segunda-feira, 5 de setembro de 2016

PAS671. O homem que fazia medo à «Dama do Rio»

Entretanto, Yuga chegou à sala de jogo. Apesar de ser ainda muito cedo, havia ali muitos jogadores. Era uma distração ao longo da viagem, e Yuga sabia-o. Esta era outra das coisas com as quais contava. Encaminhou-se para um pequeno balcão. Antes de pedir alguma coisa, o «barman» serviu-lhe um copo de «Cavalo Branco».
Ia levar o copo à boca, quando atrás de si soou uma voz:
— Yuga. Onde esteve até agora?
Não precisava voltar-se para saber de quem se tratava: dum dos jogadores do barco. Um profissional e o único homem que odiava deveras. Não sabia donde era nem donde vinha. Entrou no barco numa época em que ela estava sem um cêntimo, precisamente no dia em que o «Belle» começou a navegar depois da morte do pai.
Aquele homem emprestara-lhe um bom punhado de dólares, para ficar no barco como um dos «pontos». Aceitou, visto que não tinha outra solução. Foi demorando o pagamento daquele dinheiro dia após dia. Quando uma vez o tentou, o sorriso untuoso do homem deteve-a. Segundo declarou, apaixonara-se por ela e o seu único anseio era que correspondesse ao seu amor.
Pela primeira vez na sua vida, sem saber porquê, não se atreveu a rir-se do homem. Discutiram durante muito tempo sem chegarem a um acordo. E ela, agora, não tinha outro remédio senão suportá-lo. Aquele dinheiro que o batoteiro não aceitou, perdera-se. Certo que ela tinha. Mas o pagar não resolveria nada, pois Yuga julgava saber o que pretendia o homem.
Queria as duas coisas: o barco e ela. Teria que suportá-lo, quisesse ou mão. Phil Whisper soubera fazer bem as coisas. Quando ela deu por isso, era demasiado tarde. Em cada porto onde o «Belle» ancorou, entrara um jogador, até cinco, homens de confiança de Whisper.
Tinha-lhe medo, mas guardava-se muito bem de lho demonstrar, sabendo que se o fizesse estaria perdida para sempre. Mas a verdade indiscutível era esta: de nome, era a proprietária do «Belle». De facto, eram precisos muitos «Colts» para desfazer os manejos Phil Whisper!
Olhou-o de frente antes de responder. Era um tipo alto e ossudo, muito senhor de si., sempre com um untuoso sorriso nos lábios. Tinha o cabelo louro e ondulado, uns estranhos olhos azuis e uma boca grande de dentes brancos e cuidados. Vestia a clássica indumentária dos batoteiros: sobrecasaca e calças de riscas, botas brilhantes e chapéu de copa direita e largas abas.
Debaixo das abas da casaca apareciam as negras coronhas de dois «Colts» 38. Ela sabia que era muito rápido. Em várias brigas na sala de jogo, elas terminaram com a morte de um ou outro jogador, sempre em consequência das armas daquele a quem temia. Também trazia um «Derringer» de cano curto num coldre auxiliar.
— Estive na coberta — respondeu por fim. — Mas não creio que isso lhe interesse muito, Phil.
— Engana-se. Sabe que a amo e que farei tudo o possível para conseguir o seu amor.
Ela desatou a rir, mostrando uma dupla fila de dentitos de marfim. Phil Whisper olhou para eles como que fascinado, mas não se atreveu a nada mais. E ela continuava a rir. Era essa a sua arma de defesa: o riso. Enquanto a visse rir, Whisper não poderia adivinhar o medo que tinha.
— Mas eu não, Phil, já lho disse várias vezes. Passe esta noite pelo meu escritório — disse, de repente, esquecendo o que constituía a sua obsessão. — Pagar-lhe-ei o que lhe devo e poderá sair deste barco. E creio que o lamento. Gostaria de poder amá-lo.
Agora chegou a vez do batoteiro. Riu alegremente, enquanto se crispava a boca de Yuga Dumeine.
— Não quero esse dinheiro, Yuga. Só a si, por demais o sabe.
A rapariga perdeu a calma, esquecendo o medo por uns instantes.
— É possível que seja verdade, «monsieur» — replicou, mordendo as palavras. — Mas não acredito. Considera-me uma desgraçada? É tolo, se assim pensa. Quer o barco com tudo o que contém. Supõe que não percebi já? Porquê, senão por isso, essa teimosia em não querer que lhe devolva o seu dinheiro? –
O sorriso de Whisper gelou-se-lhe nos lábios.
— Sempre disse que você era uma mulher inteligente — disse, tirando a máscara. — Amo-a, a si. Mas muito mais o barco e o seu dinheiro. Já sabe a verdade. Que responde agora?
— Que você é um porco coiote, Phil — retorquiu, com os olhos chamejantes. — Se tivesse uma arma, creia que o mataria neste instante.
— Não sairia viva daqui, Yuga. Não lhe aconselho levar as coisas para a tragédia. Os meus homens e eu somos agora os senhores. Terá que resignar-se. Tem tempo de pensar o que mais lhe convém, até à nossa chegada a Nova Orleães. Quer dizer — acrescentou, depois duma curta pausa — até à noite de véspera. Creio que o capitão tem poderes para celebrar um casamento. Pense, Yuga.
— Já pensei bá muito, «monsieur» coiote. Primeiro me deixaria matar.
Ele fitou-a com um sorriso gelado.
— É possível que a mate. As testemunhas suspeitas estorvam, Yuga. Dessa maneira, evitarei incómodos, e você perderá o barco e a vida. Recomendo-lhe que pense bem no caso. Tem mais a perder do que a ganhar. Por outro lado — terminou em tom cínico — julgo-me com competência para desempenhar o papel dum bom marido.
Deu meia volta antes que ela pudesse responder e afastou-se pelo corredor. Ela continuou a beber o «whisky» a pequenos sorvos, olhando para os jogadores. Segundo parecia, ninguém dera pela estranha conversa.
Quando acabou de beber, percorreu com o olhar os «profissionais». Só havia três, segundo parecia, que lhe eram afetos. Os outros cinco, jogadores e pistoleiros ao mesmo tempo, eram os homens Phil Whisper. Então, ao vê-los embrenhados no jogo de cartas, da roleta ou dos dados, compreendeu que não podia contar com nenhum. Todos eles se colocariam ao lado do mais forte. Neste caso, Phil Whisper!

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