chamar àquilo desorganizado, é favor. A última vez que ali estive, pareceu-me mais uma espelunca do que outra coisa.
— Pois afirmo-lhe que o adquiri por bom preço. E, mais ainda do que isso, me custou pô-lo em condições. Mandei-o decorar de harmonia com o estilo moderno. Construiu-se um cenário para os espetáculos de atracões, instalei uma casa de jogo e escrevi para uma casa de Prisco (1) que se encarregou de enviar-me um escolhido grupo de «girls» para alegrarem o ambiente.
— Que arrojo, Mae! Isso devia ter produzido em Atwell Springs o efeito de uma bomba. Segundo me parece aquela gente é bastante austera.
— Hipócritas! Hipócritas e fariseus é o que eles são.
Mae estava transfigurada. Tinha os dentes cerrados e os seus olhos despediam centelhas de ódio. Apesar disso, Sutton continuou a achá-la lindíssima.
— Pode continuar, Mae.
— Durante os primeiros meses tudo correu às mil maravilhas. O clima que se respirava na «Taça de Ouro» era qualquer coisa de novo para aquela gente. Dispunham de um sítio para beber e jogar em companhia de belas raparigas. Para as poucas mulheres que ali havia, o meu estabelecimento devia assemelhar-se à antecâmara do inferno.
Mae sorriu-se com certa maldade e acrescentou:
— Havia ali um grupo de fregueses assíduos, constituído pelos homens mais categorizados da povoação. Naturalmente, eram eles os preferidos. Não pelas suas lindas caras, é bem de ver, mas apenas porque me interessava contar com pessoas influentes que, ao mesmo tempo que serviam de muralha contra o falatório e contra as más línguas, contribuíam para manter o ambiente em certo nível de honestidade. Enchiam-me de atenções e eram os primeiros a propalar aos quatro ventos que a «Taça de Ouro» não era um antro de perdição como afirmavam as megeras daquele lugar. Isto, é claro, foi no princípio. Por fim tudo mudou.
Não era difícil a Sutton acompanhar a descrição da jovem. Mae fazia reviver todas as personagens e todas as situações de outro tempo, com as mais pitorescas frases.
Depois de uma breve pausa, continuou:
-- Eu devia ter previsto o que estava para vir. Mas fui uma autêntica idiota por não me ter apercebido de que alguns daqueles sujeitos começaram a mostrar demasiado interesse por mim. Olhares, frases, insinuações que, ainda que me não passassem desapercebidas, não me incomodavam porque não lhes ligava importância. Em resumo: começaram aqui os meus desgostos. Que era mais amável com este; que me havia sorrido para aquele: que fulano tinha dito; que sicrano tinha insinuado. Enfim... tudo aquilo se converteu num inferno de ciúmes e de paixões que me não foi possível dominar. Aquela corja de imbecis confundia a minha simpatia e confiança com sentimentos que eu estava bem longe de sentir e que também não desejava despertar fosse em quem fosse. Foi um pandemónio, uma confusão dos diabos. Começaram por se afastar uns dos outros; seguiram-se os olhares carrancudos e as frases de duplo sentido e, por fim, passaram a vias de facto. Não havia dia em que não houvesse uma altercação que acabava, geralmente, por uma zaragata... Quereria poder demonstrar--lhe que em todo este desagradável assunto me comportei sempre como uma mulher digna e que jamais consenti que algum se excedesse.
— Acredito-a, Mae. Conheço-a há bem pouco tempo e já tive ocasião de formar o meu juízo a seu respeito. Tenho-a por uma mulher honesta, com uma cabeça muito equilibrada.
Os olhos de Sutton ficaram presos aos olhos de Mae. Viu neles uma doçura infinita e um desejo imenso de ser compreendida.
— Não tinha outro remédio senão cortar a direito — continuou a jovem. — Uma noite fiz reunir todos aqueles pretendentes e, depois de fechar o estabelecimento, pus as cartas todas à vista. Reconheço que fui demasiado brusca para com eles, mas, disse-lhes tudo quanto entendi acerca do seu ignóbil procedimento para comigo. Ri-me nas suas próprias barbas e diverti-me a explicar-lhes que não pensara ainda em me unir a homem algum e que, quando isso viesse a acontecer, não seria certamente com um «parolo» como sucedia com a maioria deles. Foram-se dali sem adeus me dizerem. n claro que nunca mais puseram os pés na «Taça de Ouro». O negócio continuou no seu ritmo normal. Os vaqueiros das redondezas continuavam a frequentar o «saloon», gastando ali o seu. dinheiro. Nada fazia prever a tempestade que estava para se desencadear. Como lhe disse, todos os meus desiludidos admiradores desapareceram para sempre do estabelecimento. Não foi exatamente assim: houve uma exceção. Essa exceção chamava-se Michael Sutton. Era o seu pai.
Sutton não foi apanhado desprevenido. Pelo que já era do seu conhecimento, presumia que seu pai tivesse tomado parte ativa nos factos que Mae estava relatando.
Mae fez uma nova pausa. No seu rosto havia uma sombra de tristeza. Decorreram alguns segundos e prosseguiu:
— Quando meu tio morreu fui eu a sua herdeira universal, visto que não havia mais parentes: um «rancho» e um negócio misto de «saloon» e de hotel. Fiquei à frente dos negócios, mas, naquela altura, Dallas estava em completo desassossego e uma rapariga tão nova como eu não era, certamente, a pessoa mais indicada para gerir um estabelecimento daquele género. Vendi todas as propriedades pela soma de cinquenta mil dólares e abandonei a cidade. Vim então para o Oeste, com o propósito de estabelecer-me em qualquer parte que fosse mais tranquila do que Dallas. Foi assim que fui dar com os ossos a Atwell Springs, onde adquiri um desorganizado «saloon», chamado «A Taça de Ouro». Deve recordar-se ainda dele, não?
— Naturalmente. Mas, chamar àquilo desorganizado, é favor. A última vez que ali estive, pareceu-me mais uma espelunca do que outra coisa.
— Pois afirmo-lhe que o adquiri por bom preço. E, mais ainda do que isso, me custou pô-lo em condições. Mandei-o decorar de harmonia com o estilo moderno. Construiu-se um cenário para os espetáculos de atracões, instalei uma casa de jogo e escrevi para uma casa de Prisco (1) que se encarregou de enviar-me um escolhido grupo de «girls» para alegrarem o ambiente.
— Que arrojo, Mae! Isso devia ter produzido em Atwell Springs o efeito de uma bomba. Segundo me parece aquela gente é bastante austera.
— Hipócritas! Hipócritas e fariseus é o que eles são.
Mae estava transfigurada. Tinha os dentes cerrados e os seus olhos despediam centelhas de ódio. Apesar disso, Sutton continuou a achá-la lindíssima.
— Pode continuar, Mae.
— Durante os primeiros meses tudo correu às mil maravilhas. O clima que se respirava na «Taça de Ouro» era qualquer coisa de novo para aquela gente. Dispunham de um sítio para beber e jogar em companhia de belas raparigas. Para as poucas mulheres que ali havia, o meu estabelecimento devia assemelhar-se à antecâmara do inferno.
Mae sorriu-se com certa maldade e acrescentou:
— Havia ali um grupo de fregueses assíduos, constituído pelos homens mais categorizados da povoação. Naturalmente, eram eles os preferidos. Não pelas suas lindas caras, é bem de ver, mas apenas porque me interessava contar com pessoas influentes que, ao mesmo tempo que serviam de muralha contra o falatório e contra as más línguas, contribuíam para manter o ambiente em certo nível de honestidade. Enchiam-me de atenções e eram os primeiros a propalar aos quatro ventos que a «Taça de Ouro» não era um antro de perdição como afirmavam as megeras daquele lugar. Isto, é claro, foi no princípio. Por fim tudo mudou.
Não era difícil a Sutton acompanhar a descrição da jovem. Mae fazia reviver todas as personagens e todas as situações de outro tempo, com as mais pitorescas frases.
Depois de uma breve pausa, continuou:
-- Eu devia ter previsto o que estava para vir. Mas fui uma autêntica idiota por não me ter apercebido de que alguns daqueles sujeitos começaram a mostrar demasiado interesse por mim. Olhares, frases, insinuações que, ainda que me não passassem desapercebidas, não me incomodavam porque não lhes ligava importância. Em resumo: começaram aqui os meus desgostos. Que era mais amável com este; que me havia sorrido para aquele: que fulano tinha dito; que sicrano tinha insinuado. Enfim... tudo aquilo se converteu num inferno de ciúmes e de paixões que me não foi possível dominar. Aquela corja de imbecis confundia a minha simpatia e confiança com sentimentos que eu estava bem longe de sentir e que também não desejava despertar fosse em quem fosse. Foi um pandemónio, uma confusão dos diabos. Começaram por se afastar uns dos outros; seguiram-se os olhares carrancudos e as frases de duplo sentido e, por fim, passaram a vias de facto. Não havia dia em que não houvesse uma altercação que acabava, geralmente, por uma zaragata... Quereria poder demonstrar--lhe que em todo este desagradável assunto me comportei sempre como uma mulher digna e que jamais consenti que algum se excedesse.
— Acredito-a, Mae. Conheço-a há bem pouco tempo e já tive ocasião de formar o meu juízo a seu respeito. Tenho-a por uma mulher honesta, com uma cabeça muito equilibrada.
Os olhos de Sutton ficaram presos aos olhos de Mae. Viu neles uma doçura infinita e um desejo imenso de ser compreendida.
— Não tinha outro remédio senão cortar a direito — continuou a jovem. — Uma noite fiz reunir todos aqueles pretendentes e, depois de fechar o estabelecimento, pus as cartas todas à vista. Reconheço que fui demasiado brusca para com eles, mas, disse-lhes tudo quanto entendi acerca do seu ignóbil procedimento para comigo. Ri-me nas suas próprias barbas e diverti-me a explicar-lhes que não pensara ainda em me unir a homem algum e que, quando isso viesse a acontecer, não seria certamente com um «parolo» como sucedia com a maioria deles. Foram-se dali sem adeus me dizerem. n claro que nunca mais puseram os pés na «Taça de Ouro». O negócio continuou no seu ritmo normal. Os vaqueiros das redondezas continuavam a frequentar o «saloon», gastando ali o seu. dinheiro. Nada fazia prever a tempestade que estava para se desencadear. Como lhe disse, todos os meus desiludidos admiradores desapareceram para sempre do estabelecimento. Não foi exatamente assim: houve uma exceção. Essa exceção chamava-se Michael Sutton. Era o seu pai.
Sutton não foi apanhado desprevenido. Pelo que já era do seu conhecimento, presumia que seu pai tivesse tomado parte ativa nos factos que Mae estava relatando.
(1) Prisco: Denominação abreviada de São Francisco da Califórnia, usada nos Estados Unidos.
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